Esta reportagem do Estadão, veiculada semana passada, ilustra com maestria como NÃO devemos interpretar a recente liberação de terceirização de atividades-fim de empresas aprovada pelo Congresso Nacional:
BRASÍLIA – A Câmara aprovou, na noite desta quarta-feira, 22, a redação final do projeto de lei de 19 anos atrás que permite terceirização irrestrita em empresas privadas e no serviço público. A proposta também amplia a permissão para contratação de trabalhadores temporários, dos atuais três meses para até nove meses – seis meses, renováveis por mais três (veja como cada deputado votou).
O texto final aprovado, que seguirá para sanção do presidente Michel Temer, autoriza a terceirização em todas as atividades, inclusive na atividade-fim.Atualmente, jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TSE) proíbe terceirizar a atividade-fim da empresa. Por exemplo, um banco não pode terceirizar os atendentes do caixa.
Esta foi a tônica das matérias produzidas nas redações de veículos de comunicação Brasil afora em relação ao tema: “liberou geral”, e agora ninguém mais será contratado de forma direta pelos empreendedores, e a regra passará a ser os próprios trabalhadores formalizarem cadastros na Receita Federal para serem contratados como empresas terceirizadas. O resultado disso tudo seria o apocalipse trabalhista, com a supressão de todas as vantagens garantidas por lei aos empregados pela legislação em vigor.
Eis mais um grande desserviço prestado pela grande mídia nacional, e que pode redundar em ainda mais insegurança jurídica se faltarem esclarecimentos. Então senta que lá vem (a verdadeira) história.
1 – Contratar empregados por meio de uma empresa interposta é diferente de terceirizar uma atividade: Imaginemos uma padaria. Manoel, seu proprietário (para reforçar o estereótipo), fabrica pães, bolos e salgados em uma setor localizado nos fundos do estabelecimento, onde encontram-se máquinas de panificação, fornos e toda a estrutura necessária para esta atividade. Eis que o portuga resolve direcionar seu foco apenas para o aspecto comercial de seu empreendimento, ou seja, ele não mais pretende produzir os farináceos que serão postos à venda em seus balcões. Diante deste cenário, o empresário resolve:
A) Pôr a venda os bens de capital (equipamentos e maquinário) que costumava utilizar no processo produtivo, demitir ou realocar a mão de obra nele empregada, construir um estacionamento na área que foi desocupada e firmar um contrato com um fornecedor de pães e demais produtos do gênero que possui expertise no ramo: isso é terceirizar uma atividade. E como o propósito de sua empresa agora é vender, e não mais produzir, este tipo de alteração estrutural, a princípio, sempre foi permitida no Brasil (mesmo diante da surrada celeuma entre atividade-fim e meio), e, no caso, nada mudou;
B) Vender tanto os bens de capital quanto o espaço físico outrora utilizados no preparo dos produtos para seu amigo Joaquim, o qual resolveu investir na fabricação e distribuição de farináceos. Joaquim irá gerir seu negócio de forma totalmente independente e vai fornecer para Manoel os pães e similares que serão oferecidos em sua padaria – bem como já encontram-se em adiantado estágio diversas negociações com outras padarias. Isto é terceirizar uma atividade também, e, até agora, não encontrava respaldo legal por conta do teor da súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (um caso típico de ativismo judicial, um julgado que inovou o Direito, uma vez que não existia tal proibição em nosso ordenamento jurídico). Não mais: Agora Joaquim e Manoel podem apertar as mãos tranquilos;
C) Rescindir o contrato com os empregados do setor de panificação João e Maria, e contratar a microempresa “João e Maria Ltda”, para que as mesmas pessoas, agora dotadas de personalidade jurídica, continuem trabalhando da mesma forma que vinham fazendo anteriormente, mas agora sem registro em carteira de trabalho: isto é contratar empregados por meio de empresa interposta, muito embora não seja esta a intenção original do Manoel. Por quê?
Pelo simples fato de que os artigos 2º e 3º da CLT, os quais definem o que é empregado e empregador, não estão revogados. Somados ao artigo 9º, o qual positiva o denominado princípio da primazia da realidade sobre a forma (ou seja, o mundo real prevalece sobre o papel), determinando que serão nulos de pleno direito atos praticados com o fim de contornar as leis trabalhistas, temos que, mesmo após o advento do novo diploma legal em análise, João e Maria, muito provavelmente, ainda são empregados de Manoel, a despeito das mudanças promovidas de comum acordo nas relações jurídicas entre as partes.
É difícil, pois, imaginar que, nesta conjuntura, não haverá relação de pessoalidade (João e Maria não podem mandar os irmãos trabalharem em seu lugar sempre que quiserem) ou subordinação entre contratante e contratados (João e Maria submetem-se às normas internas do estabelecimento – o chamado regulamento da empresa, seja expresso ou tácito).
Sendo estes os principais pressupostos da relação de emprego, vai por terra a suposta terceirização e sobram dois empregados contratados informalmente, em flagrante irregularidade, uma vez que “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário”, conforme redação da Lei n. 6.019/1974.
Ou seja, é possível que “dê ruim” para o português acreditar nos jornais que saíram gritando histéricos que “liberou geral” terceirizar e que o fim do mundo para os “proletários” havia chegado. Muito mais sensato seria, justamente, deixar claro que terceirizar uma atividade qualquer de um empreendimento significa delegar toda a responsabilidade sobre a realização daquele serviço para outro empreendedor, o qual dirige e comanda sua própria empresa e entrega o combinado entre as partes. O que nos conduz, então, ao próximo item.
2 – A famigerada “pejotização”, isto é, uma pseudo-terceirização permeada por características da relação de emprego, continua sendo, na maioria dos setores produtivos, proibida, por caracterizar fraude.
Não que os trabalhadores achem necessariamente ruim este tipo de acordo: em 2012, houve até mesmo uma passeata de cabeleireiros, manicures e maquiadores em Curitiba, os quais protestavam contra uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal que cobrava dos proprietários de salão de beleza locais a formalização do vínculo empregatício com tais profissionais. Só que eles recebiam valores bem superiores trabalhando como autônomos – muito embora essa autonomia fosse questionável. Além disso, os pesados encargos trabalhistas demandariam a realização de cortes na folha de pagamento dos salões, gerando, claro, desemprego.
E conhecendo um pouco o histórico do nosso país, quando uma legislação qualquer está emperrando o desenvolvimento de um setor da iniciativa privada, o que ele precisa fazer para sanar o problema? Claro: organizar-se, exercer pressão junto ao meio político e arrancar uma exceção para si próprio, como já o fizeram os permissionários de licenças de táxi, por exemplo (cuja relação de trabalho com os motoristas contratados não pode ser convertida em relação de emprego, graças à Lei 6.094/74 e ao lobby empregado para sua aprovação). Assim procederam também os donos de salões de beleza, os quais lograram aprovar, em outubro de 2016, A Lei nº 13.352, que legaliza os contratos de parceria com os profissionais de estética.
E o Manoel? Bom, este vai ter que ler este artigo com carinho, se não quiser ser intimado pelo Judiciário assim que João e Maria saírem da empresa – com atenção especial para o próximo tópico.
3 – A responsabilidade pela segurança e pela saúde dos empregados no ambiente laboral segue sendo de ambos, tomador e prestador de serviços: é farta a jurisprudência no sentido de que, em caso de terceirização de serviços, o tomador e o prestador respondem solidariamente pelos danos causados à saúde dos trabalhadores, seja por adoecimento ocupacional, seja por acidente.
Vale dizer: o contratante não tem como furtar-se à culpa, ainda que “in eligendo” ou “in vigilando” – isto é, deve ele ficar atento para escolher um prestador que possa arcar com os custos de proporcionar trabalho seguro a seus empregados, e deve cobrar deste a comprovação de que vem adotando as medidas necessáriaspara tal. É possível que o tomador de serviços forme o polo passivo de uma ação por indenização por acidente de trabalho juntamente com o prestador, ou mesmo apenas ele figure como reclamado na lide.
Diferente situação configura-se quando se trata de pagamento de salários e outras contraprestações pecuniárias. Neste caso, a responsabilidade do tomador é subsidiária, isto é, faz-se necessário esgotar as tentativas de cobrar o prestador inadimplente para, somente então, acionar o contratante. Por oportuno, consigne-se que, ainda assim, diversas empresas de maior porte costumam reter parte do pagamento devido mensalmente às empresas contratadas até que estas comprovem ter quitado a remuneração de todos os seus empregados, recolhido o FGTS, dentre outras obrigações – sem serem obrigados por lei a isso, tão somente como precaução “in vigilando”.
E adivinhe só: este expediente deveras salutar poderia ter sido imposto a todos os tomadores de serviço, não fosse por um detalhe bizarro: a extrema-esquerda tanto bateu o pé no Senado que tomou um balão dos parlamentares, conforme constata-se a seguir.
4 – Quem tudo quer, tudo perde: tramitava na Congresso Nacional o PL 4330/2015, o qual também versava sobre a regulamentação dos contratos de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes, aprovado na Câmara dos Deputados ainda sob a presidência de Eduardo Cunha e emperrado na “casa alta” desde então. O motivo: “não aceitamos retrocesso”, bradavam entidades sindicais e agentes políticos populistas nas sessões do Senado.
Diante do impasse e da pressa do atual governo em implementar reformas que possam tirar o Brasil do atoleiro em que a “nova matriz macroeconômica” nos meteu, Rodrigo Maia fez um malabarismo e desengavetou uma outra proposta semelhante de 1998, que já havia sido votada no Senado em 2002, logrando aprovar o diploma legal.
Ou seja, CUT, PSOL e demais radicais, na ânsia de espernear contra o progresso, fizeram um gol contra os trabalhadores terceirizados:
-> Ocorre com certa frequência de um empregado terceirizado laborar por muitos anos para o mesmo tomador (especialmente a administração pública) sem usufruir férias, pelo fato de que o prestador de serviços, anualmente, é alterado. No PL 4330/2015, esnobado pela extrema-esquerda, havia previsão para que, neste caso, o empregado gozasse férias dentro do período concessivo como se subordinado ao mesmo empregador estivesse. No PL que foi aprovado, não;
-> No PL 4330/2015, a responsabilidade do tomador de serviços tornava-se solidária ao do prestador até mesmo para questões salariais, facilitando a vida dos empregados cujo empregadores terceirizados “somem do mapa” (o que também está longe de ser raro). No PL que foi aprovado, não;
E por aí vai. Eis o resultado da combinação de uma legislação que claramente precisava ser atualizada, treze milhões de desempregados (por baixo, sem considerar subempregados), empresas fechando em cada esquina, sentenças judiciais desconectadas da realidade, e a intransigência total daqueles que se dizem defensores dos trabalhadores. Consideravam eles tão inegociável permitir a terceirização de atividades-fim que acabaram forçando a aprovação de uma lei ainda mais permissiva.
Não tem para onde correr, companheiros; nem tampouco o STF é uma opção, dona Rede Sustentabilidade. A terceirização é um fato, ela existe e fingir que com bandeiras vermelhas ao vento será possível (ou desejável) erradica-la é um comportamento dos mais infantis.
Terceirizar é fazer a mesma coisa com especialização e escala, e, portanto, com menor custo. Daí sai o lucro das terceirizadas: de sua eficiência, e não necessariamente da precarização das condições de trabalho. Como acontece, aliás, no mundo civilizado todo, incluindo Estados Unidos, boa parte da Europa e Ásia. A intermediação de mão de obra despida de condutas fraudulentas é prática lícita e benéfica para toda a sociedade.
Aliás, diferente do que muitos por aí querem fazer crer, terceirização não é sinônimo de precarização. A precarização pode advir, na verdade, de terceirizações “fake”, como ocorre com as falsas cooperativas de trabalho, e contra elas nos devemos insurgir. Posto isto, a distinção entre atividade-fim e atividade-meio se torna mera retórica (que há muito já se arrastava) e um assunto que deve ficar adstrito ao planejamento empresarial.
Encerro transcrevendo uma análise muito sóbria de um juiz do trabalho de Itabuna/BA, intitulada por ele próprio como “Mitos e Verdades sobre a Terceirização – Uma Análise Racional”:
1 – A terceirização extingue os direitos trabalhistas, precariza a relação de emprego e põe fim à CLT. MITO. Os terceirizados tem os mesmos direitos dos empregados diretamente contratado, inclusive isonomia salarial (OJ nº 383, da SDI-1, do TST). Além disso, o Brasil recebe três milhões de ações trabalhistas por ano em média, o que demonstra que já há precarização do trabalho.
2 – A terceirização vai aumentar os postos de trabalho. MITO. Postos de trabalho são criados com crescimento econômico e não por meio de lei.
3 – A terceirização cria duas ou mais categorias de trabalhadores que executam a mesma atividade. VERDADE. Isso, de certa forma, desagrega a categoria. Mas isso pode ser resolvido por meio da reforma sindical, com o fim da unicidade sindical, as entidades de classe podem ser criadas observando outros critérios. Inclusive isso já deveria ter ocorrido há muito tempo, mas não se efetivou por conta do lobby dos sindicatos que não querem perder a receita do imposto sindical.
4 – A legalização vai aumentar a quantidade de empregados terceirizados.VERDADE, uma vez que as empresas que receavam contratar terceirizados para a atividade fim, o farão a partir de agora, se assim for do seu interesse, ou seja, se esse procedimento implicar crescimento lucrativo, o que nem sempre acontece. Mas esse número não vai aumentar demasiadamente, considerando que no Brasil já existem 15 milhões de empregados terceirizados, ¼ da mão de obra total no país.
5 – As empresas prestadoras de serviços não possuem capital e, por conta disso, os empregados não receberão seus direitos trabalhistas. MITO. O projeto de lei aprovado prevê a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços, ou seja, se a empregadora não paga, quem responde é que se beneficia da prestação de serviços (tomadora). Ressalte-se ainda que existem várias empresas que contratam diretamente e não possuem capital suficiente para garantir o pagamento das verbas trabalhistas dos empregados. Resultado: o trabalhador vai à Justiça do Trabalho, obtém êxito na ação, mas não recebe o valor correspondente por falta de bens para serem penhorados. Os terceirizados da administração pública serão beneficiados, pois ela responderá de forma subsidiária de forma objetiva, o que não ocorre atualmente, conforme decisão do STF na ADC 16.
6 – A lei da terceirização cria segurança jurídica. VERDADE. Bom ou ruim, pelo menos haverá uma legislação regulamentando um fenômeno que ocorria há décadas do Brasil. O direito não poderia ignorar essa realidade. E foi por conta dessa omissão que o TST editou inicialmente a Súmula nº 256, que vedava totalmente a terceirização geral (excetuando-se o trabalho temporário e dos vigilantes, por expressa autorização legal), depois substituída pela de nº 331, que admitia a terceirização na atividade meio, flexibilizando o entendimento anterior.
7 – Haverá mais risco de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais com os terceirizados. MITO: O PL prevê que a responsabilidade direta pelo cumprimento das normas de segurança, higiene e medicina do trabalho é da empresa tomadora dos serviços. Isso significa que empregado direto e terceirizados tem o mesmo risco de acidente ou de adquirir doença ocupacional.”
Por um Brasil sem Populismo!
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