“Consiste em um vício de raciocínio achar que, sempre e necessariamente, a virtude (e a verdade) está no meio-termo entre duas posições extremas. Ora, do fato de que um sujeito afirme enfaticamente que 2+2=5, e outro que 2+2=4, não segue que a verdade esteja no meio-termo, ou seja, no 4,5. Não. O primeiro sujeito está errado”.
Flávio Gordon.
Existem diversas espécies de opiniões opostas que podem conviver harmonicamente sem que uma delas possa ou deva ser considerada incorreta. Azul ou vermelho, doce ou salgado, samba ou rock, Palmeiras ou Corinthians, são todas opções que não repousam sobre a lógica, e constituem questões de gosto, de foro íntimo, revestidas de caráter emocional, não sendo sensato, portanto, afirmar que uma das alternativas está em desacordo com o mundo material, com a realidade.
Inúmeras atividades profissionais desfrutam desta possibilidade de que distintos posicionamentos coexistam sem que a mera existência de um refute a percepção do outro. Críticos literários ou de cinema podem divergir quanto à qualidade de um livro ou filme de ficção e ambos serem considerados referências na área. O mesmo raciocínio aplica-se a comentaristas esportivos, chefs de cozinha, cerimonialistas e muitas outras profissões que atuam em ramos os quais podem se dar ao luxo de tolerar uma substancial diversidade de pensamentos contrastantes sem que isso implique em prejuízos, na maioria das vezes, para quem quer que seja. A comida do restaurante A pode ser melhor do que a do B, sem que isso torne a comida de B “errada”. Eis o espírito da coisa.
O campo das Ciências Exatas, a seu turno, ostenta um status de crueldade para com aqueles mais chegados a avaliações subjetivas do gênero. Equações não costumam aceitar duas respostas corretas, sob a alegação de que cada uma corresponderia a uma visão de mundo particular. Estruturas de sustentação de edifícios não deixam de ruir porque o engenheiro que as projetou é gente boa. Computadores não calculam nada mais rapidamente pelo fato de que seus programadores estavam bem intencionados. Aeronaves não deixam de colidir com o terreno porque os fabricantes acharam cool retirar os flaps. É a realidade nua e crua da objetividade, portanto, que permeia tais campos do estudo, sem deixar muita margem para considerações de ordem privada.
Ao que, pois, pergunto: o que diabos a Economia está fazendo nos departamentos de Humanas das universidades?
Lembram daquele texto sobre websites voltados a pesquisas escolares? Então: fui fazer a indagação supracitada ao Google, o buscador me direcionou exatamentepara um deles, e vejam o que ele tinha a dizer sobre a celeuma:
Entendi: como o indivíduo é também um “ser social”, as ciências econômicas precisam ficar encravadas em um ambiente totalmente dominado pelo marxismo cultural, contrariando sua concepção voltada a números, contas e operações financeiras complexas que demandam muita…exatidão, sob risco de “coisas ruins” acontecerem. Não imagino um poupador recebendo um telefonema de sua companhia de investimentos, dando conta de que ele perdeu tudo na bolsa de valores naquele dia porque seu agente considerou socialmente responsável investir na Petrobrás durante as primeiras fases da lava-jato, e ficando feliz com a notícia. Este corretor da bolsa estava, sim, errado quando decidiu proceder desta forma, e não há o que discutir sobre isso.
No mesmo sentido, pouco resta para debater quando o que está em discussão são os danos e benefícios para uma nação advindos de práticas estatizantes ou liberalizantes adotadas pela equipe econômica de um determinado governo. Aquelas estão erradas; estas estão certas. Simples assim. Basta um rápido correr de olhos no topo e na rabeira do ranking de liberdade econômica elaborado pela Heritage Foundation para começar a concordar com tal assertiva:
Perceberam a forte correlação desta tabela com ranqueamentos de Índice de Desenvolvimento Humano elaborados pela ONU ou organizações similares? Notaram a coincidência com os rankings de países mais corruptos – se a virarmos de cabeça para baixo, claro? Viram que quando mais liberalismo, mais alta a renda per capita? Concluíram, pois, que liberdade econômica significa mais qualidade de vida para a população e menos corrupção no governo?
Pois bem: como é possível alguém pretender contestar algo que foi constatado a partir de repetida verificação prática? Como ponderar contra os fatos? Como brigar com a realidade? Como encaixar na frieza dos números a narrativa de que mais estado pode ser proveitoso para os mais pobres?
O Brasil vem experimentando esta fórmula assistencialista e intervencionista há décadas e vive pulando de recessão em recessão, sem jamais lograr ascender a níveis de desenvolvimento superiores, ao passo que países como Chile, Irlanda, Nova Zelândia e até mesmo Burkina Faso progrediram substancialmente após adotarem providências como corte de impostos, gastos estatais e regulações¹, redução do escopo de atuação do estado e flexibilização de leis trabalhistas.
Ah, o mito escandinavo como argumento pró-socialismo, pois sim. Sempre ele. Nada que um vídeo de meia dúzia de minutos não resolva².
Até quando este cenário precisa reiterar-se para que seja, enfim, formado um consenso nacional a respeito, e não mais precisemos ficar assistindo este debate entre dois especialistas, um dizendo que a roda do carro deve ser redonda, outro afirmando que o ideal seria que fosse quadrada, e encarando tudo como se estivéssemos diante de um “debate sadio”, onde a opinião do segundo deve ser respeitada? Façam-nos o favor!
O brasileiro já cansou de esperar pelo desenlace deste verdadeiro loopintelectual, reforçado pelos ciclos econômicos fomentados pelas intervenções tipicamente keynesianas do Banco Central, acompanhadas de mais gasto governamental (ainda que a custo de endividamento e inflação), e sua capacidade conjunta de aparentar que é possível viver de impressão de dinheiro sem lastro.
Vamos completar 100 anos, em breve, da data em que Mises publicou “O cálculo econômico sob o socialismo”, lançando por terra toda a base em que pretendiam se sustentar os regimes socialistas, e, por incrível que pareça, ainda cruzo com pessoas formadas em Economia que jamais ouviram falar da Escola Austríaca, e que não imaginam que as teorias de Marx já foram reduzidas a pó – tanto por meio de teorias como pela demonstração empírica.
Não creio que este problema seria resolvido com o simples deslocamento desta graduação para o departamento de Exatas, mas que esta ciência precisa ser encarada com mais empirismo, disso não tenho dúvida.
Da próxima vez, portanto, que um economista da Unicamp apresentar-se professando ações do estado na economia com o objetivo atingir o pleno emprego ou baboseiras afins, não tenha receio em declarar que ela está errado, tal qual o ignaro que respondeu que 2+2=5 no primeiro parágrafo – e que não é muito mais esperto de quem acha que a solução está no meio-termo.
Tolerância para conviver com a opinião alheia? Pode ser, desde que a situação comporte. Não é o caso. Intervencionistas estão errados; Liberais estão certos. E isso não sou eu quem diz: é a ordem espontânea do livre mercado, quando faz seu milagre acontecer, que fala em alto e bom som.
Roger Scruton, por certo, não se importará em emprestar sua célebre frase “Nós, conservadores, somos chatos, mas também estamos certos” para os liberais. É por uma boa causa.
² https://www.youtube.com/watch?v=S6psuUt8caM&feature=youtu.be
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