A guilhotina, por absurdo que pareça, derivou do projeto de um médico humanitário, o doutor Guillotin, que enviou a recomendação da sua fabricação à Assembleia Nacional, em 1789. Menos de três anos depois, uma máquina de matar em massa começou a ceifar vidas durante a revolução numa rotina que parecia não ter mais fim.
A primeira experiência
“Repleta teu cesto divino com cabeças de tiranos.../Santa Guilhotina, protetora dos patriotas,/Rogai por nós./Santa Guilhotina, calafrio dos aristocratas,/Protegei-nos!”
Prece revolucionária, 1792-1794
O alarde correu por toda Paris. Que fossem à Place de Grève para assistir uma execução com uma nova máquina. Os bairros patriotas mobilizaram sua gente para vê-la ser experimentada num ladrão comum, um tal de Pelletier. Era dia 25 de abril de 1792 quando a multidão começou a aglomerar-se em frente ao patíbulo. Sobre ele, já em cima, coberto com um pano breado, estava o assustador artefato. Comentou-se que Samsom, o carrasco oficial da cidade, havia se exercitado antes em vários repolhos. A multidão calou-se. Traziam o condenado. A cabeça dele havia sido tosada para que os cabelos do pescoço não criassem embaraços ao cortante fio cutelo. O verdugo estendeu o desgraçado numa prança, amarrado, e soltou a alavanca que suspendia a lâmina. O aço, com traçado diagonal, despencou-se sobre a vítima com a rapidez do bote da serpente, um sucesso. No cesto, a cabeça saltou e parou. A multidão exclamou uníssona, fascinada pelo espetáculo e pelo horror.
O Doutor Guillotin
A máquina funcionava, a guilhotina começava a fazer história. Poucos na vida tiveram a infelicidade do doutor Joseph Ignace Guillotin, que teve a má sorte de ter seu nome associado à morte. Na verdade, era um cientista respeitado e um profissional de sucesso, dedicado à causa da saúde pública, considerado um emérito médico vacinador. Antes da revolução de 1789, foi clínico do conde de Provence e indicado, graças a sua credibilidade, para participar da comissão que desmascarou a impostura de Mesmer, um aventureiro que encantou os ingênuos da época com suas experiências sobre o magnetismo animal.
Eleito representante do Terceiro Estado, tratou de apresentar um projeto que aplicava o princípio de Beccaria da uniformização das das sentenças, afirmando que “les délits du même genre seront punis par lê même genre de peine, quel que soient le rang de l'etat du coupable”, “que os delitos do mesmo gênero serão punidos pelo mesmo gênero de pena, não importando a origem social do do culpado”. Para democratizar as penas de morte, Guillotin sugeriu a construção de um engenho para tal fim; “a mecânica tomba... a cabeça voa, o sangue jorra, o homem não existe mais.” Por isso passou o resto de sua vida, morreu de carbúnculos em 1814, tentando inutilmente desassociar o seu nome do terrível engenho.
Igualdade até a morte
Era a igualdade uma das máximas da Revolução de 1789, chegando ao patíbulo. O projeto do doutor Guillotin, apresentado em dez de outubro de 1789, com o apoio de Mirabeau, não foi imediatamente aprovado. Mais um passo foi dado, em cinco de junho de 1791, com a lei do deputado Le Peletier de Saint-Fargeau, que determinava que “todo o condenado à morte terá sua cabeça decepada”. Abolia-se a forca, a espada e a roda, bem como as torturas. Em seguida, a Assembleia Nacional autorizou o secretário da Academia de Cirurgia, o doutor Louis, a idealizar o aparelho mortífero. Este entregou a parte mecânica do projeto para um prosaico fabricante de harpas, um alemão de nome Schimitt. Na verdade, o artefato deveria chamar-se “Louison”, mas, uns tempos antes, o jornal monarquista Actes des Apôtres, satirizando o projeto, publicou que cette machine suplicielle devra-t-elle porter la denomination douce... de guillotine!, esta máquina suplicadora deveria trazer a doce denominação de... guilhotina! Pobre doutor.
Fonte: http://educaterra.com.br/voltaire/mundo/guilhotina.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário