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quarta-feira, 15 de março de 2017

Conselheiros de direitos humanos criticam propostas de revisão do ECA

Conselheiros de defesa dos direitos da infância e da adolescência debateram nesta terça-feira (14) com deputados propostas de mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em audiência pública realizada pela comissão especial da Câmara que discute o projeto de Lei (PL) 7.191/2002, representantes de conselhos de direitos humanos criticaram os textos que tramitam na Casa e visam a reduzir a idade penal ou aumentar o tempo de internação dos adolescentes.

O projeto de lei em debate estabelece que as medidas socioeducativas previstas no ECA possam ser aplicadas a jovens que já atingiram a maioridade penal. Mais 52 projetos em trâmite na Câmara propõem alterações no ECA e estão apensados ao PL 7.191. O teor de algumas das propostas prevê a ampliação do tempo máximo de internação de três para dez anos.

O endurecimento da pena para os jovens é apoiado pelo relator da chamada Reforma do ECA na Câmara, Aliel Machado (Rede-PR), em casos de crimes considerados mais graves. O deputado, no entanto, disse que só vai fechar seu parecer depois de ouvir os atores envolvidos no assunto.

Retrocesso

Romero José da Silva, integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), afirmou que a entidade mantém posição contrária à redução da idade penal e ao aumento do tempo de internação. Silva considera retrocesso qualquer tentativa de eliminar os direitos garantidos pelo ECA. “O Conanda não volta atrás e não faz nenhuma discussão em favor da redução da maioridade penal, nem no aumento do tempo de detenção”, declarou.

Silva chamou a atenção para a responsabilidade da comissão especial no tratamento da temática, principalmente como mediadora entre os desejos da sociedade e os defensores do sistema de garantia de direitos. E fez um apelo para que os deputados não cedam à pressão para reduzir a maioridade penal ou aumentar a reclusão.

Segundo Silva, o Brasil tem hoje pouco mais de 22 mil adolescentes e jovens cumprindo medida de internação a um custo total de R$ 5 bilhões. “Estamos falando de uma média de cada adolescente internado custando em torno de R$ 13 mil, estamos falando de um custo caro, que vai de encontro à pauta do governo de corte de gastos”, argumentou.

Tortura

O representante do Conanda destacou ainda que o sistema socioeducativo brasileiro apresenta problemas como a institucionalização da prática da tortura e a negação de vários direitos fundamentais.

De acordo com o conselheiro, essa realidade não garante a ressocialização dos adolescentes, estimula a reincidência e, por isso, inviabiliza o aumento de detentos nas unidades e do seu tempo de permanência dentro delas. “É preciso falar sobre um sistema que mantém os meninos confinados e não garante ressocialização, pelo contrário, há um processo de despersonalização humana”, disse.

Para o conselheiro e assistente social do Distrito Federal Fábio Félix, as propostas atuais já vigoraram em códigos anteriores ao ECA e não surtiram o efeito desejado de redução da criminalidade e melhoria na segurança pública. “O ECA surge como ruptura ao modelo anterior. Quem defende redução da maioridade ou aumento da internação defende uma legislação que já existiu. Não é proposta criativa nem inovadora, isso já foi aplicado e não funcionou”, afirmou Félix.

Para o assistente social, a discussão deveria girar em torno de propostas que garantissem a contratação de mais profissionais, melhorias nas estruturas e na forma de tratamento, além de investimento em medidas educativas no meio aberto.

Bisneto da senzala

Já para Telma Melo, integrante do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Distrito Federal, é necessário também refletir sobre o perfil dos adolescentes em conflito com a lei que, em sua maioria, são negros e pobres. “O sistema socioeducativo brasileiro é bisneto da senzala, porque ele tem cor e classe social.”

Telma ressaltou que recebe várias denúncias de violação de direitos humanos ocorridas dentro das unidades de internação e que os casos não são devidamente apurados. “Só vemos os crimes cometidos pelos adolescentes. Mas eles são tutelados pelo Estado, que tem que garantir a proteção física e a vida destes adolescentes. É preciso repensar essa lógica, porque senão vamos continuar fazendo vítimas.”

A conselheira propôs também que os deputados ouçam adolescentes que fazem parte do sistema ou que já cumpriram alguma medida socioeducativa, e o relator Aliel Machado disse que já ouviu adolescentes em algumas unidades de internação do país. Ele informou que, na próxima semana, continuará com a série de visitas aos centros de internação.

 

Agência Brasil

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