Já comentei aqui, no Dia Internacional da Síndrome de Down, que minha visão sobre o aborto foi uma das que mais mudaram ao longo dos últimos anos. Não só pelo aspecto da eugenia, que julgo terrível, como pela própria banalização de uma prática que interrompe a gestação de uma vida humana, abrindo perigoso precedente que pode colocar em xeque a nossa civilização.
O pior é que essa campanha pela legalização e banalização do aborto tem sido feita em nome do liberalismo e do humanismo. Como assim?! Para os liberais, o direito à vida e à propriedade são os mais básicos. Como, então, começar pregando a desvalorização da vida humana em sua origem, sua concepção, quando ela é mais frágil e totalmente dependente de outro, no caso a mãe?
O tema volta ao blog por conta de um texto publicado na Folha de SP hoje, pelo advogado criminalista Leonardo Massud. Nele, o autor ataca o aspecto da eugenia, lembrando que não devemos fazer distinção entre as vidas humanas, mas usa esse raciocínio correto não para defender todas as vidas humanas, e sim para pregar a legalização do aborto em todos os casos. Em qualquer caso!
Abaixo, alguns trechos do artigo com meus comentários:
O que não se pode negar, porém, é que a incidência é massiva, assim como são muitos os casos de mortes em decorrência de complicações do aborto mal induzido.
O argumento utilitário de que há muito aborto mesmo ilegal não me parece bom. Com esse mesmo raciocínio, poderemos legalizar o assassinato, já que há muito assassinato. Não é porque muita gente faz uma coisa que ela deve ser considerada legal. O debate não deve seguir por esse caminho, em minha opinião.
Por outro lado, o conceito de vida intrauterina não é unívoco. Tantas são as dificuldades teóricas acerca do momento inicial da vida (fecundação, nidação, formação do sistema nervoso etc.) que, em última análise, a vida começa quando você preferir que ela comece.
Esse grau de subjetivismo é inaceitável e até absurdo. Então quer dizer que a vida humana começa quando cada um disser que ela começa? Se alguém disser que ela começa só no momento em que a mãe dá à luz o filho, então não há vida humana com o bebê completamente formado e pronto para nascer, mas ainda dentro do útero materno? A linha de raciocínio é extremamente perigosa, como fica claro.
Não obstante tratar o feto como mero apêndice do corpo da mulher esconda a real complexidade do problema, é inegável que as consequências de uma gravidez e de sua interrupção afetam muito mais a gestante do que qualquer outra pessoa. Por isso, a opção pelo abortamento, ainda que seja tomada em conjunto com o parceiro, deve ficar, ao final, a cargo da mulher.
Ao menos o advogado reconhece que o feto não deve ser tratado como “mero apêndice do corpo da mulher”. Mas mesmo assim ele conclui que a decisão de abortar cabe totalmente à mulher. O homem, pai da criança em formação, não tem voz alguma, pois a gestação se dá dentro do corpo da mulher. E a própria criança, claro, não tem voz alguma, direito algum. Ou seja, no final das contas, a mulher pode sim tratar o bebê como sua unha ou seu cabelo, e decidir “cortá-lo” quando bem desejar. É o que diz o autor, querendo ou não.
Interromper a gravidez já traz consequências emocionais mais do que suficientes para recomendar repouso. Mais do que isso, a mulher precisa de cuidados profissionais. Tratar como crime é querer impingir mais um sofrimento a quem, por qualquer circunstância que seja, tomou essa drástica decisão.
Tratar como crime talvez tenha mais a ver com preservar a vida do bebê do que as emoções da mulher, algo que o autor não leva em conta. Vivemos numa sociedade em que a tara pela “felicidade” é total, e isso levou ao hedonismo. Ninguém mais precisa se sacrificar para nada, e ninguém deve sofrer. Logo, se levar a gravidez adiante for um “fardo” para a mulher, nada mais trivial do que interromper a gestação. Ora bolas! E quem liga para o bebê que nunca irá ver a luz do dia? Quem liga para o fato de que ele não brotou no útero do nada, mas por um ato voluntário da mulher e do homem, à exceção dos casos de estupro?
Sim, o aborto deve ser legalizado, seja por razões de saúde pública -para evitar a mortalidade ou sequelas para as mulheres mais pobres-, seja por uma política criminal mais racional e humanista.
Vamos triturar o bebê em formação e sugá-lo como resto de um “amontoado de células”, e tudo isso em nome da razão e do humanismo! Seria até cômico, não fosse trágico.
A legalização do aborto, para ser humanitária e constitucional, porém, só pode ser total, ou seja, para qualquer gravidez, sem restrições. Alargar as permissões, além dos casos de risco de vida ou de estupro, para apenas incluir hipóteses como o risco de microcefalia é patrocinar a nefasta eugenia.
A eugenia é mesmo uma prática desumana. Mas em vez de o autor condenar todos os casos de aborto, ele prefere defender todos os casos. Em qualquer situação, sem restrições. O que isso significa, na prática? Que uma mãe que se arrependeu de ter levado a gravidez adiante pode decidir pelo aborto mesmo no sexto mês de gestação? Alguém já viu um ultrassom de um feto com quatro, cinco meses? Pretende negar que se trata claramente de um bebê humano? Sem restrições: e em nome do humanismo…
Por que a vida com microcefalia é descartável e outras não? Quais serão os próximos? Todos os que não se encaixam na apertada caixa da “normalidade” que cismamos em construir e cultivar socialmente? Não julguemos as mães, mas nós mesmos enquanto sociedade.
A resposta do autor à eugenia é tornar todas as vidas descartáveis. Faz sentido? Julguemos nós mesmos enquanto sociedade: que tipo de civilização queremos construir se nenhuma vida humana tem valor intrínseco a ponto de merecer ser defendida contra o “sofrimento” da mulher?
Há algo muito mais do que simbólico em alargarmos as hipóteses de aborto nessa direção (da eugenia). Embora se queira disfarçar o incômodo com os “incômodos”, nada mais faremos do que reeditar, com roupas novas, o extermínio daqueles considerados como de menor valor.
Logo, vamos exterminar todos de uma vez, sem distinção, sem preconceito, across the board!
Assim, nós nos comportaremos, como cada vez mais fazemos, como consumidores e não como cidadãos, rejeitando as “mercadorias” fora do “padrão”.
Comportar-se como cidadão, no caso, seria tratar todos os fetos como mercadorias, que podem ser descartadas de acordo com a vontade da mulher e nada mais? Não dá para engolir isso. Menos ainda quando tal bandeira vem associada ao “liberalismo humanista”. Não é liberal, tampouco humanista.
Rodrigo Constantino
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