terça-feira, 29 de novembro de 2016

Não foi só Fidel que morreu; a vergonha na cara do establishment também


Por Lucas Berlanza

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A essa altura, todos já sabem que o grande mentor da Revolução Cubana – uma insurreição que derrubou o regime militar de Fulgêncio Batista para implantar, em seu lugar, uma ditadura socialista que já dura décadas -, o tirano e assassino Fidel Alejandro Castro Ruz (1926-2016) faleceu no sábado, 26 de novembro, aos 90 anos.

A importância de Fidel para a história do século XX é inegável – tal como a importância de Hitler, por exemplo, também o seria. No coração da tensão mundial ao, ligado aos soviéticos, protagonizar a Crise dos Mísseis de Cuba – o que quase levou o planeta a um desastre sem precedentes -, junto a Che Guevara, ele representou um mito da resistência supostamente “romântica” ao monstro do “conformismo capitalista” – isto é, trocando em miúdos, representou o símbolo de todos que se rebelam contra o bom senso e acreditam que se pode buscar um “bem maior” abstrato a qualquer preço. Sua importância nefasta para quase toda a América Latina foi particularmente significativa: sendo esse “coração simbólico”, Fidel inspirou e segue inspirando os movimentos bolivarianos, o “socialismo do século XXI”. A lenda de sua Cuba socialista é a menina dos olhos dos movimentos integrantes do Foro de São Paulo, a fina flor da extrema esquerda na nossa região.

Minha fé não me ensina a fazer um Carnaval pela morte de ninguém, e não farei – embora compreenda a ira de quem sentiu a família despedaçada pelo tacão de um dos maiores tiranos da História. Porém, a se lamentar, só o fato de que o espectro de seu legado abominável, de beligerância, autoritarismo, censura, prisões políticas, fuzilamentos e desprezo aos mais basilares direitos humanos, não se foi com ele. Os cubanos ainda não respiram a sua liberdade e Fidel Castro segue sendo cultuado por “iluminados” do establishment político e midiático internacional, que protagonizaram um espetáculo deplorável de relativismo moral, idealizando, por ocasião de sua morte, como há tempos já se imaginava que ocorreria, um “homem santo” que jamais existiu. É nesse ponto que pretendemos nos concentrar: a morte de Fidel Castro terminou de matar de vergonha, perante um público minimamente correto, ético e moralmente sensível, o Jornalismo panfletário feito por românticos esquerdistas cegos, presos às ilusões de juventude, e as lideranças políticas, brasileiras e mundiais, que têm medo ou desinteresse na verdade.

Começamos pela Globo News, a que tive o desprazer de assistir neste dia trazendo uma “biógrafa consentida” de Fidel, a historiadora e jornalista Claudia Furiati. Ela nos surpreendeu dizendo que tem “diferenças pequenas de opinião” com o déspota sanguinário; que diferenças pequenas seriam essas? Talvez achar que ele deveria ter matado fulano ou sicrano, mas não beltrano? Tiveram ainda o desplante de dizer que Fidel teve “alguns problemas com homofobia”; como se fuzilar fosse algo que merecesse a singela alcunha de “problema”. Aqui, as esquerdas da “contracultura”, aquelas que gostam de cultivar as chamadas “minorias” como gado, encontram problemas ao procurar compatibilizar sua retórica com a da esquerda mais ortodoxa e hardcore, aquela da luta armada, cujos líderes clássicos, como se vê, teriam asco de suas pautas modernas.

Na mesma emissora, tivemos o jornalista Jorge Pontual choroso por conta da morte do DITADOR – palavra que boa parte da imprensa evitou empregar, não apenas no Brasil, referindo-se a ele apenas como “presidente”. A mesma imprensa que não tem qualquer pudor em acusar Donald Trump, ele sim um presidente eleito – e que, ao que me conste, jamais fuzilou ninguém – de ser quase um Satanás que instalará o reinado do Apocalipse.

Pior do que a imprensa, só os políticos. Confira o tom de condescendência – e até de louvação – de alguns comentários, que reproduzimos dos sites O Antagonista e O Globo:

Aécio Neves (PSDB): “O presidente Fidel Castro foi sem dúvida um dos grandes líderes do nosso tempo. Tive oportunidade de estar algumas vezes com ele quando do reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a ilha de Cuba. Afável no trato e eloquente com qualquer interlocutor, deixa o legado do sonho por uma sociedade igualitária, mas na prática não permitiu avanços na direção das liberdades e da democracia e, infelizmente, deixa um país e um povo ainda extremamente pobres e dependentes.”

José Agripino (DEM): “Com suas virtudes e defeitos, morreu Fidel Castro, uma referência política nas Américas.”

ACM Neto (DEM): “Fidel, que gostava muito de culinária , esteve na casa de meu avô e ficou tão encantado com a comida baiana que até queria levar a cozinheira para Cuba. Apesar das diferenças ideológicas, Fidel Castro e ACM se respeitavam muito.”

Fernando Henrique Cardoso (PSDB): “A morte de Fidel faz recordar, especialmente à minha geração, o papel que ele e a Revolução Cubana tiveram na difusão do sentimento latino-americano e na importância para os países da região de se sentirem capazes de afirmar seus interesses. A luta simbolizada por Fidel dos ‘pequenos’ contra os poderosos teve uma função dinamizadora na vida política no Continente. O governo brasileiro se opôs a todas as medidas de cerceamento econômico da Ilha e, desde o governo Sarney até hoje as relações econômicas e políticas entre o Brasil e Cuba fluíram com normalidade. Estive várias vezes com Fidel, no Brasil, no Chile, em Portugal, na Argentina, em Costa Rica, etc. O Fidel que eu conheci, dos anos noventa em diante, era um homem pessoalmente gentil, convicto de suas ideias, curioso e bom interlocutor.”

Rui Falcão (PT): “Fidel foi também um amigo do Brasil e do PT. Junto com Lula, foi idealizador do Foro de São Paulo. Nos solidarizamos, neste momento de perda e tristeza, com seus familiares, companheiros de partido e, sobretudo, com o povo cubano.”

Vladimir Putin (Rússia): Fidel era “amigo da Rússia, sincero e confiável” e “símbolo de uma era”.

Renan Calheiros (PMDB, Senado): “Em nome do Congresso Nacional, lamento a morte de Fidel Castro que, a despeito de suas convicções e ideologias políticas, foi um homem que marcou a história mundial. Em momentos como este, devemos nos lembrar que posições políticas diferentes, desde que respeitados valores democráticos, contribuem para enriquecer nossa história.”

Dilma Rousseff (PT): “Sonhadores e militantes progressistas, todos que lutamos por justiça social e por um mundo menos desigual, acordamos tristes neste sábado, 26 de novembro. A morte do comandante Fidel Castro, líder da Revolução Cubana e uma das mais influentes expressões políticas do século 20, é motivo de luto e dor. Fidel foi um dos mais importantes políticos contemporâneos e um visionário que acreditou na construção de uma sociedade fraterna e justa, sem fome nem exploração, numa América Latina unida e forte.”

Lula (PT): “Morreu ontem o maior de todos os latino-americanos, o comandante em chefe da Revolução Cubana, meu amigo e companheiro Fidel Castro Ruiz. Seu espírito combativo e solidário animou sonhos de liberdade, soberania e igualdade. Nos piores momentos, quando ditaduras dominavam as principais nações de nossa região, a bravura de Fidel Castro e o exemplo da Revolução Cubana inspiravam os que resistiam à tirania.”

Barack Obama (EUA): “Neste momento da morte de Fidel Castro, estendemos a mão ao povo cubano. A História recordará e julgará o enorme impacto desta figura singular no povo e no mundo a seu redor.”

Enrique Peña Nieto (México): “Fidel Castro foi um amigo do México, promotor de uma relação bilateral com base no respeito, diálogo e solidariedade.”

Evo Morales (Bolívia): “Dói muito a morte do comandante.”

Nicolás Maduro (Venezuela): “Há 60 anos da partida do (barco) Granma do México, parte Fidel para a imortalidade dos que lutam por toda a vida. Até a vitória sempre.”

Narenadra Modi (Índia): “Fidel Castro foi uma das personalidades mais emblemáticas do século XX. A Índia lamenta a perda de um grande amigo.”

François Hollande (França): Representou “o orgulho da rejeição à dominação exterior” e “encarnou a Revolução Cubana, tanto nas esperanças que despertou como depois nas desilusões que provocou”.

Michelle Bachelet (Chile): “Um líder pela dignidade e justiça social em Cuba e na América Latina.”

Xi Jinping (China): “Viverá eternamente.”

Podemos ficar por aqui, a lista de comentários sobre a morte de Fidel é interminável. O que temos? Entre idiotas politicamente corretos, que enchem suas declarações de enfeites adoçados, e sacripantas completos que endeusam a barbárie mais sórdida desavergonhadamente, foram raríssimos os interessados em falar a verdade. Expressões como DITADOR SANGUINÁRIO ou ASSASSINO passam longe das linhas desses distintos homens. Mesmo depois de apanhar tanto em 2016, esse establishmenthipócrita recebeu de surpresa a morte de um de seus ídolos mais imorais como uma oportunidade de emoldurar seu ano de fracassos com um epílogo retumbante. Mais uma vez, por incrível que possa parecer, eles deveriam aprender uma lição com aquele que, nos EUA, os estraçalhou no Colégio Eleitoral: Donald Trump.

Encerramos então com a verdade nua e crua, exposta, sem devaneios, sem absurdos, sem a “venda da alma ao demônio” em troca do aplauso de basbaques:

“Hoje, o mundo marca o falecimento de um ditador brutal que oprimiu seu povo por quase seis décadas. O legado de Fidel Castro é um de esquadrões de fuzilamento, roubos, sofrimentos inimagináveis, pobreza e a negação de direitos humanos básicos. Embora Cuba siga sendo uma ilha totalitária, é minha esperança de que hoje marque um movimento para se distanciar dos horrores suportados por muito tempo, e em direção a um futuro em que o maravilhoso povo cubano finalmente viva na liberdade que eles tão ricamente merecem. Mesmo que as tragédias, as mortes e a dor causadas por Fidel Castro não possam ser apagadas, nossa administração fará tudo o que puder para garantir que o povo cubano possa finalmente começar sua jornada em direção à prosperidade e à liberdade. Eu me uno aos muitos cubano-americanos que me apoiaram tanto em minha campanha presidencial, inclusive a Associação de Veteranos Brigada 2506, que me apoiou publicamente, com a esperança de um dia ver uma Cuba livre.”

Parabéns, Trump; essa é a verdade. Mais do que o próprio Fidel, mais do que nunca, a mentira e o despotismo é que precisam morrer.

 

SOBRE O AUTOR

Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista, graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela UFRJ e colunista. Estagiou por dois anos na assessoria de imprensa da AGETRANSP-RJ. Sambista, escreveu sobre o Carnaval carioca para uma revista de cultura e entretenimento. Participante convidado ocasional de programas na Rádio Rio de Janeiro.

 

Instituto Liberal

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