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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A Lei de Responsabilidade Fiscal e a disciplina de mercado


Por Adolfo Sachsida

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Existem 4 posturas possíveis do governo federal frente à política fiscal executada pelos governos locais: a) não interferência, com garantia de solvência; b) não interferência, sem garantia de solvência; c) interferência, com garantia de solvência; e d) interferência sem garantia de solvência. A alternativa “d” não parece plausível, pois permite a União interferir nas políticas públicas estaduais sem se responsabilizar por elas. A alternativa “a” também não é a mais adequada, pois impede que a União interfira nas políticas regionais, mas a obriga a saldar seu ônus.

Por algum motivo, que não cabe aqui discutir, a relação entre governo central e estados, no Brasil, se assemelhava a uma mistura das alternativas “a” e “c”. Gerando pouca interferência do governo federal nas políticas fiscais dos estados, mas o obrigando-o a pagar pelos seus resultados. Esse tipo de relacionamento propiciou aos estados um grau de endividamento superior a sua capacidade de pagamento. Tentando mudar esse comportamento, o governo federal poderia tentar mudar a forma de relacionamento com estados e municípios, optando pelas alternativas “b” ou “c”.

Com a recente aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal1, o governo federal parece ter optado pela alternativa “c”. Tal lei pode se caracterizar como um marco da história das finanças públicas brasileiras. Várias características trabalham nesse sentido. A possibilidade de se responsabilizar e punir maus administradores; a exigência de se mostrar a origem dos recursos para financiar novas despesas; e a proibição de se transpor determinados montantes de dívidas de um governo para o seguinte (restos a pagar), são alguns exemplos das exigências geradas por essa lei.

O grande mérito da Lei de Responsabilidade Fiscal é tentar disciplinar os gastos públicos, evitando abusos, por quem quer que seja, com fins eleitoreiros. Dessa maneira, vários dispositivos são empregados, visando ao controle das finanças da União, estados e municípios. Espera-se, com isso, diminuir as necessidades de financiamento do setor público, liberando recursos para serem usados de maneira mais produtiva.

Apesar de inegáveis méritos, surge uma questão: por que o governo federal deve versar sobre as finanças de estados ou municípios? Não seria isso uma afronta aos entes da federação? Independentemente de ferir a autonomia de estados e municípios, o posicionamento do governo federal visa proteger suas finanças. Afinal, a União é obrigada a socorrer estados, ou municípios, caso estes se tornem insolventes. Isto é, caso algum estado não consiga honrar seus débitos, em última instância, a União é que assume esse encargo. Além disso, o governo central é o responsável pela política de estabilização macroeconômica, que pode ser dificultada se os estados adotarem uma política fiscal distinta daquela praticada pela União. Assim, nada mais justo do que algum controle federal sobre as finanças estaduais e municipais.

Uma alternativa à Lei de Responsabilidade Fiscal seria o governo fazer passar, no Congresso Nacional, uma lei mais simples que torne os estados independentes e autônomos para realizar qualquer política fiscal. A única salvaguarda seria que a União não mais se responsabilizaria por eles, isto é, o governo poderia ter escolhido a opção “b”.

Note que a proposta do parágrafo acima tem os mesmos objetivos que a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas com algumas vantagens. Primeiro, é mais clara e por isso mesmo menos propícia de ser burlada por manobras jurídicas. Segundo, respeita as preferências locais. Terceiro, como dá maiores poderes a administração regional, torna as políticas públicas mais flexíveis e ágeis para combater os problemas da região.

Em resumo, a idéia da Lei de Responsabilidade Fiscal parece ser correta. O que se questiona é que uma lei mais simples, e clara, poderia obter resultados superiores, evitando o engessamento das despesas e, conseqüentemente, perda de eficiência dos gastos públicos. Afinal, um político que endivida seu estado criando escolas e aumentando o salário dos professores, não pode ser visto como irresponsável.

A experiência brasileira ao longo de décadas mostra que o setor público não tem assumido uma postura de conservadorismo e prudência fiscal. Portanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser um passo importante na transição para uma regra em que a disciplina de mercado (ou seja a opção “b”) seja o melhor parâmetro para se confiar a responsabilidade fiscal.

Nota:
1Em março de 2000 escrevi o texto acima. Pergunto, se na época tivéssemos seguido a opção que eu sugeri não teria sido melhor?

 

SOBRE O AUTOR

Adolfo Sachsida

Adolfo Sachsida

Doutor em Economia (UnB) e Pós-Doutor (University of Alabama) orientado pelo Prof. Walter Enders. Lecionou economia na University of Texas - Pan American e foi consultor short-term do Banco Mundial para Angola. Atualmente é pesquisador do IPEA. Publicou vários artigos nacional e internacionalmente, sendo de acordo com Faria et al. (2007) um dos pesquisadores brasileiros mais produtivos na área de economia.

 

 

Instituto Liberal

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