Por Bruno Garschagen
Há anos não vejo novela. Menos por falta de interesse do que por falta de tempo. Sou da geração que cresceu vendo o desenvolvimento técnico extraordinário das novelas na TV, especialmente na TV Globo. A novela faz parte da cultura nacional e exerce uma influência poderosa, para o bem e para o mal.
Ontem, porém, consegui ver a estreia da nova novela das 21h, “A Lei do Amor”. Não pretendo aqui fazer uma crítica da história ou do primeiro capítulo, mas falar de algo que me chamou a atenção e que tem a capacidade de exercer uma influência poderosa para o mal.
Um dos protagonistas é Fausto Leitão, o empresário vilão, esta caricatura das novelas e dos filmes brasileiros. Quem foi criança na década de 1980 vai se lembrar do filme “Os Saltimbancos Trapalhões” em que o canalha venal do filme era o dono do circo. A trilha sonora, muito boa por sinal, foi composta por Sergio Bardotti, Luis Enríquez Bacalov e Chico Buarque, que deixou sua marca ideológica em algumas letras.
Num diálogo no capítulo de ontem, Fausto (nome que remete ao famoso poema de Goethe) lamenta que o filho Hércules, um jovem do pior caráter, nunca tenha sido de esquerda depois do filho fazer uma graça com os esquerdistas da universidade.
Fausto admite em seguida ter sido socialista na juventude e solta uma pérola aos porcos com ar de superioridade: “Um jovem que não é socialista, não tem coração” (não lembro a frase exata, mas o sentido é esse de uma série de variações). As autoras da novela, Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, só esqueceram de completar a frase pela boca do personagem: “um velho que é socialista, não tem cabeça”. É, aliás, o caso geral de todos os que envelhecem e continuam socialistas; é o caso particular do personagem, que abandonou o socialismo, mas continuou sem cabeça e sem caráter.
Para arrematar, Fausto refere-se ao filho Pedro, o idealista de bom coração, como “o socialista”. A narrativa da novela está, portanto, definida: os corruptos da novela representam a “direita”; os virtuosos, a “esquerda”.
De onde vem essa mentalidade ideológica expressa num diálogo?
Maria Adelaide Amaral, coautora da novela, confessou que na década de 1960 era de “esquerda, como a maior parte das pessoas” de suas “relações”. Ela afirmou em depoimento para o livro “Autores – Histórias da Teledramaturgia” (Editora Globo, 2008) que apoiava na época as ligas camponesas e que ela tinha “retratos de Fidel Castro e Che Guevara”. Ela não lamentou “ter abraçado o socialismo” porque é necessário “sonhar e lutar por uma sociedade melhor” (p. 123). Não entendo como o saldo de mais de 100 milhões de mortos no século 20 provocado pelo socialismo possa ter qualquer relação com a construção de uma sociedade melhor.
O que os roteiristas da novela fizeram é algo recorrente (e o autor comunista Dias Gomes é um exemplo clássico): inserem nos diálogos o elogio do socialismo e a depreciação da “direita”. E escrevo entre aspas porque o que se apresenta nas novelas como sendo a “direita” é, na verdade, a versão desonesta dos seus autores.
Para o espectador médio, que não consegue perceber esse tipo de mensagem ideológica, o que gruda na cabeça é: a “direita” é ruim, a “esquerda” é boa. Isso tem um impacto cultural profundo, especialmente entre a juventude (de idade e de cabeça) universitária.
A nova novela das 21h deverá manter o padrão técnico de excelência da emissora. Mas seus autores não deveriam se aproveitar desse instrumento para expressar malandramente a sua visão ideológica. Felizmente, os tempos são outros e esse tipo de doutrinação tem sido denunciada. Para o bem da cultura política nacional.
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