Dois candidatos a prefeito na região Sul ganharam notoriedade neste último mês, em virtude de declarações proferidas durante suas campanhas eleitorais. O detalhe interessante é que há muita verdade nas frases que foram ditas, embora possam chocar algum desavisado. Não creio que os respectivos marqueteiros tenham ficado felizes com os “incidentes” de discurso, especialmente porque poucas pessoas irão além de uma análise rasa sobre o que foi dito. Mas deveriam.
Comecemos com a mais “light” delas: o candidato à prefeitura de Joaçaba/SC,Dioclésio Ragnini (PSDB), afirmou durante debate que, se eleito, irá administrar o município como se uma empresa privada fosse, buscando potencializar a produtividade dos funcionários municipais e restringir gastos públicos – ressalto que ele não possui experiência política prévia, tendo sido empresário até então.
Foi o suficiente para que seus adversários o acusassem de querer gerir a cidade “visando lucros”, como faz em seus negócios. Alegam que governar um ente federativo é atividade totalmente distinta de gerenciar uma companhia privada, visto que naquele deve-se buscar o “bem estar social”, enquanto nessa o único objetivo é maximizar os ganhos dos sócios.
Chama a atenção, primeiramente, que um político declare abertamente que não há como fazer uso das boas práticas prevalentes no mundo corporativo para o gerenciamento de entidades públicas. A princípio, um prefeito preocupar-se com os cidadãos tanto quanto o faria em relação a seus clientes deveria ser motivo de celebração. Afirmar que governar é tarefa inconciliável com a racionalização dos recursos disponíveis é entregar de bandeja o motivo pelo qual as contas públicas, nas três esferas e nos três poderes, estão em estado tão delicado.
Não há como negar, contudo, que os críticos têm um ponto: por mais boa vontade que um governante eleito possa ter, é utópico esperar que um órgão público qualquer possa vir a ser eficiente como um empreendimento privado. Os princípios constitucionais da impessoalidade e da legalidade (cuja observância é absolutamente necessária, a fim de dificultar desvios de finalidade da verba recolhida dos pagadores de impostos), por si só, já representam entraves para o andamento da máquina pública – materializados em obrigatoriedade de licitações para obras e compras, e na necessidade de realização de concursos públicos para contratação de pessoal permanente.
Além disso, a administração pública não é movida pelos mecanismos de incentivo do livre mercado (lucros e prejuízos), o que pode levar suas instituições a demorarem muito para perceber quando um determinado setor está gerando déficit, ou quando recursos estão alocados erroneamente – circunstâncias que saltam aos olhos dos empresários em seus registros contábeis. Isto é, o fato de que o objetivo primeiro da prefeitura não é a eficiência causa distorções no diagnóstico das contas públicas, ao passo que os investidores privados, à menor manifestação de dificuldades de caixa, promovem adequações no intuito de manter o negócio rodando de forma sustentável.
Ademais, não há como esperar que os governantes cuidem da coisa pública com o mesmo zelo com que tratam seus próprios bens. A própria alternância de poder, por mais que seja salutar na democracia, gera para o eleito da vez uma relativa certeza de que, quando o resultado de suas ações irresponsáveis vier à tona, ele já estará longe, e não apenas deixará de pagar o preço por elas (na esfera política mesmo), como ainda poderá apontar o dedo para seus sucessores, acusando-os por quaisquer malefícios gerados por si. Daí fica fácil formar conluios com adeptos do “capitalismo de Estado” e fazer a festa com nosso dinheiro, com a impunidade nas urnas garantida.
Portanto, não adianta, de fato, esperar que surja algum iluminado que seja capaz de manter positivo o orçamento de um ente público mastodôntico, cumprindo todas as regras previstas no Direito Administrativo e, ao mesmo tempo, prestando o serviço público com qualidade. Eis porque as atividades executadas pelo Estado de forma direta devem restringir-se a um mínimo possível: a administração pública sempre será deficitária em sua contabilidade, e quanto menos governo houver, menos prejuízo para a sociedade.
Agora o caso mais grave: o candidato à prefeitura de Curitiba, Rafael Greca, durante sabatina na PUC, deixou-se filmar fazendo comentários pouco recomendados para um político em campanha: “Eu coordenei o albergue Casa dos Pobres São João Batista, aqui do lado da Rua Piquiri, para a igreja católica durante 20 anos. E no convívio com as irmãs de caridade, eu nunca cuidei dos pobres. Eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez que eu tentei carregar um pobre no meu carro eu vomitei por causa do cheiro“, disse o candidato.
A parte em que ele associa diretamente pobres com mendigos é no mínimo incorreta mesmo. Afinal, muitas pessoas que auferem baixas remunerações vivem com dignidade (sendo que boa parte da desigualdade social é gerada pelo próprio Estado), ainda que dentro de suas limitações, e não devem ser tomadas como maltrapilhos que moram embaixo da ponte. Até porque em torno de 80% dos moradores de rua lá estão em decorrência do vício em drogas ou álcool, e não por sua condição econômica – alguns, inclusive, são oriundos de famílias abastadas.
Além disso, as ações solidárias que resgatam alguns desses desafortunados partem sempre da boa vontade de pessoas comuns, e não de ações governamentais – e, quanto mais liberdade econômica, mais solidariedade e caridade. Ser altruísta na Venezuela, onde todos precisam acordar pela manhã sem saber se vão conseguir o que comer, deve ser bem mais difícil do que em países onde muitas pessoas podem se dar ao “luxo” de serem generosas.
Mas em relação à afirmação de que governantes não devem “cuidar de pobres”, não tenho como discordar. A melhor coisa que um administrador pode fazer por estas pessoas é manter a porção de Estado sob sua tutela enxuta, para que o setor privado possa criar e inovar, combatendo, assim, o desemprego. Incrementos de produção e de produtividade é que geram maiores salários, e por isso devem ser estimulados pela administração pública.
Além disso, 40% da desigualdade de renda no trabalho observada no Brasil nas últimas décadas se relaciona com a desigualdade do grau de escolaridade. Neste sentido, melhorar a gestão da Educação também é medida capaz de ajudar muito aos pobres – ainda que tais mudanças despertem a ira de “educadores” Brasil afora. Uma sugestão: abolir de uma vez por todas o método sócio-construtivista.
Por fim, a má focalização dos gastos sociais e a falta de avaliação dos resultados dos programas de distribuição de renda resulta em um baixíssimo impacto na melhoria da vida dos supostos beneficiados (os mais pobres recebem menos de ¼ do montante investido, mais de R$300 bilhões anuais). A falta de efetividade da política social brasileira, portanto, não advém da ausência de recursos destinados para este fim, mas sim da péssima condução do processo. Transferir renda para os mais necessitados é, portanto, mais uma tarefa que o Estado cobra caro para fazer (os custos operacionais são altos demais) e executa com pouquíssima presteza – que o digam os 45000 beneficiários do seguro-defeso que residem em Brasília. Além disso, o custo efetivamente imposto pela tributação necessária para angariar os fundos necessários a tais programas é mais um entrave ao empreendedorismo, o qual é capaz, por si só, de retirar muita gente da condição de pobreza.
Em suma: a controvérsia contida nas declarações desses candidatos só vigora até viramos a segunda página. Um exame mais aprofundado mostra que, na verdade, o brasileiro gosta é de ser cuidado pelo Estado, mesmo que pague quase metade do valor gerado pelo seu trabalho em troca dessa bondade toda. Haja peito para alojar um coração tão generoso como o dos políticos…
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