(Globo, 17) 1. Havelange era ovacionado na defesa da candidatura do Rio. E o Rio começava a garantir ali sua vitória sobre Madri, Chicago, Tóquio e as candidatas anteriormente eliminadas. É possível que alguns, no Congresso do COI em Copenhague, tenham se surpreendido com o discurso de Havelange. Mas certamente não estavam entre os surpresos os que tiveram contato com ele em seus mais de 70 anos de esporte, 51 deles como dirigente — e que combina em partes iguais as vocações de esportista, político, diplomata, administrador, líder. Mais do que o discurso em que resumiu sua fé no futuro, o prestígio pessoal foi decisivo. Em 2009, foi escolhido pelo GLOBO Personalidade do Ano, no Prêmio Faz Diferença.
2. O advogado que se tornou empresário vitorioso no ramo de transportes, com a Viação Cometa, já estava realizado quando trocou pelo papel de dirigente esportivo a carreira de ex-atleta, iniciada nas piscinas do Fluminense — competiu nas provas de natação na Olimpíada de 1936, em Berlim, e polo aquático em Helsique-1952; e ganhou medalha de prata com a equipe de polo aquático no Pan-Americano de 1955.
3. Foi como dirigente da natação que, em 1958, elegeu-se presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) — que, na época, acolhia diversas modalidades de esporte, tendo o futebol como carro-chefe. Dali, após três Copas do Mundo ganhas, lançou-se a uma missão tida como impossível: ser o primeiro não europeu a presidir a Fifa. Em 24 anos (1974-1998), até se retirar como presidente de honra, transformou o futebol numa instituição milionária. E universal. Mais do que sonhara o lendário Jules Rimet, o francês que criou a Copa do Mundo. A Fifa tem hoje 211 nações filiadas, 18 a mais que a ONU.
4. Apesar de amigo de Sílvio Pacheco, a quem sucedera em 1958, Havelange era visto com desconfiança no mundo do futebol. No momento em que o Brasil partia para mais uma Copa, traumatizado pelas derrotas de 1950 e 1954, um homem das piscinas à frente do futebol soava quase como uma heresia. O político e o diplomata deram-se as mãos. Ele se preocupou com a velha rivalidade Rio-São Paulo, tão prejudicial a outras seleções brasileiras. E entregou ao empresário paulista Paulo Machado de Carvalho o comando de uma delegação repleta de cariocas. E a um treinador paulista, Vicente Feola, a direção técnica de uma seleção com jogadores dos dois estados.
5. A seleção campeã se manteve para o bicampeonato em 1962 (só Feola não foi ao Chile, dando lugar, por motivos de saúde, a Aymoré Moreira). Em 1971, em congresso da Confederação Sul-Americana no Rio, os delegados foram unânimes ao indicá-lo para se candidatar à presidência da Fifa em 1974. Muita gente, sobretudo na Inglaterra de Sir Stanley Rous, achou graça na ousadia. — Preparei, com a ajuda de Abílio de Almeida e Carlos Alberto Pinheiro, programa de visita a 86 países. Estudamos as possibilidades de voto. Não tínhamos chance entre os europeus ocidentais, mas poderíamos conquistar a maioria nos países do bloco comunista, das Américas, da África, todos fora da influência da Inglaterra — contaria décadas depois.
6. Stanley Rous, presidente desde 1961, era candidato à reeleição. Para vencer por 62 votos contra 56, o diplomata teve de se unir ao político, sobretudo na conquista dos votos árabes e africanos. Uma vez eleito, para surpresa geral e indignação britânica, Havelange começou a trabalhar pela sede da Fifa que encontrou em Zurique. Era uma casa de dois andares. No térreo, a sala de reuniões, onde mal cabiam seis pessoas. Em cima, a residência de Helmut Kasser, secretário por mais de 20 anos e braço-direito de Rous nos últimos 13. Kasser vivia ali com a mulher, dois filhos, dois cães e um gato. No livrocaixa, o saldo da administração Rous: US$ 24 e muitas dívidas.
7. Contas no vermelho não impressionaram o brasileiro. Impressionou-o, sim, a pobreza da sede da mais importante entidade do futebol mundial, então comemorando seus 70 anos. Havelange avisou a Kasser: — O senhor vai sair daqui. Vamos lhe comprar a casa que o secretário-geral da Fifa merece. Com empréstimos em bancos suíços, não só a casa foi comprada. A nova sede, a Fifa House, foi inaugurada em 1979, no bairro de Hitzigweg. Em 1998, Havelange deixou a presidência, passando o comando a Joseph Blatter, seu secretário-geral, e tornou-se presidente de honra.
Ex-Blog do Cesar Maia
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