Professor da Universidade Tres de Febrero, Peña estuda a ligação entre os dois maiores países do bloco, Brasil e Argentina, desde a década de 70, quando o temor de um conflito entre ambos plantou a semente do bloco regional. Em entrevista ao Estado, Peña sugere que os integrantes do Mercosul deveriam se indispor por temas mais importantes do que a presidência do bloco.
1) P- Por que o Mercosul chegou a este estágio? R- Para entender o Mercosul é preciso combinar dimensões política, econômica e legal. Sabíamos que começávamos como um mercado comum cuja meta era articular o sistema produtivo. // P- É a pior crise do bloco? R- Já houve outras. O fundamental é ter as regras do jogo claras e o Mercosul muitas vezes foi fraco nisso. Tendo isso em vista, vai se repetir de novo. // P- Qual é a saída? R- Quando se senta para negociar, se você é Brasil e eu sou Argentina, é óbvio que blefamos no começo. Por isso é preciso um terceiro, alguém que faça o que faz o diretor da Organização Mundial do Comércio, escute as partes e largue um papelzinho com uma posição intermediária. Não temos isso hoje e os presidentes e ministros ficam expostos.
2) P- A presidência do Mercosul ganhou importância repentina? R- Não existe a presidência do Mercosul. Alguém já ouviu falar em presidência da ONU? Existe o presidente da Assembleia. O que diz o Protocolo de Ouro Preto é: o Conselho de Ministros tem uma presidência que muda a cada seis meses, não diz que esse país é o presidente do Mercosul. A cada seis meses se passa a presidência do Conselho, que, para isso, precisa se reunir. // P- Brasil e Paraguai dizem que Caracas não cumpriu as normas. A Venezuela diz que a norma manda trocar a cada seis meses. Quem tem razão? R- Sempre na norma internacional há vazios, os espaços para a política. Eu recomendaria consultar o sistema de resolução de controvérsia, que pode levar um, dois ou três meses pra se manifestar. Quando há um conflito desse tipo não importa a preferência ideológica, ganhar tempo é um bom caminho. Não devemos colocar mais fogo nisso.
3) P- Esse grupo pode avaliar o que fazer se Caracas não cumpriu as normas de adesão ao bloco? R- Se não cumpriu no prazo o processo de adaptação do ordenamento jurídico nacional, há um bom argumento contra. A resposta da Venezuela, ao questionar não ser o único a descumprir, também é interessante. A única maneira é perguntar aos que sabem. Escutemos os integrantes do órgão consultivo. // P- O Uruguai diz que está colocando o jurídico sobre o político ao defender a posse da Venezuela. Em relações internacionais, o importante é manter o equilíbrio. O problema não é a diferença de opinião, mas se existem formas de arbitragem. Precisamos impedir que a situação agrave problemas entre os países e dentro deles. Talvez isso explique a posição do Uruguai. Tudo indica que na Frente Ampla (coalizão governista de esquerda uruguaia) não haja 100% de acordo sobre o tema.
4) P- A circunstância em que a Venezuela entrou no bloco tem a ver com a confusão atual? R- Provavelmente. A suspensão do Paraguai, em 2012, causou um ressentimento, uma lembrança da Guerra do Paraguai (Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para punir Assunção). Por isso, a Venezuela fez há pouco uma referência à Tríplice Aliança, sabia que é um tema de impacto para os paraguaios. // P- A entrada da Venezuela mais ajudou ou atrapalhou? R- A situação interna se complicou e alguns dizem que há efeitos de contágio. Do ponto estritamente econômico, é um sócio atraente, um bom comprador e poderia produzir grãos como outro sul-americano. Há ainda o tema energia. Foi uma boa decisão incluir o país.
5) P- O Mercosul resiste à entrada de países com perfil diferente? R- O Mercosul foi concebido como Mercado do Cone Sul. Deveria ser Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. Os chilenos não quiseram. Uma curiosidade é que um minuto antes de fecharmos o acordo, o Celso Amorim (ex-chanceler brasileiro) levantou o braço e propôs modificar um artigo e pediu para mudar o nome, tirar a palavra cone. Aceitamos. // P- O sr. quer dizer que o Brasil já imaginava incluir a Venezuela? P- Sim, era óbvio do ponto de vista brasileiro. Se formos fazer algo, que seja toda a América do Sul. // P- A Venezuela já presidiu o bloco por um ano. O que mudou? R- É preciso perguntar a quem argumenta isso. Tenho impressão que se criou um problema político complicado.
6) P- O bloco corre risco de divisão? R- A adesão é voluntária, ninguém é obrigado a ficar no Mercosul, são nações soberanas. Isso vale para o Brexit ou para o Mercosul. Agora, se não quer sair ou não tem um plano B, senta e negocia. // P- O conceito dos grandes blocos está em discussão? R- No caso da União Europeia, a razão para a iniciativa britânica foi a guerra. No caso do Mercosul, havia um claro sinal de colisão. E existiam indícios claros de que os EUA entravam para negociar preferencialmente com países da América Latina. Portanto, era claro para Brasil e Argentina que em alguns setores era essencial acertar preferências entre nós.
7) P- Especialistas insistem que o Mercosul está travado. A figura que se imaginou no início segue válida, o trabalho por meio de acordos setoriais. Juntos, podemos sair ao mundo. Não há país que não queira negociar agricultura com Argentina e Brasil.
Ex-Blog do Cesar Maia
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