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sábado, 28 de maio de 2016

O mundo de Celso Amorim

Marcelo de Paiva Abreu*

 

Em 2008, em Genebra, Celso Amorim, então ministro das Relações Exteriores, criou intenso mal-estar entre os parceiros comerciais do Brasil ao citar a frase de Joseph Goebbels de que uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade. Fazia referência à postura dos países desenvolvidos quanto à liberalização agrícola. Seu artigo publicado na Folha de S.Paulo (22/5) revela que o ex-chanceler desenvolveu certo fascínio pelo aforisma. Repete com insistência manifestações distorcidas feitas no passado.

O ex-ministro já se havia notabilizado pelo embelezamento autobiográfico ao arrepio dos registros escolares, deixando prosperar a ideia de que seria doutor pela London School of Economics, com formação similar aos “especialistas” que tenta ironizar em seu artigo. Depois de ter perpetrado, em parceria com seu alter ego no Palácio do Planalto, uma política externa desastrosa, permitiu-se uma crítica marcada pela fantasia e pela disciplina partidária aos primeiros movimentos de José Serra como ministro das Relações Exteriores.

A resposta do Itamaraty às reações destemperadas e equivocadas de Bolívia, Costa Rica, Cuba, Equador, Venezuela e da Unasul com relação ao início do processo de impeachment foi objeto de censura, quando parecia ser a única reação possível a intromissões inoportunas em processo legal que transcorre estritamente de acordo com a Constituição e os ritos definidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Amorim sugere que, por “prudência, ou temor do sócio maior dessa entidade”, a nota à Organização dos Estados Americanos (OEA) não usou palavras tão duras. Luis Almagro, secretário-geral da OEA, ex-ministro de relações exteriores do Frente Amplio uruguaio, mostrou destempero em manifestações sobre o impeachment no Brasil. De fato, seria perfeitamente razoável se o Brasil chamasse de volta seu embaixador na OEA, a exemplo do que fez o governo petista, baseado em razões menos graves.

No terreno econômico, a “mala leche” persiste: questionar a união aduaneira, como fará o Itamaraty, seria retirar o coração do Mercosul. Nenhuma referência às dificuldades de celebrar acordos de livre-comércio em vista da resistência de parceiros durante o período kirchnerista. A ojeriza de Serra à TEC, por extrema que possa parecer, tem sólidas razões no retrospecto.

Amorim curiosamente passa ao largo da Organização Mundial do Comércio, a menos de uma menção ao G-20, criado em Cancún em reação às propostas indecorosas sobre agricultura dos EUA e da União Europeia. Não há referência ao fracasso em Genebra em 2008, talvez para evitar menção às resistências indianas com que não contava. Poucos esquecerão o contraste, no relato do fracasso, entre Amorim, citando o G-20, e o indiano Nath, mencionando o G-33, coalizão de economias subdesenvolvidas contrárias à liberalização agrícola. E, contudo, foi o ponto alto de sua gestão no Itamaraty.

O ex-ministro aproveita a oportunidade para vangloriar-se da fracassada gestão brasileira no Irã, com direito a referência a exaltações, inclusive nos EUA (aqui desaparece o ranço anti-EUA). Nas palavras do saudoso Luiz Felipe Lampreia, tratou-se de operação de alto risco e com poucas chances de êxito. Deixou o Brasil chupando o dedo e meditando sobre os riscos inerentes ao protagonismo excessivo.

Finalmente, deve ser registrada a tentativa do ex-ministro de etiquetar o seu sucessor como direitista e, presume-se, a si mesmo como esquerdista. Para registro: enquanto Serra estava exilado no Chile e, depois, nos EUA, Celso Amorim progredia na carreira diplomática durante os anos de chumbo. É fácil hoje se arvorar monopolista das ideias progressistas com referências a guinada à direita e defender teses esdrúxulas como a de que “artistas e intelectuais interpretam, de maneira intuitiva, a alma do povo”.

O governo do PT arruinou o País não só no plano econômico, mas também quanto à política externa. Chegou o momento de identificar os responsáveis e evitar empulhações.

*DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

 

Estadão – Economia & Negócios

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