sexta-feira, 15 de abril de 2016

Política no Segundo Império (1840-1889): a calma dos cemitérios–História virtual

O período do segundo reinado foi um dos mais calmos do Brasil do séc. XIX. Porém, nem tudo era tão harmonioso, e, para alcançar uma estabilidade relativa, o imperador teve de fazer malabarismos políticos
POR NEY VILELA

ILUSTRAÇÃO: DIEGO FERREIRA

Dom Pedro II a proferir discurso de abertura em assembléia geral. Ao fundo, a bandeira do Segundo Império, com 20 estrelas representando as províncias brasileiras à época

A habilidade política de D. Pedro II era filha da necessidade. Ao assumir o governo, em 1840, D. Pedro II era muito jovem, um adolescente de quinze anos incompletos. Não possuía dados ou experiência para definir se era melhor se rodear de liberais ou de conservadores para realizar as atividades de administração. Decidiu-se pelos liberais porque este partido havia liderado a campanha pela antecipação de sua maioridade.

O ministério liberal, assim que tomou posse, decretou anistia a todos os que haviam feito revoltas no período regencial. O objetivo, parcialmente atingido, era o de evitar conflitos que pudessem colocar em risco nossa unidade territorial.

As preocupações do Partido Liberal com o bem estar nacional duraram, infelizmente, muito pouco. Logo a seguir, os liberais pediram que D. Pedro II convocasse eleições para renovar a câmara de deputados. Argumentavam que um novo governante deveria ser assessorado por um legislativo igualmente renovado. Mentira: os liberais aproveitaram-se do fato de estarem dirigindo o aparelho burocrático do governo para utilizá-lo numa forte manobra de intimidação e violência contra os eleitores. Estas eleições passaram para a história com o sugestivo título de “Eleições do Cacete”, tal a violência utilizada durante sua realização.

As lideranças políticas liberais despreocuparamse com as grandes questões nacionais para defender seus interesses particulares: acabaram brigando entre si. E estas lutas foram tão mesquinhas que enojaram o jovem imperador. D. Pedro II decidiu dissolver o ministério liberal, em março de 1841, substituindo-o por um gabinete conservador.

"Quem VIVER EM PERNAMBUCO/ Deve estar DESENGANADO/ Que ou há de ser CAVALCANTI/ Ou há de SER CAVALGADO"
Ditado popular sobre a revolução praieira

CONSERVADORES DA VIOLÊNCIA

IMPERADOR DOM PEDRO II AOS DOZE ANOS, DE FÉLIX EMILE TAUNAY

Félix Émile Taunay retratou Dom Pedro II ao assumir o governo, quando este era ainda um adolescente de 15 anos incompletos, sem experiência para definir se deveria cercarse de liberais ou de conservadores. O quadro reproduzido se encontra hoje no Museu Imperial, em Petrópolis (RJ)

Os conservadores, da mesma forma que os liberais, privilegiaram seus apetites políticos locais. Deixaram de lado as questões de unidade nacional, gerenciamento do Estado ou crescimento econômico, para gastar quase todo o tempo dedicado à política para escorraçar as lideranças regionais rivais. Assim que assumiu o poder, o Partido Conservador pediu que D. Pedro II anulasse as eleições “do cacete”, convocando nova votação. Desnecessário dizer que os conservadores utilizaram- se dos mesmos procedimentos violentos para obter a maioria da câmara de deputados. Os liberais revoltaram-se por sofrer as mesmas coações que, um ano antes, haviam utilizado alegremente contra seus rivais. Assim ocorrem os levantes liberais de 1842, em São Paulo e Minas Gerais, prontamente reprimidos pelas tropas do futuro Duque de Caxias.

Estas disputas regionais ensinam ao jovem e inteligente imperador que os partidos políticos brasileiros, naquele momento, não brigavam porque tinham concepções diferentes: brigavam pelas benesses do poder. Por isso, se D. Pedro II promovesse um revezamento periódico entre os partidos, as revoltas da elite cessariam. Foi o que ele fez. Bastava, para ao setor da elite que estivesse na oposição u,m pouco de paciência para esperar um retorno ao poder.

É necessário observar que D. Pedro II não tinha o mesmo poder absolutista que seu pai. Mas, ainda assim, sua força política era gigantesca: o Ato de Interpretação do Ato Adicional, assinado em maio de 1840, pouco antes do golpe da maioridade, reduzia as alterações liberais do Ato Adicional a quase nada; a reforma do código de processo criminal, aprovada junto com o “Ato de Interpretação”, tornou muito duras as penalidades contra a subversão política; restabeleceu-se a existência do Conselho de Estado; o imperador ganhou o direito de nomear os chefes de polícia, nas províncias.

TRANQÜILIDADE POLÍTICA E O CAFÉ

REPRODUÇÃO

Ilustração de Angelo Agostini satiriza as fraudes eleitorais durante o segundo reinado. As eleições, conduzidas com violência pelos liberais, tornaramse famosas pelo nome de “Eleições do Cacete”

A partir de 1850, o Brasil ganha a fisionomia que seria a marca registrada do governo de D. Pedro II: paz, tranqüilidade pública, progresso, economia em expansão, eleições periódicas, partidos políticos revezando- se ordeira e democraticamente no poder e – pairando acima de tudo e de todos – a figura serena de um senhor com jeitão de vovô bondoso e longas barbas brancas: o imperador.

Qual teria sido a receita utilizada, com tanto sucesso, por D. Pedro II? Como ele conseguiu esta tranqüilidade toda? Os ingredientes eram quatro:

1. Estabilidade econômica promovida pela cafeicultura nacional;
2. Revezamento dos partidos de elite no poder;
3. Parlamentarismo e conciliação;
4. Repressão violenta às manifestações de descontentamento popular.

O Brasil chegou ao século XIX dentro de uma enorme crise econômica. O ouro escasseava, o açúcar enfrentava concorrentes que conseguiam produzir mais barato. Além disso, as guerras napoleônicas reduziam o espaço comercial europeu para os aliados da Inglaterra, como era o nosso caso. As duas primeiras décadas de nossa vida independente foram igualmente difíceis porque, habituados à exportação, não tínhamos algum produto que pudesse atender aos interesses do mercado internacional.

Tudo isto mudou, com o desenvolvimento da cafeicultura. O café tornou-se a base da economia brasileira. Isto nos leva a uma pergunta: como um país em crise, como o Brasil, conseguiu implantar um sistema produtivo que nos deu estabilidade econômica?

 

O período do segundo reinado foi um dos mais calmos do Brasil do séc. XIX. Porém, nem tudo era tão harmonioso, e, para alcançar uma estabilidade relativa, o imperador teve de fazer malabarismos políticos
POR NEY VILELA

Uma rápida olhada em nossa história econômica permite responder a essa pergunta. O café, trazido ao Brasil no início do século XVIII, aclimatouse muito bem. Implantado no Maranhão e Pará, o café – com a ampliação do consumo interno – passa a ser produzido nas proximidades da capital brasileira, em plena região que hoje é coberta pela floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro.

FOTO: OTTO HEES

Dom Pedro II com a esposa, Imperatriz Teresa Cristina

O maior exportador mundial de café era o Haiti. Mas no final do século XVIII, esta ilha inicia um prolongado conflito com a França, lutando pela independência. Como conseqüência, a produção haitiana desorganiza-se e o Brasil começa a surgir como alternativa para o mercado internacional.

Não seria necessário um grande volume de capital para ampliar a cafeicultura: bastava utilizar os recursos produtivos que estavam ficando ociosos por causa da decadência da mineração. O café expandia-se na região da Serra do Mar, nas fronteiras das províncias de São Paulo e Rio de Janeiro. Esta região podia beneficiar-se das estradas e caminhos, construídos para escoar a produção aurífera, do século anterior. O café seria transportado pelas mesmas tropas de mulas que antes faziam a movimentação de ouro, rumo aos portos do litoral. Os trabalhadores da lavoura serão os escravos que anteriormente escavavam as minas de ouro. As terras custavam pouco e não necessitavam de adubação, pois estavam sendo tomadas à floresta e possuíam, ainda, todo vigor natural. Graças a estas facilidades, a cafeicultura expandiu-se rapidamente. É o dinheiro do café que permitirá a D. Pedro II realizar uma razoável atividade administrativa.

O REVEZAMENTO NO PODER LEGISLATIVO

Os partidos políticos, no Segundo Império, não são ideologicamente diferenciados: são grupos de elite que disputam o poder político em busca da defesa de interesses localizados e, quase sempre, pessoais. Estas disputas levavam a conflitos regionais bastante violentos.

O imperador D. Pedro II decidiu esfriar o ânimo guerreiro dos grupos rivais com uma atitude “salomônica”: criando uma estrutura parlamentarista peculiar, revezava os partidos no comando ministerial.

Os conflitos militares desapareceram, dando lugar a um (algumas vezes muito bem-humorado) confronto verbal nas tribunas da Câmara de Deputados.

PARLAMENTARISMO IMPERIALISTA

Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, que reprimiu os levantes liberais em São Paulo e Minas Gerais em 1842

O parlamentarismo foi adotado, no Brasil, com uma característica importante: existia, em nossa constituição, o Poder Moderador, de uso exclusivo do imperador, permitindo que nosso monarca interferisse no funcionamento dos demais poderes políticos. Isto significa que, na Inglaterra, o Primeiro Ministro precisava da confiança da Câmara; no Brasil era necessário obter, ao mesmo tempo, a confiança da Câmara e do imperador.

Caso o Primeiro-Ministro entrasse em conflito com a Câmara, era o imperador quem decidiria qual dos dois continuaria a exercer suas funções. Se o Imperador considerasse que a Câmara estava certa, demitia o Primeiro- Ministro, substituindo-o por outro; se achasse que o Primeiro-Ministro estava correto, dissolvia a Câmara, convocando novas eleições para escolher os deputados.

Assim, as principais decisões políticas do País estavam nas mãos de D. Pedro II, que possuía muito mais poder do que os Chefes de Estado parlamentaristas, em outros países. As mudanças do gabinete vinham “de cima”, do imperador; e não “de baixo”, da Câmara de Deputados. Por isso, o sistema brasileiro ficou conhecido como “parlamentarismo às avessas”.

Retirando-se do imperador as atribuições de Poder Executivo, evita-se o desgaste político do soberano, que passou a ser apresentado à opinião pública como uma espécie de pai de todos os brasileiros, um homem acima das lutas políticas e das pequenas brigas partidárias, preocupado apenas com o bem estar da pátria. A valorização da figura do imperador ajudava a fortalecer a monarquia, permitindo a consolidação do poderio político da aristocracia rural. Desse modo, o parlamentarismo contribui para a estabilidade política do Segundo Império.

 

O período do segundo reinado foi um dos mais calmos do Brasil do séc. XIX. Porém, nem tudo era tão harmonioso, e, para alcançar uma estabilidade relativa, o imperador teve de fazer malabarismos políticos
POR NEY VILELA

DE RECIFE PARA O MUNDO

ARevolução Praieira produziu um “Manifesto ao Mundo”, redigido e publicado por Borges da Fonseca em 1º de janeiro de 1849. Apresenta os “10 mandamentos” da revolta: 1º - Voto livre e universal; 2º- Liberdade de imprensa; 3º- Garantia de trabalho para todos os cidadãos; 4º- Só brasileiros poderiam fazer comércio de varejo; 5º- Harmonia e independência entre os poderes políticos; 6º- Extinção do Poder Moderador; 7º- Federalismo; 8º- Garantia para os direitos individuais; 9º- Extinção da cobrança de juros; 10º- Extinção do recrutamento militar.

Há características socialistas? Talvez. Mas há também uma incrível omissão: não se fala, em momento algum, da questão escravista. O “Manifesto ao Mundo” parece espelhar os interesses da pequena burguesia pernambucana.

FRANK AND FRANCES CARPENTER COLLECTION

Foto de lavoura cafeeira, provavelmente no interior de São Paulo (SP), por volta de 1900. O Brasil chegou ao século XIX em uma grave crise econômica, com a escassez do ouro e a concorrência enfrentada pelo açúcar. O desenvolvimento da cafeicultura era oportuno e, de fato, mostrou-se capaz de reverter esse quadro

DA CONCILIAÇÃO À REVOLTA

Após a implantação do sistema parlamentarista, alguns políticos sentiram a necessidade de realizar alterações constitucionais. O problema é que, nos dois partidos, existiam radicais: entre os liberais, existiam republicanos; entre os conservadores, políticos extremamente reacionários.

A solução encontrada foi a criação de um “gabinete da conciliação”, onde os cargos ministeriais foram divididos entre os políticos não-radicais, de ambos os partidos. Os gabinetes de conciliação, entre os anos de 1853 e 1858, promoveram as reformas constitucionais estabilizadoras do processo político e econômico, no Brasil.

No final do ano de 1848, D. Pedro II derrubou um gabinete liberal, substituindo-o por outro, conservador. Este foi o pretexto para uma das mais importantes revoltas brasileiras: a Praieira, em Pernambuco.

Logo após os conservadores organizarem seu gabinete, ocorreu uma eleição para o senado, em Pernambuco (naquela época, o cargo de senador era vitalício; quando um senador morria, ocorriam eleições, para a substituição; o imperador recebia uma lista com os três mais votados para o cargo, tendo o direito de escolher qualquer um desses três, para preenchê-lo). Nas eleições, venceu um liberal, que atendia pelo nome de Chichorro da Gama. Acontece que D. Pedro II escolheu, para o cargo, um candidato muito menos votado que o senhor Chichorro...

LEONARDO CONCEIÇÃO

 

O período do segundo reinado foi um dos mais calmos do Brasil do séc. XIX. Porém, nem tudo era tão harmonioso, e, para alcançar uma estabilidade relativa, o imperador teve de fazer malabarismos políticos
POR NEY VILELA

PERNAMBUCO LIBERAL

Os revolucionários queriam muito mais do que empossar Chichorro da Gama. Dirigidos por Nunes Machado e Borges da Fonseca (conhecido como “o repúblico”), propunham abolição da escravidão, nacionalização do comércio, república, liberdade de imprensa e várias transformações sócio-econômicas. Os rebeldes tomaram a capital da província. Tropas do governo central reconquistaram Recife após violentos combates travados nas ruas da cidade.

As lutas, por todo o ano de 1849, continuam a ocorrer no interior da província, com o apoio decidido de sertanejos pobres. A repressão governamental tornou-se ainda mais violenta e os “praieiros” ficaram isolados politicamente, uma vez que os liberais do resto do Brasil recusavam-se a apoiar os seus correligionários “excessivamente” liberais, de Pernambuco. Os chefes revoltosos (os que não foram mortos!) acabaram presos e condenados à prisão perpétua.

Ainda assim, no sertão pernambucano persiste a luta, sob a liderança do capitão Pedro Ivo Veloso da Silveira, até o ano de 1850. Os combates cessam quando Pedro Ivo, traído pelo próprio pai, tem seu esconderijo descoberto, sendo preso por tropas legalistas.

APARATO REPRESSIVO

Se a repressão contra uma revolta patrocinada por dissidentes da elite fundiária era tão violenta, imagine-se o que acontecia com as revoltas produzidas entre os setores mais humildes da população. Colonos alemães que se radicaram em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, por exemplo, ao tentar manter um padrão de vida comunitário, após a chegada da ferrovia à região, acabaram por ter suas casas incendiadas. Além disso, acusados de serem “fanáticos” (muckers) muitos colonos foram mutilados ou degolados, em meados do ano de 1874.

Como o governo imperial encontrou os meios para exercer repressão tão eficiente e brutal? A violência política tornou-se tão intensa que a população não tinha mais como protestar. O Brasil estava pacificado, tranqüilo e silencioso. Como um cemitério.

ROMPE-SE O PACTO DE ELITES E O IMPÉRIO FRAQUEJA

O Brasil passou por transformações vigorosas, na segunda metade do século XIX. Graças à cafeicultura, voltamos a fazer parte das rotas internacionais de comércio. Multiplicou-se o trabalho assalariado, provocando o crescimento de nosso mercado interno. Cresceram as atividades comerciais, dinamizou-se a atividade industrial, ampliou-se a classe média.

Na agricultura, ocorreu a cisão entre alguns grandes fazendeiros que se desligaram do mercado externo (por produzirem artigos de comercialização decadente, como o açúcar e o algodão) e os cafeicultores, que são partidários da modernização econômica.

Os donos de engenho e os fazendeiros de algodão possuíam, ainda, enorme força política. Dominavam eleitoralmente as províncias nordestinas graças ao senado vitalício e ao voto mandioca, o que dava sustentação política ao imperador. A postura desses fazendeiros era extremamente conservadora, não admitindo a abolição da escravatura, nem alterações políticas relevantes.

REPRODUÇÃO

Rua do Bom Jesus, em cromolitografia de L. Krauss, produzida entre 1878 e 1885

Os cafeicultores não utilizam escravos, apoiavam o desenvolvimento das atividades comerciais e industriais e consideravam inadequadamente excessiva a participação dos fazendeiros nordestinos nas grandes decisões políticas do país.

O PARTIDO REPUBLICANO

REPRODUÇÃO

Antonio Pinto Chichorro da Gama, um liberal, venceu as eleições para o Senado em Pernambuco

Como o sistema político do Império Brasileiro mostrava-se incapaz de adaptação aos novos tempos, esvaiu-se a legitimidade entre os cafeicultores. A impossibilidade em participar do jogo político fez com que também a classe média virasse as costas ao Império e abraçasse a causa republicana.

Um trecho do manifesto de fundação do partido republicano, assinado em 1870, mostra a dimensão do abismo que se construiu entre o Império e os grupos economicamente mais dinâmicos da sociedade brasileira. A proposta de autonomia para as províncias na verdade mostra a ansiedade em se destruir o sistema político que se tornou obsoleto: “A centralização, tal qual existe, representa o despotismo, dá força ao poder pessoal que avassala, estraga e corrompe os caracteres, perverte e anarquiza os espíritos, comprime a liberdade, constrange o cidadão, subordina o direito de todos ao arbítrio de um só poder, nulifica de fato a soberania nacional, mata o estímulo do progresso local, suga a riqueza peculiar das províncias, constituindo-as satélites obrigados da Corte - centro absorvente que tudo corrompe e tudo concentra em si...”

O Partido Republicano não conseguiu tornarse popular (talvez boa parte da população não tenha, sequer, ouvido falar dos republicanos), mas obteve o apoio da quase totalidade das camadas urbanas, 10% da população brasileira. Apesar de suas divisões internas, apresentava-se coeso nas suas lutas pela autonomia provincial, pelo fim do voto mandioca e do senado vitalício, contra o uso do Poder Moderador, pela abolição da escravidão.

 

O período do segundo reinado foi um dos mais calmos do Brasil do séc. XIX. Porém, nem tudo era tão harmonioso, e, para alcançar uma estabilidade relativa, o imperador teve de fazer malabarismos políticos
POR NEY VILELA

No final das contas, o Partido Republicano não conseguiu romper a tranqüilidade política do império. Mesmo fazendo manifestações e comícios, além de ocupar espaço na imprensa, as idéias republicanas não conseguiram romper o espiral de silêncio imposto pelas instituições monárquicas. Uma evidência desse fato é que, no momento da proclamação da República, o partido não teve qualquer importância, sendo completamente eclipsado pelo Exército Brasileiro na condução dos acontecimentos.

A VIOLÊNCIA NO COTIDIANO

REPRODUÇÃOA sociedade escravocrata brasileira era muito violenta. O homicídio era considerado trivial. O cônsul britânico em Santos (SP), Richard Burton (que se notabilizou descobrindo a nascente do Rio Nilo), observou: “Via de regra, todos os homens andam armados: com revólveres e punhais, que são usados ocultamente nas cidades; no interior, ninguém anda a pé ou a cavalo sem uma garrucha, e todos trazem uma faca na cintura. O derramamento de sangue é encarado sem muito horror; praticamente não há aquela preocupação e aquele respeito pela vida humana que caracterizam os países europeus. O afetuoso diminutivo “facadinha” significa esfaqueamento; “mortezinha” é um assassinato traiçoeiro. A impossibilidade moral de se aplicar a pena de morte, a facilidade de fugir da cadeia e o pouco receio em relação aos trabalhos forçados – entre os escravos – são fatores que estimulam a vingança”.

PADRES E MILITARES ENTRAM EM CENA

ANA NASCIMENTO/ABR

Carta original da Lei Áurea, parte dos fatos que levaram à queda do império. Com a abolição, D. Pedro II perdeu o apoio dos fazendeiros conservadores. Além disso, se tornou inimigo das classes urbanas por ter sido lento ao promover mudanças políticas que acomodassem novos grupos econômicos

A Igreja Católica sempre deu legitimidade aos governos monarquistas. Nos séculos XVI e XVII, período áureo do absolutismo, os teóricos diziam que o poder do monarca emanava do poder divino. Por isso não era difícil de compreender a sobrevivência de vínculos entre a Igreja e o Estado, no período imperial brasileiro.

O imperador escolhia, de comum acordo com o papa, os bispos que exerceriam funções sacerdotais no Brasil (a este direito, davase o nome de beneplácito); em troca, os padres recebiam salários do governo imperial, como se fossem funcionários públicos (este auxílio era chamado de padroado).

Evidentemente um bispo não deveria enfrentar o imperador nas questões políticas. Mas uma dessas questões políticas misturou-se a um tema religioso, provocando o conflito entre o Trono e a Cruz. Um padre pernambucano decidiu homenagear o cinqüentenário de fundação de uma loja da maçonaria. O bispo D. Vital de Oliveira resolveu punir o padre, recebendo o apoio de outro bispo (D. Macedo Costa). D. Pedro II, que era maçom, permitiu que o Supremo Tribunal de Justiça os retaliasse, condenando os bispos sob a acusação de criar obstáculos à administração pública, com quatro anos de trabalhos forçados. A crise com a Igreja reduziu muito a base de sustentação política do Império.

A VEZ DO EXÉRCITO

O rompimento com a Igreja produziu um colapso na sustentação ideológica do Império, mas não significava um golpe mortal na instituição: afinal, os padres não possuem outra arma além de seus crucifixos... Mas um rompimento com os militares traria conseqüências muito mais sérias. Até porque os militares possuem ferramentas de trabalho altamente convincentes em quaisquer tipos de discussão.

O rompimento entre o Império e o Exército começou por uma questão econômica: o governo havia prometido um montepio (pensão militar) às famílias dos militares mutilados ou mortos durante a Guerra do Paraguai. Treze anos depois, como nada havia sido pago, os militares encarregaram o tenente-coronel Sena Madureira de defender os interesses do Exército.

REPRODUÇÃO

A Guerra do Paraguai fortaleceu a importância política do exército, um dos principais fatores para a queda da monarquia

 

O período do segundo reinado foi um dos mais calmos do Brasil do séc. XIX. Porém, nem tudo era tão harmonioso, e, para alcançar uma estabilidade relativa, o imperador teve de fazer malabarismos políticos
POR NEY VILELA

É evidente que o imperador não podia maltratar Sena Madureira. Primeiro, porque ele estava defendendo um interesse justo; segundo, porque o tenente-coronel tinha o apoio decidido de todo o Exército. Para evitar maiores danos políticos, D. Pedro II assinou um decreto, proibindo que os militares se manifestassem pela imprensa. Para azar do imperador, logo depois que o decreto entrou em vigor, um militar íntegro, de nome Cunha Matos, manifestou-se pela imprensa na tentativa de evitar que ladrões de fardamento pudessem ficar impunes.

REPRODUÇÃO

Antônio da Silva Jardim (1860-1891) foi advogado, jornalista e ativista político brasileiro. Ele desempenhou um papel ativo nos movimentos abolicionista e republicano, particularmente no Rio de Janeiro, em defesa da mobilização popular

Não havia alternativa: Cunha Matos deveria ser punido, pois manifestara-se pela imprensa, o que era proibido. Desnecessário dizer que o Exército levantou-se em defesa de Cunha Matos, o que tornou mais fácil ainda a difusão das idéias republicanas entre os militares. Silva Jardim, republicano radical, afirmou na época: “Estou convicto de que a monarquia não tem defensores, a não ser os membros da família real”.

SEM BASE DE SUSTENTAÇÃO SOCIAL, O IMPÉRIO CAI

O golpe de 15 de novembro de 1889 não foi mais do que o epílogo de um processo natural de desgaste econômico, político e social. Embora a tranqüilidade política persista (o que significa dizer que os setores populares permanecem fora do cenário), os atores da nova cena econômica e social estão cada vez mais convencidos da necessidade de se substituir as instituições imperiais.

Onde estão os que apoiavam o Império? Qual é o ânimo dos senhores de terras nordestinos, empedernidos escravocratas? Esta parcela da aristocracia rural, apesar de ser beneficiada com a manutenção do “voto mandioca” e da vitaliciedade no Senado, sentiu-se traída pela abolição da escravatura. Um de seus mais importantes representantes, João Maurício Wanderley (Barão de Cotegipe), ao cumprimentar protocolarmente a Princesa Isabel, quando esta acabou de assinar a Lei Áurea, foi provocado por ela:

-“ Então, meu caro Barão, ganhei ou não a parada? Consegui, como desejava, redimir uma raça”.
O Barão de Cotegipe limitou-se a dizer:
- “A senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono”.

D. Pedro II perdera o apoio dos grandes fazendeiros conservadores, quando permitiu a abolição da escravidão; tornou-se inimigo das classes urbanas por ter sido extremamente lento em promover mudanças políticas que acomodassem os novos grupos econômicos emergentes, que viviam nas cidades; não deu aos cafeicultores uma maior autonomia provincial, o que os fez desacreditar na monarquia. O império não foi derrubado, caiu.

Os grupos de elite não precisaram romper a tranqüilidade política, não sentiram a necessidade de trazer segmentos populares para as ruas, não precisaram do apoio dos humildes para proclamar a República. Após um baile tão luxuoso quanto melancólico, na Ilha Fiscal, uma quartelada que mais parecia um desfile militar encerrou o período imperial.

Pintura de Fernando Meireles representa a Batalha do Riachuelo

Um viajante francês, Max Leclerc, sintetizou os acontecimentos de maneira precisa: “A revolução está terminada e ninguém parece discuti- la: mas acontece que os que fizeram a revolução não tinham de modo algum a intenção de fazê-la e há atualmente na América um presidente da república à força. Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil. Era contra Ouro Preto e não contra a Monarquia. A Monarquia caíra. Colheram- na sem esforço, como um fruto maduro. O edifício imperial, mal construído, edificado para outros tempos e outros destinos, já não bastava às necessidades dos novos tempos.”

Parece exagero do francês, mas não era: o Império, que impôs o silêncio de cemitério ao país, morreu sem emitir qualquer gemido ou protesto. E praticamente ninguém lamentou o seu passamento.

NEY VILELA é professor de Cultura e Artes e mestre em Comunicação Midiática pela UNESP-Bauru.

 

Leituras da História

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