É
uma tarefa difícil o filho escrever sobre o pai. A tarefa é mais
difícil ainda quando, ao se perder o pais aos cinco anos de idade,
são poucas as lembranças físicas, afetivas e paternais, a não ser
aquelas registradas em imagens estáticas de álbuns fotográficos de
família. Meu pai, Fernando Ferrari, teve, aos 41 anos de idade,
interrompida sua rápida, porém, brilhante, trajetória política,
consequência de um desastre aéreo ocorrido em Torres/RS.
Terminaria, assim, o sonho de um idealista que representou, conforme
escreveu o amigo Érico Veríssimo ao prefaciar o último livro de
Fernando Ferrari, intitulado Escravos
da Terra, “um
dos mas belos momentos da vida política brasileira de nosso tempo”.
Pois bem, se poucas são as lembranças físicas, afetivas e
paternais, as lembranças de meu pai pela memória alheia e pelo seu
exemplo de homem público ilibado, ético, coerente e com uma
constante preocupação com as questões sociais, especialmente as
pertinentes à reforma agrária, não nos primam de lembrar o que
deve ser sempre recomendado.
Fernando Ferrari foi, justamente com
Alberto Pasqualini, um dos ideólogos do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), partido pelo qual tornou-se deputado estadual
constituinte, em 1946, e deputado federal por três legislaturas
consecutivas, sendo, inclusive, reeleito para seu último mandato com
a maior votação do Brasil, cerca de 160 mil votos, em 1958.
Em 1960, após provocar uma
dissidência no PTB, cujo trabalhismo centralizador e personalizado
era alvo de suas críticas, afastou-se do partido e candidatou-se à
vice-presidência da República com a campanha das Mãos Limpas.
Apesar de não ter logrado êxito, embora tenha sido vitorioso no Rio
Grande do Sul, conseguiu, com sua campanha, alicerçar as raízes
democráticas e ideológicas de um novo trabalhismo em torno do
Movimento Trabalhista Renovador. Em 1962, foi candidato ao governo do
Rio Grande do Sul sem, todavia, obter sucesso. Ao morrer, em 25 de
maio de 1963, havia deixado mais de 30 leis, sendo que a mais
importante delas foi a criação do Estatuto do Trabalhador Rural
que, conforme dizia Ferrari, “objetivava modificar a fisionomia
rural do país, integrando as massas rurais ao processo social e
político brasileiro”.
Recordar Fernando Ferrari, passados
40 anos de sua morte, em um período no qual a “esperança venceu o
medo”, consiste em propor e implementar mudanças que resultem em
enfrentar as questões sociais dos país, em retornar a dinâmica de
crescimento econômico autossustentável e em resolver os problemas
do desemprego e da distribuição de renda. Nesse sentido, se as
mudanças preconizadas pelo presidente Lula, quando de seu discurso
de posse no Congresso Nacional, ferem, ao longo de seu governo,
sinalizadas nesta direção, então o idealismo de Fernando Ferrari
terá sido concretizado não na temporalidade dele, mas, com certeza,
nas condições desejadas por ele.
Estatuto da Terra
Fernando
Ferrari Filho, autor do texto, é professor titular do curso de
Pós-Graduação em Economia da UFRGS. Um homenagem da coluna ao
homem das mãos limpas, que morreu em acidente aéreo em Torres no
dia 25 de maio de 1963 segurando nas mãos o Estatuto da Terra, de
sua autoria (o Cessna em que viajava chocou-se no Morro do
Chimarrão). Passados 40 anos, é tempo de reler a obra de Ferrari. O
líder do Movimento Trabalhista Renovador identificava no início da
década de 60 a necessidade urgente da reforma agrária.
José Barrionuevo
Zero Hora, página 10 de 26 de maio de
2003.
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