quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Fernando Ferrari, 40 anos depois


É uma tarefa difícil o filho escrever sobre o pai. A tarefa é mais difícil ainda quando, ao se perder o pais aos cinco anos de idade, são poucas as lembranças físicas, afetivas e paternais, a não ser aquelas registradas em imagens estáticas de álbuns fotográficos de família. Meu pai, Fernando Ferrari, teve, aos 41 anos de idade, interrompida sua rápida, porém, brilhante, trajetória política, consequência de um desastre aéreo ocorrido em Torres/RS. Terminaria, assim, o sonho de um idealista que representou, conforme escreveu o amigo Érico Veríssimo ao prefaciar o último livro de Fernando Ferrari, intitulado Escravos da Terra, “um dos mas belos momentos da vida política brasileira de nosso tempo”. Pois bem, se poucas são as lembranças físicas, afetivas e paternais, as lembranças de meu pai pela memória alheia e pelo seu exemplo de homem público ilibado, ético, coerente e com uma constante preocupação com as questões sociais, especialmente as pertinentes à reforma agrária, não nos primam de lembrar o que deve ser sempre recomendado.
Fernando Ferrari foi, justamente com Alberto Pasqualini, um dos ideólogos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), partido pelo qual tornou-se deputado estadual constituinte, em 1946, e deputado federal por três legislaturas consecutivas, sendo, inclusive, reeleito para seu último mandato com a maior votação do Brasil, cerca de 160 mil votos, em 1958.
Em 1960, após provocar uma dissidência no PTB, cujo trabalhismo centralizador e personalizado era alvo de suas críticas, afastou-se do partido e candidatou-se à vice-presidência da República com a campanha das Mãos Limpas. Apesar de não ter logrado êxito, embora tenha sido vitorioso no Rio Grande do Sul, conseguiu, com sua campanha, alicerçar as raízes democráticas e ideológicas de um novo trabalhismo em torno do Movimento Trabalhista Renovador. Em 1962, foi candidato ao governo do Rio Grande do Sul sem, todavia, obter sucesso. Ao morrer, em 25 de maio de 1963, havia deixado mais de 30 leis, sendo que a mais importante delas foi a criação do Estatuto do Trabalhador Rural que, conforme dizia Ferrari, “objetivava modificar a fisionomia rural do país, integrando as massas rurais ao processo social e político brasileiro”.
Recordar Fernando Ferrari, passados 40 anos de sua morte, em um período no qual a “esperança venceu o medo”, consiste em propor e implementar mudanças que resultem em enfrentar as questões sociais dos país, em retornar a dinâmica de crescimento econômico autossustentável e em resolver os problemas do desemprego e da distribuição de renda. Nesse sentido, se as mudanças preconizadas pelo presidente Lula, quando de seu discurso de posse no Congresso Nacional, ferem, ao longo de seu governo, sinalizadas nesta direção, então o idealismo de Fernando Ferrari terá sido concretizado não na temporalidade dele, mas, com certeza, nas condições desejadas por ele.

Estatuto da Terra

Fernando Ferrari Filho, autor do texto, é professor titular do curso de Pós-Graduação em Economia da UFRGS. Um homenagem da coluna ao homem das mãos limpas, que morreu em acidente aéreo em Torres no dia 25 de maio de 1963 segurando nas mãos o Estatuto da Terra, de sua autoria (o Cessna em que viajava chocou-se no Morro do Chimarrão). Passados 40 anos, é tempo de reler a obra de Ferrari. O líder do Movimento Trabalhista Renovador identificava no início da década de 60 a necessidade urgente da reforma agrária.

José Barrionuevo


Zero Hora, página 10 de 26 de maio de 2003.

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