2015 foi um ano de protagonismo das mulheres. Elas foram para as ruas lutar por seus direitos. Mas foi na internet que suas vozes ecoaram mais forte. Algumas hashtags como #PrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto e #AgoraÉqueSãoElas viralizaram na rede e contribuíram para um debate que gira em torno de feminismo, preconceito, igualdade de direitos e salários, entre outros.
Com a grande visibilidade das demandas das mulheres na sociedade, cada vez mais se ouve falar em “novo feminismo” ou “quarta onda do feminismo”. Nana Queiroz, diretora executiva da revista virtual AzMina, site de jornalismo que se dedica a tratar de temas feministas, disse que os termos são usados para se referir ao feminismo após o advento da internet.
“O feminismo é a ideia de que homens e mulheres têm direitos e dignidade equânimes. Essa é e sempre foi a essência do movimento e permanece. O que a internet transformou é que popularizou o feminismo e o tornou acessível para qualquer pessoa”, afirmou Nana Queiroz.
Na luta pela igualdade de gêneros, o site AzMina lançou a campanha #homemnapia, sugerindo que, durante uma semana, só os homens façam as tarefas domésticas. A iniciativa surgiu em resposta à divulgação de que a não divisão de tarefas domésticas é um dos maiores entraves à equidade de gênero no mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).
Em abril deste ano, a ONU divulgou o relatório Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: Transformar as Economias para Realizar os Direitos. A pesquisa mostrou que as mulheres fazem quase duas vezes e meia mais trabalho doméstico e de cuidados de outras pessoas não remunerados do que os homens. Além disso, o estudo constatou que no mundo, em média, os salários das mulheres são 24% menores aos dos homens na mesma função.
As redes sociais, que muitas vezes funcionam como local de assédio e discriminação, também são usadas justamente para denunciar estes atos. Foi o que aconteceu com a criação da hashtag #PrimeiroAssédio, pelo site Think Olga. Em reação a comentários na internet a respeito de uma criança de 12 anos, participante do programa Masterchef Junior, milhares de pessoas relataram publicamente no Twitter casos de assédio que sofreram - muitos ainda na infância.
“A campanha Primeiro Assédio, feita pelo Think Olga, foi incrível, libertou muitas mulheres de silêncios que estavam guardados há muito tempo”, disse Nana Queiroz.
Outra iniciativa que teve repercussão este ano, foi a Chega de Fiu-Fiu, também do coletivo Olga, em parceria com a Defensoria Pública de São Paulo. Criada em julho 2013, a campanha de combate ao assédio sexual em espaços públicos se tornou um grande movimento social. Mais de 8 mil mulheres participaram da pesquisa, que revelou que 98% delas já haviam sofrido assédio; 90% trocados de roupa antes de sair de casa - por causa de assédio; e 81% tinham deixado de fazer algo (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) pelo mesmo motivo. A pesquisa mostrou ainda que 68% dos assédios ocorrem de dia.
Em entrevista ao Portal EBC, em novembro deste ano, a jornalista Juliana de Faria, criadora da campanha, disse que as mulheres passam a assumir posturas que limitam a liberdade individual por receio de serem vítimas de assédio.
“Já nos acostumamos a mudar de calçada para não passar na frente de um grupo de homens, não passar na frente de um bar ou pensar duas vezes antes de colocar uma saia. Talvez isso possa parecer uma questão menor, mas não é. Estamos falando de direitos muito básicos, então isso já é uma grande violência”, afirmou.
Outra hashtag de grande impacto foi a #MeuAmigoSecreto, que faz alusão ao tradicional costume de troca de presentes no fim do ano. Criada pela página Não Me Kahlo, a campanha estimulou a divulgação de casos de machismo vivenciados pelas internautas em seu círculo íntimo. O movimento fez surgir denúncias de crimes como estupro, pedofilia e violência contra a mulher.
Ainda em novembro, mais uma hashtag ocupou as redes sociais. Foi a ação #AgoraÉQueSãoElas, dedicada a discutir a igualdade de gêneros. Durante uma semana, espaços ocupados por homens em diversos veículos de comunicação foram cedidos a mulheres. Manoela Miklos, criadora da hashtag, escreveu em seu perfil no Facebook que a iniciativa de dar voz às mulheres serve para reconhecer “a urgência da luta feminista por igualdade de gênero e o protagonismo feminino nessa luta”.
Ao mesmo tempo que diversos homens aderiram ao movimento, houve também certa resistência à participação deles. “Este é um assunto superespinhoso hoje no Brasil. Existe uma rejeição generalizada porque alguns homens que foram convidados a participar da militância usaram muito mal esse direito e tentaram se impor sobre as mulheres, calar a sua voz e ter mais voz que elas dentro do movimento”, disse Nana Queiroz, que acredita na participação masculina, apesar de defender o protagonismo da mulher.
Rosali Scalabrin, secretária especial substituta da Secretaria de Políticas para Mulheres, relembrou a intensa mobilização das mulheres nas ruas também - com a Marcha das Margaridas, que reuniu cerca de 70 mil mulheres, e a Marcha das Mulheres Negras, em Brasília.
“A Primavera Feminista, creio que motivada por um processo de ameaça às conquistas [das mulheres], lutou contra muitas proposições em andamento no Congresso. Sobretudo aos direitos sexuais reprodutivos das mulheres, ao direito de decidir pela sua própria vida, pelo seu próprio corpo. Essa avalanche de proposições, que teve simbologia muito forte com o PL 5.069, que previa retrocesso anteriores ao código penal de 1940, mexeu muito com as mulheres que, de forma espontânea, foram às ruas, às praças, às redes sociais”, afirmou Rosali.
Outro assunto que esteve em pauta em 2015, e que se relaciona com a temática do assédio, foi a violência contra as mulheres. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano trouxe o tema para a prova de redação. O exame causou polêmica mas, segundo o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, é inquestionável a persistência da violência contra as mulheres no país.
De acordo com o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil, estudo elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em 2013, 4.762 mulheres foram mortas no país. Uma média de 13 por dia.
Rosali Scalabrin disse que da mesma forma que as redes sociais propiciam a mobilização, também dá espaço a manifestações machistas e homofóbicas. “É lamentável que a gente viva essa contradição na sociedade. As pessoas que se colocam contra esses direitos, precisam ver as estatísticas, sobretudo das mulheres negras e da juventude negra, que estão numa situação muito desfavorável em relação aos brancos. Em todas as estatísticas. Seja na representação política, nos espaços de poder, na educação, no atendimento a saúde. Seja no nível salarial, na autonomia econômica, no acesso ao mercado de trabalho”, afirmou.
Segundo Nana Queiroz, as mulheres ainda têm muito pelo que lutar nos próximos anos. “Meu desejo para 2016 seria que finalmente a gente discutisse um projeto de lei, que foi sugerido pelo deputado Romário, que discute o revenge porn [ou pornografia da vingança]. Mulheres estão sendo vitimizadas e tem até casos de meninas que chegaram a se suicidar porque a sua relação sexual com ex parceiro, com quem elas contaram, foi exposta”, disse.
Agência Brasil
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