sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O DIA EM QUE O "ZAP" SUMIU


por Luce Pereira
As senhoras e os senhores veem: em um momento tão delicado da vida nacional, para levar grupos numericamente razoáveis às ruas, a fim de defender a democracia (ou enterrá-la), agremiações políticas, movimento sindical, ONGs e militantes sofrem um bocado. Mas a noite de quarta-feira mostrou que se o alvo de um “impeachment” definitivo fosse o aplicativo Whatsapp, a maior parte dos cerca de 100 milhões de usuários no país, provavelmente, sairia da zona de conforto para protestar e defendê-lo. A decisão da Justiça de suspender por 48 horas o funcionamento da ferramenta no Brasil – porque não houve resposta dos donos a um pedido de quebra de sigilo de conversas mantidas entre criminosos, feito em fevereiro – incendiou as redes sociais antes mesmo das 23h (hora local) de quarta-feira. Um clamor do Oiapoque ao Chuí.
Insones, baladeiros e gente que, noite adentro, labuta na profissão não teve outro assunto e alternativa a não ser lamentar nas redes socias – com depoimentos, ironias e memes – a “triste” notícia, assim encarada pelo fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, dono do aplicativo mais querido do país, utilizado, segundo o Ibope, por 93% dos usuários da internet, na frente, inclusive, do próprio Facebook (79%). Ar de bom moço contrariado e solidário com a “desventura” que se abateu sobre tantos milhões de dependentes brasileiros do “zap”, como é chamada na intimidade a ferramenta, Zuckerberg exaltou a mobilização do seu exército contra o que entendeu como “arbitrariedade” da Justiça brasileira, corrigida com a liberação do serviço antes mesmo do fim da manhã de ontem, quando uma sentença derrubou a primeira. O desembargador Xavier de Souza, do TJ paulista, considerou que não seria algo razoável prejudicar tantos usuários e sim a punição ir para a empresa em forma de aumento da multa, a esta altura já avaliada em R$ 6 milhões.
“Estou chocado, este é um dia triste para o país”, escreveu Zuckerberg em seu perfil na rede social. Exagero, diante dos muitos dias realmente tristes que o Brasil tem atravessado com políticos chafurdando na lama de sucessivos e inacreditáveis escândalos. No entanto, quando ele fala o mundo presta atenção e, neste caso, o tom do lamento só ajuda a levar até investidores estrangeiros aquela imagem do país associada à arbitrariedade, algo que habitualmente não veem com bons olhos. Especialistas em direito da propriedade intelectual avaliam que mesmo tratando-se de informação importante para o trabalho da Justiça, a questão poderia ser resolvida de outra forma, com pena de natureza pecuniária. Milhões foram atingidos pelo bloqueio do serviço e, além disso, o caso também abre precedente para outras decisões capazes de colocar em risco a privacidade e a liberdade de expressão dos brasileiros.
Longe das discussões sérias produzidas pelo fato, quem usa o aplicativo como canal de entretenimento alimentou o debate em torno da suspensão com a fórmula do riso fácil. No ambiente das redes sociais tem sido assim: quanto mais estéril ou vulgar for o assunto, mais audiência, compartilhamentos, curtições, comentários. Como se viu no caso da mineira Fabíola, surpreendida pelo companheiro com o melhor amigo dele ao sair em um motel. Espécie de “Madalena” dos tempos modernos, a moça foi maltratada fisicamente e exposta depois de ter o momento do flagrante filmado e postado nas redes sociais pelo homem traído. Ninguém se deu ao trabalho de refetir sobre que traição é um assunto de ordem pessoal, enquanto a violência, da conta de todos. Ali estava apenas a mulher infiel e não o homem que cometia um crime ao agredi-la sem temor nenhum e diante de uma câmera.
Não se tem a menor ideia do que Zuckerberg diria sobre um episódio assim. Mas triste mesmo, afinal, vem sendo a conduta da maioria diante de comportamentos, fatos e situações importantes, que quando tratados nas redes sociais mal conseguem míseras curtidas e se esvaziam depressa diante de uma indiferença que choca. Parece que os brasileiros estão se transformando em claque da própria desgraça.
Arte: Samuca
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