quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

História do Brasil Colonial


  1. A epopeia das navegações


Formação de Portugal


A origem do Reino de Portugal está diretamente ligada às lutas de reconquista da Península Ibérica ao domínio muçulmano implantado em 711. Tais lutas ocorreram dentro das características do feudalismo, o sistema socioeconômico então preponderante na Europa: um nobre francês, D. Henrique de Borgonha, recebeu um feudo de um rei de Castela como recompensa pelo auxílio prestado nas campanhas militares. Anos mais tarde, o filho desse nobre, D. Afonso Henriques, obteve o reconhecimento da transformação desse feudo num reino – O Reino de Portugal.
O período borgonhês da história lusa (1140-1385) foi aquele em que se consolidou a preponderância da aristocracia territorial, a despeito da lenta formação de um grupo mercantil no país. Paralelamente à nobreza, também se fortaleceu o clero católico, visto que a luta contra os mouros ajudou a estimular muito o fanatismo religioso; de resto, a tendência proselitista do catolicismo ibérico viria a ser um lado importante nas navegações não se podendo esquecer que Cabral viajou sob a bandeira da Ordem de Cristo.
A manutenção das estruturas aristocráticos-feudais, durante por impedir que tal expansão afetasse decididamente a vida portuguesa no sentido de uma transição para um sistema capitalista. Com efeito, a Coroa, que ficou com ma maior parte dos lucros provenientes das navegações para o Oriente, gastou-os empreendimentos suntuários antieconômicos ou com eles beneficiou de várias formas a nobreza. Posteriormente, quando a empresa navegatória ultrapassou a fase da rapinagem e do ganho fácil e imediato, verificou-se que o país não contava com uma sólida estrutura capitalista mercantil que lhe permitisse enfrentar vantajosamente os novos concorrentes que tinham aparecido: os holandeses, os franceses e os ingleses. Finalmente, como agravante desse quadro descrito, ainda há que assinalar a expulsão dos judeus de Portugal, ocorrida no reinado de D. Manuel I. Esta decisão foi um erro, isto que eles eram os maiores depositários do capital proveniente da usura.
Talvez se possa, de resto, comparar o erro da expulsão dos judeus de Portugal ao da revogação do Édito de Nantes na França de Luís XIV (1865).
Não tendo sabido patrocinar uma efetiva transição para novas formas sociais e econômicas, a Monarquia portuguesa logo se viu comprometida pelo obsoletismo das estruturas que foram mantidas e sustentadas.


O significado da empresa navegatória


Sendo um país voltado para o mar por razões geográficas – a posição litorânea – Portugal também o foi por motivos econômicos. Primeiro, porque o mar se mostrou a única alternativa à expansão nacional, uma vez que do outro lado havia a Espanhola. Segundo, porque a pesca e o sal já constituíam riquezas básicas dos lusitanos desde a Idade Média.
Possibilitada por notáveis descobertas técnicas (bússola, astrolábio, caravela) e pela aliança entre a Dinastia de Avis e o grupo mercantil, a empresa navegatória lusa teve o Seu momento áureo no século XV. Segundo observação da Professora Helga Piccolo, o centro de pesquisas náuticas de Sagres, nome associado às navegações, nunca foi uma Escola “strictu senso”. Esse foi um muito que se formou a partir de uma hipótese levantada pelo estudioso inglês Samuel Purchas, nos inícios do século XVII. A rigor, portanto, a palavra “escola” só tem validade se tomada na acepção de um estado de espírito – aquele estado de espírito mercantil e aventureiro que norteou as navegações.
A decadência do domínio muçulmano e as Cruzadas reabriram o Mediterrâneo ao comércio entre Ocidente e Oriente Próximo, no correr da Baixa Idade Média. E esse comércio, feito especialmente por Veneza, era interessante à Europa, visto que as caravanas traziam do Oriente – o Eldorado dos mercadores – especiarias e artigos finos e exóticos que contavam com um mercado em expansão no Velho Mundo.
O desejo de acabar com o monopólio italiano na obtenção de tais artigos foi determinante na empresa navegatória. Portugal procurou um caminho marítimo pelo sul da África para chegar até a Índia e adquirir diretamente as especiarias. Eliminar os intermediários era, aliás, um meio de baratear os artigos desejados, ampliando, destarte, a faixa de consumo.
Segundo uma concepção tradicionalmente aceita, a queda de Constantinopla na mão dos turcos (1453) suprimiu um entreposto natural das especiarias e deu origem às navegações, que tinham por objetivo encontrar um outro caminho até o Oriente. Entretanto, pelo exposto acima, ao se enfatizar a questão da concorrência lusa em face ao monopólio italiano, as navegações portuguesas adquirem caráter autônomo e o declínio comercial d Constantinopla e do Mediterrâneo não aparece mais como causa e sim como consequência do êxito obtido pelas navegações.
As navegações portuguesas começaram com a ocupação de Ceuta (norte da África, 1415) e das ilhas do litoral africano (Madeira, Açores, Cabo Verde), tendo expandido no final do século XV, com a descoberta do Cabo da Boa Esperança (1488, Bartolomeu Dias) e do Caminho das Índias (1498, Vasco da Gama). Ao mesmo tempo que Portugal procurava atingir as Índicas via Oriente e sul da África, a Espanha, vizinha dos portugueses, incentivada pela expansão dos mouros, aceitava o projeto temerário do genovês Colombo de chegar às Índias por um caminho oposto, pelo Atlântico, em direção ao Ocidente. Como é sabido, o projeto de Colombo redundou na descoberta da América em 1492. Esse fato trouxe como consequência a necessidade de portugueses e espanhóis demarcarem as respectivas áreas de influência no Ultramar. O Papa Alexandre VI fez uma tentativa inicial (1493), mas a divisão definitiva só veio em 1494, quando o Tratado de Tordesilhas fixou um meridiano a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde e estabeleceu que as terras a serem descobertas a leste do meridiano referido seriam portuguesas e as oeste seriam espanholas. A despeito de questões importantes que dificultaram o comum acordo na demarcação efetiva – questões como a da diferença na contagem da légua entre Portugal e Espanha e a fixação da ilha de Cabo Verde que seria a referência inicial – pode-se dizer que o citado Tratado de Tordesilhas acabou determinando que o Brasil – ou, pelo menos boa parte dele, na extensão atual – viesse a ser português bem antes da descoberta oficial.


Problemas da descoberta do Brasil


A descoberta oficial do Brasil acabou ocorrendo em 1500, quando uma expedição destinada às Índias – a segunda – apontou no litoral baiano antes de seguir viagem até o Oriente. Houve uma “descoberta” nesse episódio? Não, enquanto revelação de algo desconhecido, visto que – e o próprio Tratado de Tordesilhas o comprova – já existia uma razoável certeza quanto à existência de terras a ocidente. Entretanto, por outro lado, enquanto tomada de posse, pode-se dizer que houve “descoberta” do Brasil, visto que os portugueses oficializaram o ato, o que ninguém fizera antes.
Uma questão acadêmica, mas interessante, acerca da “descoberta” do Brasil é a seguinte: ela resultou de um acidente, de um acaso da sorte? Não, ao que tudo indica. Os defensores da casualidade são hoje uma corrente minoritária. A célebre carta de Caminha não refere a ocorrência de calmarias. Além disso, é difícil aceitar uma frota com 13 caravelas, bússola e marinheiros experimentados se perdesse em pleno Oceano Atlântico e viesse bater nas costas da Bahia por acidente.
E o que dizer do nome “Brasil”? Atribui-se a origem à famosa madeira pau-brasil aqui encontrada. Todavia, sabe-se de mapas dos séculos XIV e XV que se referem à existência, a ocidente, de uma ilha chamada Brasil, termo que, ligado a uma lenda céltico-irlandesa, significa, nesta língua, “terra prometida”.
Rejeitado o acaso como fonte de explicação no que tange aos objetivos da “descoberta” fica de pé a seguinte pergunta: qual foi, portanto, a finalidade, a intenção da expedição de Cabral? A melhor resposta parece ser aquela que evoca a posição estratégica do Brasil, na época, como indispensável para controle da rota atlântica que levava às ambicionadas Índias. Enfim, o Brasil não o foi com vistas a ser colonizado. Foi “descoberto” em função de interesses externos à nova terra. Como diz Caio Prado Júnior, a colonização veio como consequência do descobrimento, não tendo sido esta a sua finalidade.


  1. A fase pré-colonizadora


A questão do colonialismo


O Brasil ficou, por três séculos, na condição de colônia portuguesa, embora nunca tivesse levado oficialmente esse nome. Posteriormente, manteve, em muitos aspectos, tal situação, embora tivesse oficialmente conquistado a independência e se torturado um Estado nacional. Conclui-se daí que o colonialismo é uma situação de dependência que transcende o nível político- administrativo, podendo ou não incorporá-lo.
O colonialismo envolve um relacionamento bilateral que beneficia inteiramente um lado (metrópole) em detrimento do outro (colônia). A metrópole é o componente ativo dinâmico: impõe e determina, é o fulcro da decisão. A colônia é o componente passivo, submisso. Aceita e imita os valores da metrópole, é a área periférica no contexto do sistema. No colonialismo, se estabelece um binômio que interage reciprocamente: dominação (metrópole) e dependência (colônia). E todos os elementos os elementos correlatos só tem um objetivo, o de assegurar a continuidade desse binômio montado em cima de uma base econômica.
O colonialismo tem um dos seus principais pontos de apoio naqueles segmentos que, no interior da sociedade colonizada, ele consegue cooptar, isto é, aliciar. Tal cooptação é possível na medida em que o colonialismo faz tais segmentos participarem diretamente dos benefícios do sistema ou, pelo menos, cria ilusões de que realmente o faz. A dominação ideológica e cultural, por outro lado, favorece a que a maioria se mantenha amorfa e passiva em relação a qualquer Alternativa d contestação ao sistema vigente, o que é um outra forma de cooptação, a cooptação pela alienação.
De resto, a cooptação pela alienação, que pode ser exemplificada, no Brasil atual, através das camadas mais pobres da população urbana que consome programas de televisão, é uma modalidade de cooptação que inclusive auxilia os verdadeiros ativistas do colonialismo que participam dos benefícios do sistema, como foi referido acima, ao mesmo tempo em que dificulta o avanço coletivo rumo ao processo emancipatório.
Com tudo isso, não é difícil de concluir que, se o mecanismo de exploração colonialista é simples, os meios de que ele se vale para se manter são variados e a ruptura acaba sendo invariavelmente um processo complexo.


A fase pré-colonial


Durante os primeiros trinta anos da dominação portuguesa, o Brasil não foi tecnicamente falando, uma colônia, visto que não estavam presentes diversos elementos que, segundo foi visto, fazem parte da estrutura colonialista. É fato que existia uma riqueza da qual os portugueses se apropriavam. Mas inexistia um sistema montado em função dessa apropriação, um sistema político, social e cultural A apropriação da referida riqueza – o pau-brasil – dava-se dentro de moldes muito primitivos e a sociedade indígena que aqui existia não era afetada pelo relacionamento econômico imposto pelas necessidades de enriquecimento de Portugal. Em resumo, este dado nos mostra que se a simples dominação política não configura a situação colonial, da mesma forma não configura a apropriação pura e simples das riquezas de uma terra pela população de outra. No caso, Portugal se apropriava do pau-brasil encontrado nas matas do litoral, mas não havia todo um sistema social e ideológico montado em cima desse fato. Considerando o binômio dominação – dependência que caracteriza o colonialismo, no Brasil daqueles anos não se pode falar em dominação, pois não havia propriamente o que dominar, e muito menos em dependência, uma vez que a sociedade local existente, a indígena, era autossuficiente no trato com a terra e certamente não necessitava do português para nada, apesar de apreciar as bugigangas que ele lhe trazia.
A orientação mercantilista da época ensinava que só tinha sentido manter uma colônia se ela produzisse especiarias ou riqueza metálica. E o Brasil não produzia nem uma coisa nem outra. Por esse motivo, constituiu um desafio para Portugal conservar a posse de uma terra que não fora possível, de imediato, integrar na grande corrente do capitalismo comercial do tempo. A verdade é que o governo luso fazia questão de manter seus mal delimitados domínios sul-americanos por causa do motivo estratégico de que já se falou: garantir o controle da rota atlântica que levava às Índias. O pau-brasil encontrado naqueles anos iniciais, foi considerado monopólio da Coroa, mas o direito de explorá-lo foi cedido a particulares mediante certas obrigações. Quem primeiro obteve um contrato desse tipo foi Fernando de Noronha, que se comprometeu a enviar anualmente 6 navios ao Brasil, explorar 300 léguas de costa, constituir um misto de entreposto e fortaleza chamado Feitoria e pagar o quinto do pau-brasil ao governo. Durante algum tempo ele se interessou pela empresa, mas depois desistiu, o que comprova que o Brasil pré-colonial não era negócio muito atraente.
A inexistência de uma fixação regular do português aqui estimulou os corsários franceses, os quais tinham o apoio do rei Francisco I (1515/1547), que não reconhecia o direito de Espanha e Portugal dividirem só ente eles o Novo Mundo (Tratado de Tordesilhas, 1494). Pois, segundo dizia, “não constava nenhuma cláusula dessas no testamento de Adão”.
Tal como os portugueses, os franceses mantiveram bom relacionamento com os indígenas, os quais extraíam o pau-brasil na floresta para forasteiros em troca de bugigangas e quinquilharias (escambo: troca de uma mercadoria por outra). É interessante observar que esse tipo de relacionamento de trabalho, que deixava o índio livre, com seu próprio ritmo de vida, de caráter bastante assistemático e feito de acasos e circunstâncias, acabou determinando que ele se habituasse à remuneração, qualquer que fosse ela, pelo serviço realizado. Esse farto, entre outros, ajuda a entender sua posterior resistência à escravidão.
Por volta de 1530, Portugal passou a se interessar mais pelo Brasil: o comércio da Índia já estava começando a dar prejuízo uma vez terminada a era da pilhagem. Além disto, o Brasil estava sendo sistematicamente “visitado” pelos franceses. Assim, para assegurar a efetiva posse da nova terra – de onde poderiam provir, quem sabe, futuras riquezas – Portugal viu-se obrigado a criar nela núcleos fixos de povoamento, isto é, colocou em prática a colonização regular. Outro não foi o objetivo da conhecida expedição de Martim Afonso de Souza, que em 1532, tendo percorrido o litoral brasileiro e averiguado as condições para um povoamento estável, fundou, em São Paulo, as primeiras Vilas do Brasil: São Vicente, Santo André da Borda do Campo e Santo Amaro. Começava na História do Brasil, a era dos latifundiários e dos administradores. Ao contrário da América Espanhola, que teve uma fase preliminar de conquista e rapina para depois de entrar na fase dos administradores, o Brasil não passou por esse estágio, pois não mostrara possuir riquezas capazes de forjar um Cortez ou um Pizarro. A rapinagem e o aventureirismo lusitanos foram exercidos, naquela época, no outro extremo do mundo, a Índia. O contato mais profundo do Brasil com a civilização ocidental começa diretamente sob o signo do colonialismo mercantilista.


Etnia


Não houve democracia racial no Brasil Colonial, como não poderia haver num sistema de dominação colonialista. Por outro lado, se uma raça preponderou, consequentemente preponderam também os seus valores culturais na formação social da área colonizada. Assim, na evolução da colônia brasileira, o banco, especificamente o português, impôs a sua organização econômica e política e as suas concepções culturais, sociais e religiosas. A estrutura básica da sociedade colonial, o seu aspecto agro latifundiário, patriarcal, conservador, católico, aristocrático e voltado ao litoral deveu-se inteiramente ao português.
Estudando-o cuidadosamente, Gilberto Freyre viu nele três qualidades fundamentais de colonizador: facilidade de aclimatação a regiões diferentes (o que explicaria pela própria situação geográfica de Portugal, localizado na fronteira de Europa e África), tendência a se locomover sem problemas de uma região para outra (o que visaria compensar a deficiência numérica em face das exigências de um império colonial tão disperso) e (o que se explicaria pelo fato da própria nação portuguesa ser um cadinho de povos, até mouros).


Gilberto Freyre: uma reavaliação


A par do mérito do estilo, o livro clássico de Gilberto Freyre tem ainda outros valores positivos como a abundância da informação documentada, revelando o “olho do inglês”, de que fala Darcy Ribeiro, e a busca de uma autoconsciência nacional através de uma evocação das origens.
Entretanto, não nos enganemos: a evocação é a de um descendente da classe dominante do período açucareiro, saudoso de um tempo passado. Gilberto Freyre se esforçou em suprimir preconceitos, mas acabou criando novos, ligados à classe a qual pertence. Darcy Ribeiro os enumera impiedosamente:
1º) O branco é sádico, o índio e o negro são masoquistas. Moral implícita: o povo encontra num governo autoritário e despótico, o que acaba sendo um modo de justificar a existência de mecanismos repressivos destinados a manter uma ordem social calcada em desigualdades.
2º) O índio é molenga no serviço, tristonho e introvertido e o negro é vigoroso, adaptado aos trópicos e essencialmente alegre.
Por isso é que o negro substituiu o índio como escravo. Esta interpretação encerra estereotipações simplistas, não se detendo em averiguar, por exemplo, os conhecimentos que o índio tinha da agricultura (mandioca, milho), utilizados pelo branco.
3º) O índio era “violento” e essa violência se perpetuou atavicamente e “explica” a violência das rebeliões sociais e políticas do nosso interior (quer dizer, elas não se explicam como reação a uma violência anterior, a do sistema vigente que lhes deu origem...)
4º) A Abolição foi prematura, privando o negro da proteção patriarcal do senhor que o assistia na doença e na velhice. Esta visão da “escravidão humanizada”, posta abaixo por Edison Carneiro, Clóvis Moura e Décio Freitas, entre outros, prende-se ao estudo de um tipo negro especificamente, o doméstico, esquecendo o outro, aquele que realmente sofria, sem gozar de direito algum, o trabalhador do eito.


O paraíso conquistado


Os autores mais lúcidos têm como certo, atualmente, que a ocupação da América Latina no século XVI representou a implantação de um inferno para índios e negros. Para os conquistadores e seus cronistas, porém, pareceu que um verdadeiro Éden tinha sido encontrado, uma terra de abundância, sem as doenças que grassavam na Europa e imensa em suas perspectivas de enriquecimento para indivíduos de vontade e iniciativa.
Quanto a isso, pode-se dizer que o fato de Portugal não ter inicialmente compartilhado de uma visão delirante acerca do Novo Mundo deveu-se a dois motivos: não encontrou metais preciosos na nova terra, logo de saída, e tratou desde cedo, de submeter os voluntarismos aventurescos individuais aos interesses do Estado no processo colonizatório, proibindo, por exemplo, a penetração no interior a fim de evitar a burla do fisco. É claro que, circunscrevendo a colonização à vida rotineira da sociedade ariada ao longo da fixa litorânea, Portugal se interessou em frear a imaginação acerca de uma interpretação idílica ou paradisíaca do Brasil.
Finalmente, é interessante observar que o desejo dos europeus de encontrar no Novo Mundo aquele paraíso perdido com o pecado de Adão e Eva bem mostra o conteúdo religioso da época da qual a Europa saía, a Idade Média. E mostra também quão pronunciada era a crise econômica, política, social e cultural dessa época, a ponto de os indivíduos passarem a ansiar por um lugar novo – e antigo ao mesmo tempo – que lhes devolveria a segurança de outros tempos.


  1. O primeiros estágios da administração colonial


A questão das capitanias


O início da História do Brasil foi, como se viu, marcado por uma série de dilemas e opções drásticas. Uma das mais importantes veio a ser justamente a que redundou na criação do sistema administrativo das capitanias hereditárias.
Tem-se ressaltado que, ao dividir o Brasil em lotes “por linha de testada” (costa), Portugal não estava inventando algo novo, visto que já se aplicara tal sistema nas ilhas atlânticas. Entretanto, não se deve esquecer a especificidade do caso brasileiro, primeiro, por ser alvo da cobiça estrangeira, ou seja, dos franceses, segundo, por ser uma região excepcionalmente grande e distante.
As capitanias representavam uma solução de emergência. Para a coroa, não se tratou de renunciar ao Brasil em favor do capital privado. Tratou-se, isso sim, de usá-lo no snetido de que ele fizesse o investimento inicial para descobrir em que se poderia assentar economicamente a colonização. Foi algo assim como se um exército mandasse batedores à frente para reconhecer o terreno a ser depois conquistado.
Em 1549, constatando que o açúcar poderia ser uma solução para o problema colonizatório, bem como, esperando achar no Brasil a riqueza metálica que a Espanha encontrara no Peru, o rei D. João III houve por bem enviar ao país o primeiro governador geral, que era um representante da Coroa destinado a dar às capitanias a coordenação de que elas necessitavam. A instituição do governo geral evidenciou a nova preocupação que Portugal passou a ter com o Brasil. De fato, funcionou aqui a lei da compensação: estando em crise o comércio com a Índia, o interesse luso obviamente deslocou-se para o Brasil.


O significado do governo geral


Nelson W. Sodré definiu o governo geral como um “primeiro esboço de poder público” no Brasil. Com efeito, não foi muito além de esboço, pois, como observou Oliveira Vianna, as distâncias, as comunicações e o poder dos latifundiários se constituíram em problemas significativos com vistas à estruturação de um governo realmente centralizado. O Brasil da época se reduzia a um punhado de grandes propriedades, dominadas por senhores com muitos escravos. Como não havia imprensa, “opinião pública”, no sentido preciso do termo era coisa inexistente. Nelson W. Sodré diz que só o padre falando de seu púlpito, nas missas dominicais, é que tinha alguma possibilidade de mobilização coletiva.
Com certeza não se pode comparar o avanço, no sentido da unidade política, obtido da vinda da família real, com aquele conseguido entre os séculos XVI e XIX. No primeiro caso, foi muito maior. Em história, entretanto, nada se faz bruscamente. A centralização imposta por D. João foi construída sobre rudimentos já estabelecidos por governadores gerais e vice-reis. Só se olharmos pelo prisma do nosso tempo, que foi o que fez Oliveira Viana, é que a obra de unificação política da colônia nos parecerá de precários significado. Mesmo que, segundo Maria da Conceição Tavares, tinham sido então lançadas as raízes da futura tradição autoritária do Estado brasileiro.
Marco importante nas origens do futuro Estado unitário brasileiro foi a obra do Marquês do Pombal. Sabendo da carência de gente para administrar uma colônia que se expandia, especialmente na zona mineradora, ele se valeu de brasileiros para preencherem as necessidades do estamento burocrático, o que, segundo Kenneth Maxwell, veio a ser um primeiro fator da Inconfidência Mineira.. Além disso, deveu-se ao mesmo Pombal a redução da autonomia das câmaras municipais, centros do poder político do latifúndio, a mudança da capital para o Rio de Janeiro (até 1763, era em Salvador), a expulsão dos jesuítas, escarados como perigo em face dos objetivos de centralização do Estado, e a transição definitiva do governo geral para o vice-reinado.


Os primeiros governadores gerais


Um governador geral vinha para exercer tarefas administrativas e militares por um prazo de três anos. Era assessorado por um provedor-mor (encarregado do fisco), um ouvidor-mor (encarregado da Justiça) e um capitão-mor-da-costa (encarregado pela defesa do litoral contra o corsalismo europeu). O governador geral vinha também munido de um documento que lhe definia as atribuições e que alguns consideram um marco em nossa pré-história constitucional, o Regimento.
O Brasil teve dezenas de governadores gerais até o século XVIII. Habitualmente são citados os três primeiros, marcos iniciais da tarefa colonizadora. Atribui-se a eles (Tome de Souza, Duarte da Costa) a vinda dos primeiros jesuítas, a construção de Salvador, a primeira capital (Tomé de Souza) e a luta contra o invasor francês, disposto a disputar fatias do território brasileiro (Mem de Sá). Esses homens podem ser considerados pioneiros na construção da administração centralizada do Brasil Colonial.
Quando se deu realmente a transição do governo geral para o vice-reinado? Parece que não há uma documentação precisa a respeito. Há os que apontam 1640, ano em que veio para cá o Marquês de Montalvão, primeiro governador geral que ostentou o título de vice-rei. Já outros preferem 1720, a partir de quando todos os governadores gerais passaram a ser assim chamados. Finalmente, há os que apontam a responsabilidade do Marquês do Pombal na definitiva transição de governo geral para vice-reinado e consequentemente elevação do “status” dessa que já era a mais importante colônia ultramarina portuguesa.


O vice-reinado


Em que se distinguiram exatamente os vice-reis dos antigos governadores gerais? Em primeiro lugar, eram cercados da maior pompa. Em segundo, provinham da alta nobreza. Em terceiro, dispunham de mais poderes, pois segundo a observação da Professora Helena Piccolo, podiam aplicar os rigores das penas judiciárias até às pessoas socialmente mais bem situadas.
Um vice-rei, muito mais do que um governador geral, que lembrava um funcionário graduado, aparentava ser um representante da Coroa de Portugal. O governador geral dava a ideia de um executante de ordens ao passo que o vice-rei parecia a própria personificação do sagrado poder monárquico.


  1. Açúcar – a tarefa secular

A opção pela economia açucareira


Por diferentes motivos, a base da colonização não pôde ser nem o pau-brasil (que propiciou um lucro ínfimo: não mais de 5% da receita portuguesa) e nem a mineração (que não pôde se desenvolver por não terem sido encontrados metais preciosos aqui no século XVI, pelo menos em quantidades apreciáveis).
Essa riqueza, trazida de fora, veio a ser a cana-de-açúcar. Tudo colaborou para que fosse ela. O meio (clima quente e úmido e solo do massapê no litoral) mostrou-se favorável, Portugal já tinha experiência com o plantio e comercialização do produto nas ilhas atlânticas e, primeiramente, tratava-se de um artigo com amplas chances de mercado na Europa. Sua obtenção, naquela época, era difícil, já que se constituía numa especiaria que vinha do Oriente e dependia de um comércio que, além de muito oneroso, não era frequentemente o bastante para atender a uma crescente demanda.
  1. Açúcar –a tarefa secular


A opção pela economia açucareira


Por diferentes motivos, a base da colonização não pôde ser nem o pau-brasil (que propiciou um lucro ínfimo: não mais de 5% da receita portuguesa) nem a mineração (que não pôde se desenvolver por não terem sido encontrados metais preciosos aqui no século XVI, pelo menos em quantidades apreciáveis). Além disso, dentro da visão mercantilista da época, a não ser que o Brasil fosse mantido no nível estagnado de colônia de povoamento, não haveria sentido em investir nele, administrando-o ou defendendo-o de invasores, se não houvesse possibilidade de extrair da terra alguma riqueza significativa, capaz também de atrair povoadores do Velho Mundo.
Essa riqueza, trazida de fora, veio a ser a cana-de-açúcar. Tudo colaborou para que fosse ela. O meio (clima quente e úmido e solo massapê no litoral) mostrou-se favorável. Portugal já tinha experiência com o plantio e comercialização do produto nas ilhas atlânticas e, principalmente, tratava-se de um artigo com amplas chances de mercado na Europa. Sua obtenção, naquela época, era difícil, já que se constituía numa especiaria que vinha do Oriente e dependia de um comércio que, além de muito oneroso, não era frequente o bastante para atender uma crescente demanda.


O domínio do latifúndio


O tipo de propriedade criado no Brasil em função da economia açucareira foi o latifúndio. Os motivos residiram na abundância de terras, nas altas exigências de investimento, que limitavam a iniciativa a poucos, e nas necessidades de produção e defesa. Em caso de qualquer ataque externo, era mais fácil defender um latifúndio por existir mais gente trabalhando.
A engrenagem da produção açucareira era tão complexa que Antonil, muito justamente, falou em “fábrica” ao referir-se a ela. Com efeito, a cana era só plantada como ainda transformada em açúcar no próprio latifúndio. Para tal, existia o engenho, constituído de moenda, caldeira e casa de purgar (onde o açúcar era branqueado). O proprietário que não tinha engenho pagava com a metade da colheita para moer no engenho de outrem. Quem arrendava uma terra de um latifundiário tinha o compromisso de moer a cana somente no engenho deste e, obviamente, pagava com a metade da colheira, afora o que era cobrado a título de aluguel.
Os grandes latifúndios de cana-de-açúcar compreendiam, além da plantação e do engenho, também a senzala, onde dormiam os negros, a capela, sendo o responsável por ela algo como um feudatário do latifundiário, e a casa grande, onde residia o senhor patriarcal, suprema autoridade local e um verdadeiro aristocrata não-titulado.
Os altos lucros trazidos pela economia açucareira fizeram com que esta monopolizasse todas as atenções e daí decorreram a não-diversificação de atividades e a monocultura. Com efeito, os holandeses, que se especializaram na compra e revenda do produto, não queriam saber de comprar outra coisa. E os latifundiários, por outro lado, adquiriam deles as manufaturas e os escravos de que careciam. Isso significa que o açúcar se constituía na única possibilidade que o dono da terra tinha de equilibrar receita e despesa, o que, de resto, conforme se verá, não chegou a acontecer.
Pouca coisa teria o Brasil, nessa época, a oferecer além do açúcar. Nas engenhocas ou molinetes fabricava-se aguardente, subproduto da cana de baixo custo e que servia não só para consumo interno das classes inferiores (mais tarde, não só inferiores...) como também para o comércio de escravos da África. Os artigos de subsistência de cultivavam em minifúndios ou nos intervalos de plantio da cana. O fumo foi plantado na Bahia, tendo-se desenvolvido a partir do século XVIII e servido a uma finalidade à da aguardente: a ser instrumento de troca para obtenção de escravos no continente negro.
A mais significativa atividade propiciada pelo açúcar não foi, entretanto, nenhuma das acima citadas. Foi, isso sim, o gado. A pecuária, inicialmente desenvolvida no litoral, servia ao abastecimento da zona canavieira. Com o tempo, todavia, a expansão da lavoura acabou retirando as pastagens do gado e este se viu “expurgado” para o interior e lá se tornou um decisivo fator de povoamento. Foi sintomático que o rei D. Pedro II, em 1701, houvesse estabelecido, numa Carta Régia, uma proibição formal a que a empresa criatória se desenvolvesse fora do sertão. Numa etapa posterior, o gado, através do Vale do São Francisco, desceria para o sudeste com a finalidade de abastecer a nova área de progresso econômico e social formada com a descoberta do ouro.


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