Na moderna linguagem política,
usam-se os termos carisma e carismático com demasiada liberdade.
Fica difícil distinguir ambos os conceitos de popularidade
Carisma,
na sua concepção original, significa “dom da graça”. É uma
qualidade excepcional que os indivíduos atribuem a certas pessoas,
em posição de liderança. Originalmente, tratava-se de um conceito
religioso que denotava a capacidade de fazer coisas extraordinárias,
fora do alcance das pessoas comuns, como “milagres”, “falar
línguas”, “ter visões”, “capacidade de comunicar-se com a
divindade”, e outras análogas.
Carisma tratava-se um conceito
religioso que denotava a capacidade de fazer coisas extraordinárias
Na
origem de todas as religiões há sempre uma ou mais figuras
carismáticas que, por suas qualidades extraordinárias e por seus
feitos excepcionais, credenciaram-se, perante seus contemporâneos,
como taumaturgos – intérpretes da palavra e vontade divina – e
como fundadores de uma religião. Com o tempo o conceito tornou-se
mais racional, chegando mesmo a integrar-se ao vocábulo sociológico
e político, pela obra de Max Weber.
Weber, na sua clássica tipologia de
formas legítimas de autoridade, incluiu, ao lado da legitimidade
tradicional e da legal, a legitimidade carismática. Na moderna
linguagem da política, usa-se o termo carisma e carismático com
demasiada liberdade. Fica difícil distinguir ambos do conceito de
popularidade.
Mais que oportuno, entretanto, é
necessário distinguir.
Carisma é um conceito muito mais
próximo da religião do que da política. Possuir carisma é
possuir, ou melhor, ser percebido como possuindo dons excepcionais,
inacessíveis às pessoas comuns. Em consequência, estes indivíduos
são objeto de devoção e respeito reverencial.
Líderes carismáticos “convertem”
pessoas, realizam “milagres”, podem exigir sacrifícios de seus
comandados, são encarados como seres superiores – na sabedoria, na
força, na visão.
Líderes carismáticos autênticos,
estão sempre na fronteira entre a religião e a política. Não
porque eles pessoalmente vivam esta condição, mas porque o povo os
situa naquela posição.
Na política, Mussolini, Hitler,
Lênin, Ghandi, Roosevelt, Fidel, Kennedy, De Gaulle, entre outros, e
para suas respectivas comunidades, costumam ser citados como exemplos
de lideranças carismáticas.
A crença na força, ou na sabedoria,
ou visão, ou heroísmo, ou vida exemplar, ou capacidade de
sacrifício, ou ainda outras virtudes – todas elas em grau
excepcional – (a tal ponto que o indivíduo comum não as ousa
atribuí-las a si mesmo) é que fizeram deles lideranças políticas
carismáticas.
Não é portanto qualquer político
com alta popularidade que pode ser considerado carismático. Para
sê-lo, é preciso ser capaz também de, por suas ações, sustentar
a convicção e a crença de que continua em plena posse daqueles
poderes excepcionais.
Se o fundamento da sua autoridade é
o “dom da graça” (em termos políticos, força, visão,
sacrifício, sabedoria, heroísmo, ou outra virtude, desde que
excepcional) para mantê-la, o líder carismático precisa,
continuadamente, dar prova de possuí-las.
O líder carismático opera no
mundo dos sentimentos, das emoções, da religiosidade
Se
em algum momento suceder que ele se revela incapaz de realizar o que
dele se espera, naquela virtude onde se fundamenta o seu carisma, sua
autoridade se esvai. Em termos religiosos, equivale ao profeta que
não mais realiza milagres porque o Senhor o abandonou.
O líder carismático, como se vê,
opera no mundo dos sentimentos, das emoções, da religiosidade. São
indivíduos que exibem grande confiança em si mesmos: excepcional
audácia; uma absoluta clareza mesclada com intransigência, na sua
visão da sociedade que, ética, histórica ou religiosamente deve
ser implantada, uma heroica disposição para o sacrifício, na luta
por aquele objetivo; uma excepcional força de caráter, para
enfrentar as derrotas sem perder a esperança; um mistério acerca de
si mesmo que se aproxima do religioso; um magnetismo pessoal
irresistível para seus seguidores.
Tais indivíduos não poderiam
comunicar-se com os seus seguidores, na forma de uma oratória
racional, por meio de argumentos lógicos e bem fundamentados.
Sua oratória, teria que ser, como é,
inevitavelmente emocional, mobilizando os sentimentos mais fortemente
sentidos pelas pessoas a quem fala, destinada a converter e não a
convencer, a seduzir e não a persuadir. A oratória da sedução é
a expressão do carisma, na comunicação entre líder e liderados.
Algumas advertências sobre a
liderança carismática se impõem:
- Não é o líder que decide se é carismático ou não. É o povo quem decide, se atribuem a ele as qualidades excepcionais que constituem a marca da liderança carismática;
- A liderança carismática apoia-se totalmente nas presumidas qualidades extraordinárias. Se elas faltarem ao líder, sei poder se esvai imediatamente;
- Em consequência, o líder carismático precisa estar sempre dando provas concretas do seu poder, naquelas qualidades onde a presunção de seu carisma se edificou.
Francisco Ferraz
Fonte: Política Para Políticos
Nenhum comentário:
Postar um comentário