Aos 77 anos, Maria do Nascimento é uma das principais referências do candomblé no Rio de Janeiro. Com raízes na mais alta linhagem do candomblé da Bahia, Mãe Meninazinha de Oxum, como é conhecida, faz de sua vida uma luta contra a intolerância religiosa e em favor da divulgação da contribuição dos terreiros para a cultura brasileira. Recentemente, foi recebida pela presidenta Dilma Rousseff, com mais 30 religiosas, logo após a Marcha Nacional das Mulheres Negras, em Brasília. No último dia 18, elas cobraram que o governo tire antigas reivindicações do papel. Elas pediram ações efetivas contra o racismo, a violência.
Responsável pelo Ilê Omolu Oxum, em São João de Meriti, terreiro com quase 50 anos, na Baixada Fluminense, Mãe Meninazinha já iniciou mais de 150 filhos de santo. Sem deixar de lado os rituais, ela ainda é vice-presidenta da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, entidade da qual também é fundadora.
“As pessoas vêm em busca de cura, da saúde física ou espiritual, estamos aqui para ajudar”, disse Mãe Meninazinha, com jeito doce e tranquilo, ao falar do próprio trabalho.
Preocupada em transcender ensinamentos para fora do terreiro, ela foi uma das principais articuladoras de uma ação civil pública, ainda na década de 1980, para garantir a liberdade religiosa no país. Na época, a casa sofria diversos ataques das ascendentes religiões neopentecostais. Vizinhos do terreiro chegaram a bloquear a rua com tapumes para impedir a passagem de fieis.
Ao receber a Agência Brasil no Ilê Omolu Oxum, que já foi até cenário de filme, ela compartilhou um pouco das atividades que divide com a Mãe Nilce de Iansã, sobrinha e herdeira da casa. Para Meninazinha, os terreiros são espaços de acolhimento e difusão da cultura afro-brasileira, não podem se limitar aos rituais. Ela foi uma das primeiras a observar que as casas religiosas poderiam ser ocupadas com uma série de atividades nos momentos em que não houvesse celebrações.
No espaço que ocupam em São João de Meriti, em uma rua que quase não tinha casas quando o ilê chegou, as sacerdotisas se dividem entre oficinas de costura de roupas e indumentária afro, que vestem pais, mães, filhos e filhas de santo, de bonecas utilizadas nos rituais, além de cursos de artesanato, onde são feitos fios de contas, as guias, que representam a proteção dos orixás.
Entre as atividades mais procuradas estão as oficinas de culinária afro-brasileira. Mãe Nilce editou recentemente um livro com 20 receitas, como o acarajé, feito para a orixá Iansã nas celebrações, e o omolocum, de Oxum. “São salgados, doces e pratos que dividimos”, disse Nilce. A publicação contém ainda informações sobre direitos da mulher, delegacias especializadas, hospitais de referência e a Declaração Universal do Direitos Humanos.
Durante as oficinas, as sacerdotisas falam sobre autoestima, valorização da estética e cultura negra, sobre racismo, do qual também já foram vítimas, e violência doméstica. “As pessoas se sentem à vontade para falar desses assuntos e nós ouvimos, damos opinião”, disse Meninazinha.
Em um trabalho de resgate à memória, o Ilê Omolu Oxum abriu um pequeno museu para contar a história do terreiro. Fundado pela avó de Mãe Meninazinha, Iyá Davina, de quem a ialorixá é herdeira espiritual, o pequeno espaço, que está em fase de reorganização de acervo, reúne desde documentos e fotos antigas da família a objetos usados em rituais.
Com a preocupação em preservar as tradições, Mãe Meninazinha é incansável em cobrar que a Polícia Civil devolva materiais apreendidos em meados do século passado. “São assentamentos (representações), ferramentas [dos orixás] atabaques, roupas, todo o nosso sagrado”. Segundo a polícia, os materiais estão guardados em um acervo fechado à visitação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário