Nome dado, na história do Brasil, ao
episódio de libertação dos escravos, concretizado em 1888 com a
assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel
A abolição da escravatura no
Brasil, que alterou de imediato a estrutura de produção agrícola
e, a longo prazo, as fórmulas sociais e étnicas pelas quais se
compôs a população do país, não foi um simples gestos magnânimo
do pdoer imperial imbuído de princípios humanitários. Lentamente
preparada por sucessivos avanços ao longo do século XIX, a abolição
decorreu, isto sim, da inevitável conjunção de dois fatores de
peso: as pressões externas da política inglesa, que de há muito
forte opunha ao tráfico escravista, e as pressões internas de um
grande movimento popular, o abolicionismo, cujas origens remontam aos
quilombos e às revoltas de africanos iniciadas ainda no período
colonial.
Do ponto de vista estritamente legal,
a abolição concretizou-se em 13 de maio de 1888, um domingo, quando
a princesa Isabel, então regente do império, sancionou a lei no
3.353, que concedeu liberdade imediata a todos os escravos existentes
no Brasil se tornou conhecida como a Lei Áurea. Resultante de
projeto lido pelo ministro da Agricultura, Rodrigo Silva, em nome da
princesa regente e do imperador D. Pedro II, na sessão da Câmara
dos Deputados do dia 8 de maio de 1888, a lei da abolição não
previa nenhuma compensação para os proprietários de escravos e era
de uma concisão exemplar. Constava de apenas dois artigos e estava
assim redigida: “Art. 1º. É declarada extinta a escravidão no
Brasil. Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário.”
Primeiros abolicionistas
Na
segunda década do século XIX, havia no Brasil cerca de 1.200.000
escravos negros, contra apenas três milhões de habitantes livres e
brancos. A agricultura de exportação, totalmente dependente da mão
de obra escrava, resistia a mudanças nesse quadro, opondo-se não só
à liberação dos cativos como também ao fim do tráfico. Toda a
estrutura escravocrata da economia brasileira foi contestada porém
no exterior, desde o século XVIII, por não ser compatível com
novas concepções internacionais sobre o trabalho, já então em
vigor.
O mais antigo abolicionista do
Brasil, segundo as Efemérides do barão do Rio Branco, foi o padre
português, residente na Bahia, Manuel Ribeiro da Rocha, que em seu
Etíope resgatado (1757) se antecipou às ideias abolicionistas
propostas pelos ingleses Thomas Clarkson (1786) e William Wiberforce
(1788).
O combativo jornalista Hipólito José
da Costa, radicado em Londres desde que conseguira evadir-se dos
cárceres da Inquisição (fora preso ser maçom), atacou o problema
da escravatura no instante mesmo em que a família real portuguesa,
para escapar da invasão napoleônica, se refugiou no Brasil. Já em
1809, ele escreveu em seu Correio Braziliense: “Se o governo do
Brasil remediar este mal, os filantropos lhe perdoarão todos os
mais.”
A geração da independência –
Hipólito José da Costa, José Bonifácio, Caldeira Brant e o
próprio imperador D. Pedro I – era adversa à escravidão, mas
temia que o país se desorganizasse se a cessação do tráfico de
africanos não fosse precedida, em prazo razoável, pela
reorganização do trabalho.
Extinção do tráfico
Depois
da Independência, o tráfico continuou, como se o Brasil ignorasse o
Congresso de Viena (1815) e o tratado de 1817, que fixou medidas de
repressão ao comércio de escravos a serem executadas por
autoridades britânicas e portuguesas.
A Inglaterra que então dominava os
mares e a metade do montante do comércio mundial, não desistiu
porém de suas pressões. Em consequência disso, o Brasil foi
forçado a firmar o tratado de 3 de novembro de 1826, que marcou um
prazo de três anos para a completa extinção do tráfico. Em
cumprimento a esse tratado, foi promulgada a lei de 7 de novembro de
1831, que libertava os escravos desembarcados no Brasil. Tal lei
nunca seria aplicada e o tráfico, com a complacência do governo,
prosseguiu a todo vapor.
A partir de 1845, com a chamada
Aberdeen bill, o tráfico recrudesceu, porque os fazendeiros do setor
agroexportador (Nordeste e Sudeste), temendo o fim da importação de
escravos, resolveram fazer estoques. A Aberdeen bill passou então a
sujeitar aos tribunais britânicos os navios brasileiros que operavam
no tráfico. Em abril de 1850, cruzadores ingleses chegaram a
apreender navios contrabandistas até dentro de águas territoriais e
portos brasileiros. Logo depois, em 14 de outubro, o ministro da
Justiça, Eusébio de Queirós, assinou a lei que pôs fim ao tráfico
clandestino de africanos para o Brasil.
Com a extinção do tráfico, o
capital investido no comércio negreiro desviou-se para outras
atividades. Surgiram então bancos emissores, as companhias de
imigração e colonização, as empresas de estradas de ferro. Seria
a hora de acabar de vez com a escravidão, não fosse a reação dos
fazendeiros, que se encastelaram na defesa de seus interesses
ameaçados. Sob esse clima, não teve maior repercussão o projeto do
deputado Pedro Pereira da Silva Guimarães (1850 e 1852), que
concedia liberdade aos nascituros.
O movimento ganha força. Na verdade,
só um decênio após a Lei Eusébio de Queirós o movimento
emancipacionista adquiriu novo alento, graças sobretudo à ação do
Instituto dos Advogados. Foram abolicionistas todos os presidentes do
Instituto, parlamentares ou não, como carvalho Moreira, Silveira da
Mota, Urbano Pessoa, Perdigão Malheiros e, mais adiante, Nabuco de
Araújo e Saldanha Marinho. Em 1863, os Estados Unidos decretaram a
libertação de seus escravos. Três anos depois, D. Pedro II
encaminhou a seus ministros um apelo que recebera, no mesmo sentido,
da Junta Francesa de Emancipação. O conselho de Estado iniciou em
seguida o estudo do problema, com base em cinco projetos elaborados
por Pimenta Bueno (depois visconde e marquês de São Vicente).
Ao serem debatidos os projetos de
Pimenta Bueno, o conselheiro Nabuco de Araújo lembrou uma série de
medidas que alternariam por completo as relações ainda vigentes
entre senhores e escravos: a liberdade dos nascituros, a garantia do
pecúlio, a supressão dos castigos corporais e a alforria invito
domino, ou seja, mesmo contra a vontade do senhor. Nabuco de Araújo,
chegou até propor a criação de um fundo de emancipação,
destinado à concessão de alforrias de caráter compulsório, tendo
em vista os motivos de saúde, comportamento e serviços prestados.
A guerra do Paraguai tornou
inadiáveis algumas dessas medidas. No recrutamento de tropas, o
Exército e a Marinha tiveram de apelar para o concurso dos negros,
que deixaram de ser simples máquinas agrícolas para se
transformarem em “voluntários da pátria”.
O
processo se acelera. Dois decretos assinados por Zacarias de Góis e
Vasconcelos refletiram com clareza a precipitação dos
acontecimentos. O primeiro, de 6 de novembro de 1866, concedia
liberdade gratuita aos escravos designados para o serviço do
Exército; o outro, de 28 de março de 1868, mandava proceder à
matrícula geral dos escravos. Esse último, em especial, abriu
espaço para numerosas demandas interpostas por advogados que foram
grandes abolicionistas, como Saldanha Marinho, no Rio de Janeiro, e
Luís Gama, em São Paulo. A ofensiva forense foi intensa. Em 1871,
por exemplo, o jovem advogado José Joaquim Peçanha Póvoas propôs
1.604 ações contra senhores que obrigavam escravas à prática da
prostituição, obtendo 729 alforrias.
As etapas seguintes do movimento
antiescravista foram marcadas pela Lei do Ventre Livre, de 28 de
setembro de 1871, permanentemente fraudada, e a Lei dos Sexagenários,
de 28 de setembro de 1885. De acordo com a primeira, a partir dela os
filhos de mãe escrava seriam livres; pela segunda, os maiores de
sessenta anos ganhariam alforria. Aos poucos, o abolicionismo ganhava
impulso no país. No Ceará, os jangadeiros que faziam o transporte
de outros portos nordestinos para Fortaleza negaram-se a levar
escravos. Em 1844 a própria província do Ceará aboliu a
escravatura em seu território, gesto seguido no mesmo ano pela
província do Amazonas e por três municípios da província do Rio
Grande do Sul.
Quando da aprovação das leis do
Ventre Livre e dos Sexagenários, achava-se no poder o Partido
Conservador, ao qual competia, quase sempre, aplicar as reformas
propostas pelo Partido Liberal. A questão servil não constava,
entretanto, do programa de nenhum dos partidos. Houve conservadores,
como Andrade Figueira, que nunca mudaram sua intransigente posição
contra os avanços emancipacionistas. Muitos liberais, por sua vez,
discordaram do ponto de vista expresso por Rui Barbosa no famoso
Parecer sobre a reforma do elemento servil (1884).
De fato, o abolicionismo foi um
movimento à margem dos partidos políticos, que sensibilizou as
parcelas mais esclarecidas da população e forneceu temas polêmicos
a numerosos poetas, como Fagundes Varela e Castro Alves. Em sua fase
decisiva, a campanha que culminou no 13 de maio foi impulsionada por
entidades civis, como a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, de
André Rebouças, e a Confederação abolicionistas, de João Clapp,
ambas no Rio de Janeiro, ou por organizações secretas e até
subversivas, como o Clube do Cupim, de José Mariano, no Recife, e os
Caifases, de Antônio Bento, em São Paulo.
No papel de relevo que coube à
imprensa, destacaram-se os grandes ornais do Rio de Janeiro: a Gazeta
de Notícias, de Ferreira de Araújo; O País, de Quintino Bocaiúva,
notadamente pela seção que nele mantinha Joaquim Serra; a Gazeta da
Tarde, de Ferreira de Meneses e José do Patrocínio; e a Revista
Ilustrada, de Ângelo Agostini. Advogados, jornalistas, estudantes,
escritores e funcionários constituíram a vanguarda do movimento
abolicionista. A ela se integraram os oficiais do Exército, após
memorável reunião do Clube Militar em outubro de 1887, que
dirigiram à princesa regente um apelo para que os soldados não
fossem obrigados à “captura de pobres negros que fogem à
escravidão”.
A abolição decorreu, portanto, de
um movimento de opinião que se sobrepôs aos partidos e aos próprios
grupos monárquicos, nos quais prevalecia quase sempre a vontade da
classe mais rica e poderosa, a dos senhores de escravos. Em suma, a
abolição foi feita pelo povo. Por aqueles que pertenciam ao
“partido dos que não tinham nada a perder”, segundo a frase
cáustica do parlamentar liberal Martinho Campos, que se intitulava,
cheio de orgulho, um “escravocrata da gema”.
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