domingo, 22 de novembro de 2015

A Revolução de 30 – Os Anos de Transição

A Revolução de 30 deu-se, portanto, em meio aos esgotamento de um padrão de desenvolvimento capitalista baseado na agroexportação de um só produto. Tinha fim a hegemonia dos interesses cafeicultores sobre a nação, bem como desarticulava-se o sistema político do liberalismo excludente.

O grupo que empolgou o poder no imediato pós-30 era constituído por membros dos setores agropecuários não-exportadores em associação com militares da oficialidade tenentista. Embora parte da oligarquia gaúcha que apoiara Vargas tivesse a expectativa de que, com a Revolução, os rio-grandenses passassem a ocupar a antiga posição dos paulistas no controle da política nacional, a gama dos problemas nacionais a resolver extrapolava em muito as meras pretensões regionais.

Ante a falência da cafeicultura como sustentáculo do padrão de acumulação nacional, tratava-se antes de mais nada de garantir a continuidade do desenvolvimento capitalista brasileiro através de novos padrões. Ligado a esta questão, encontrava-se o problema de garantir as condições de dominação sobre as classes subalternas, incorporando reivindicações proletárias, desarticulando o movimento operário e garantindo a ordem social. Tais questões – emergenciais e prioritárias – achavam-se ligadas ao problema de dar uma nova base de legitimidade ao Estado, ampliando-o enquanto participação dos diferentes setores sociais.

Paralelamente e ao mesmo tempo imbricados com tais questões nacionais, achavam-se os interesses regionais e setoriais, das várias frações da burguesia brasileira. Da mesma forma, havia alianças com o Exército e expectativas das camadas médias urbanas, sem contar a necessidade de incorporação, de forma tutelada, da massa popular das cidades.

A revolução de 30 constituiu-se em mais uma etapa da revolução burguesa que se desenvolvia no país, construindo progressivamente um modo capitalista de produção e solidificando as estruturas políticas e administrativas de constituição do poder burguês no Brasil.

Quanto ao primeiro problema a enfrentar – as possíveis saídas para o desenvolvimento capitalista brasileiro que não a agroexportação – o governo passou a atuar através de medidas até certo ponto emergenciais. A cafeicultura, por exemplo, precisava ser atendida e o governo tanto recorreu à emissão e desvalorização da moeda, para atenuar a baixa do preço do artigo no mercado internacional, quanto passou a comprar, queimar ou jogar no mar, o café excedente. Outras medidas complementares foram tomadas, tais como a proibição de plantio de novos pés de café e o pagamento pelo governo de 50% do débito dos cafeicultores aos bancos, indenizando os credores com apólices federais.

Paralelamente a tais medidas, que tiveram o efeito de salvar o café da crise, mas transferiram para a nação o custo da política econômica através da inflação, o governo empenhou-se na diversificação da economia brasileira.

Esta proposta visava, por um lado, diversificar a pauta das exportações brasileiras, suprindo o recuo da posição ocupado pelo café nas vendas internacionais. Com isso, entrariam divisas e a nação restabeleceria o equilíbrio da sua balança comercial. Por outro lado, a diversificação da economia possibilitaria a integração do mercado interno brasileiro e o consequente recuo das importações, com notória economia das divisas, uma vez que as diferentes regiões trocariam entre si produtos que antes adquiririam do mercado externo. Por último, cabe registrar que tal política ia ao encontro dos interesses das diferentes economias regionais, tanto voltadas para o abastecimento do mercado interno quanto as voltadas para a exportação. Quanto às trocas internacionais, inaugurou-se uma sistemática de intercâmbio produto-produto, sem mediação de divisas, como por exemplo o comércio com a Itália e Alemanha, alcunhada de “política da lira e do marco compensado”.

O resultado prático das várias medidas levadas a efeito pelo governo para encontrar saídas para o desenvolvimento capitalista brasileiro foi tornar a indústria o novo setor de ponta da economia brasileira.

O desenvolvimento industrial pós-30 é resultado de um crescimento progressivo do setor desde as últimas décadas do século passado, ao que se conjugaram os efeitos da crise de 29, quando as perturbações no mercado internacional estimularam a substituição interna das importações. A tais fatores devem ser acrescentadas a ação do Estado e a pressão dos próprios empresários.

No decorrer da década de trinta, a dinâmica da acumulação do capital passou do setor agrário para o industrial, mas a indústria ainda se apoiava na produção de bens duráveis e semiduráveis. As bases técnicas e financeiras eram ainda insuficientes para que se instalasse um setor de bens de produção, fazendo o desenvolvimento industrial brasileiro atingir novos patamares.

No que toca ao segundo problema emergencial que se apresentava aos novos detentores do poder no pós-30 – o estabelecimento de novas formas de controle social -, procedeu-se à intervenção direta do Estado no mercado de trabalho, através da legislação social e da sindicalização das classes produtoras atreladas ao governo. O sentido básico da nova política social correspondia tanto à necessidade de assegurar as condições de dominação sobre a classe trabalhadora, contendo o conflito quanto de garantir as condições de reposição da força-trabalho, estabelecendo condições mínimas para o operariado. Por outro lado, não estavam ausentes das iniciativas trabalhistas as próprias necessidades econômicas do governo, identificando-se no fundo previdenciário instalado a constituição de uma reserva para o financiamento de setores prioritários como a indústria de base.

Ambas as questões – uma saída para o capitalismo e novas formas de controle social – estavam relacionadas com a redefinição do Estado brasileiro.

De uma certa forma, o Estado pós-30 cumpriu as promessas da plataforma da aliança Liberal ao se abrir à participação dos demais grupos sociais, envolvendo em seu programa as diferentes frações burguesas, incorporando as classes médias em função do aumento da burocracia e, por último, cooptando parte do operariado com a legislação social. Tal processo de ampliação da base política do Estado não invalida a constatação de que a elite dirigente (tecnocracia civil-militar) que passou a ocupar os cargos decisórios correspondia a uma gama de interesses burgueses que eram prioritários sobre os demais. Ou seja, o fato de o Estado se revelar como representante de todas as classes sociais e buscar a sua legitimidade nas massas demonstra que a burguesia estava conseguindo fazer passar para a sociedade os seus interesses particulares como se fossem universais.

O Estado brasileiro se complexificava e modernizava, incorporando interesses emergentes e revelando a diversificação da economia e da sociedade brasileira.

Neste sentido, o novo Estado realizou um reordenamento institucional visando à centralização administrativa e passou a intervir e regulamentar o aparelho burocrático, num processo de crescente estatização.

Ocorreu a hipertrofia do Executivo central com a centralização das decisões e recursos. Com a criação de novos órgãos e funções, ampliou-se o aparelho burocrático, com a deliberada incursão do Estado nos planos educacional, de saúde, habitação, ao mesmo tempo em que se proliferaram empresas estatais e de economia mista.

Com relação às classes produtoras, progressivamente o Estado foi implantando uma estrutura corporativista, na qual se processava a arregimentação dos grupos econômicos no sentido do seu entrosamento com o governo sem a mediação dos partidos políticos.

Ora perpassando por todas estas questões e deliberações tomadas no pós-30, achava-se a questão de encontrar o melhor encaminhamento para as mesmas . Ou seja, reorientar o desenvolvimento capitalista brasileiro, garantir as condições de controle sobre os subalternos e rearticular a coalizão dominante de classes que seriam mais bem viabilizadas através de um governo liberal-democrático ou autoritário? Ou ainda, o Brasil pós-Revolução de 30 enveredaria para maior abertura política ou pelo fechamento?

Na verdade, o período que se estendeu de 1930 até 1937oscilou entre as duas propostas. De 1930 a 1934, o Brasil vivenciou o Governo Provisório onde, na ausência de um Legislativo, o Executivo governou através de decretos-leis. Em suma, tratou-se de uma etapa discricionária e foi somente por pressões de grupos regionais de poder – São Paulo e parte da oligarquia gaúcha -, articulados na Revolução Constitucionalista de 1932, que foram convocadas eleições e instalou-se a Assembleia Constituinte em 1934. De 1934 a 1937, o Brasil atravessou um período constitucional, sendo Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório, eleito indiretamente pelo Congresso como primeiro presidente constitucional do pós-30.

Pela nova lei eleitoral de 1932 estabeleceu-se o voto secreto e foram incluídas as mulheres como eleitoras.

Parte das oligarquias reorganizou-se nos estados, sob a liderança de alguns nomes, como Flores da Cunha no Rio Grande do Sul, que com a reconstitucionalização passara de interventor a governador eleito.

Nos anos que decorreram até 1937 radicalizou-se a política brasileira, com a emergência de agremiações de direita e de esquerda que contribuíram para desestabilizar a sociedade brasileira.

A Ação Integralista Brasileira, chefiada por Plínio Salgado, e a Aliança Nacional Libertadora, tendo por presidente de honra Luís Carlos Prestes, corresponderam à orientação de caráter fascista, por um lado, e comunista, por outro. Mais do que meras organizações que expressavam tendências ideológicas, o integralismo e a ANL configuraram a exteriorização de inconformidades sociais, temor de proletarização e agravamento das condições de vida das camadas populares urbanas e dos pequenos proprietários rurais.

O movimento integralista, forma de fascismo indígena, apoiava-se numa série de princípios caros à parte significativa dos setores médios brasileiros que viam no esvaziamento do seu poder aquisitivo o risco de se proletarizarem. Palavras de ordem como propriedade, família e tradição calavam fundo junto à pequena burguesia e particularmente entre o colonato alemão e italiano que não se encontrava alheio aos sucessos políticos do fascismo na terra de origem de seus pais. Por outro lado, a Aliança Nacional Libertadora correspondeu à orientação da Internacional Comunista de formação de frentes únicas na América Latina que consagrassem trabalhadores e classes médias. O enfrentamento de ambos os grupos, causando intranquilidade social, vinha ao encontro dos interesses do grupo que apostava no fechamento da política brasileira como melhor forma de encaminhar as medidas necessárias para a consolidação do Estado burguês.

Na verdade, por pressão da sociedade civil, o governo pós-30 fora obrigado a abrir o regime político sem que se consolidasse um novo marco integrador dos interesses sociais. Às pressões oligárquicas regionais de 1932 somaram-se os conflitos entre aliancistas e integralistas em 1935, acrescentados do recrudescimento das greves operárias. Sob a liderança do Partido Comunista, tais movimentos passaram a expressar o descontentamento com a legislação social outorgada pelo Estado, bem como a estratégia dos representantes do Ministério do Trabalho, que tendiam a identificar-se com os interesses dos patrões e não com os dos empregados.

Neste contexto de intranquilidade, o governo fechou a Aliança Nacional Libertadora no mesmo ano de 1935 e fez aprovar a Lei de Segurança Nacional. O incremento da repressão estimulou novas reações, como a Intentona Comunista de novembro de 1935, articulada por elementos das Forças Armadas e que por sua vez propiciou novas ações repressivas do governo. Foi declarado estado de sítio e após deu-se a equiparação deste ao estado de guerra, suspenderam-se as garantias individuais e organizou-se uma Comissão de Combate ao Comunismo e um Tribunal de Segurança Nacional. Ganhava força a marcha pelo fechamento político, levada a efeito pelo próprio governo, que removia os últimos obstáculos para o golpe. No Rio Grande do Sul, o governador Flores da Cunha reconstituíra um bloco regional de poder, congregando as diferentes facções políticas em torno de seu governo. Flores da Cunha representava o maior empecilho, no plano dos estados, para a instalação da ditadura. Mediante manobras de Vargas, a retirada de apoio político parlamentar a Flores na legislatura estadual e a federalização da bancada gaúcha obrigaram o governador a renunciar, fugindo para o Uruguai.

A “descoberta” de um plano comunista para tomar conta do país, enfraquecido “por acaso” no próprio Estado Maior do Exército, marcou o desenrolar final dos acontecimentos. O Plano Cohen, forjado especialmente para alarmar a sociedade brasileira, deu a justificativa que faltava para o fechamento político, apesar da campanha de sucessão presidencial se achar em curso.

O Exército solicitou o estado de guerra, a opinião pública se encontrava abalada e os políticos voltaram-se para os militares, buscando neles o amparo e a salvaguarda das instituições.

A 10 de novembro de 1937 era fechado o Congresso Nacional e tinha início o Estado Novo. A ditadura se instalava numa sociedade já preparada para a decretação do golpe. A consolidação do poder burguês no país ingressava em uma nova fase e as classes dominantes transitavam de uma forma burguesa para outra, mantendo a sua hegemonia sobre a nação e o seu controle sobre os subalternos.

Estabelecia-se o consenso de que a melhor forma de realizar o progresso econômico e garantir a ordem social era através do regime autoritário. Curiosamente, o Estado Novo se apresentava como o único capaz de realizar a verdadeira democracia, através de um governo forte que moralizaria as instituições, livrando-as de seus antigos vícios.


Fonte: O Brasil Contemporâneo, de Sandra Jatahy Pesavento, páginas 41 a 48.

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