Uma
das maiores conquistas da Constituição de 1988 foi a consagração
do princípio segundo o qual o acesso a cargos, empregos e funções
públicas deve se dar por meio do concurso público. Há exceções,
claro, como nos casos dos mandatos eletivos e cargos de confiança,
nos quais se justificam, mesmo que com relação aos últimos existam
cada vez mais limitações, como no caso da proibição ao nepotismo.
A regra é acima de tudo
moralizadora, é acima de tudo moralizadora, uma vez que permite o
acesso dos que efetivamente se preparam e demonstram capacidade para
exercer as tarefas, aprovados que foram em certame público. Mais do
que isso, o concurso público preserva a impessoalidade
administrativa, afastando os interesses pessoais dos governantes, a
quem não cabe escolher quem exercerá tais funções, limitando,
assim, tanto os apadrinhamentos quanto as conhecidas perseguições.
A mesma Constituição, de forma
expressa, dispôs que as funções de notário e de registrador
também sejam preenchidas por concurso público. Acabou o legislador
com a antiga prática, na qual cartórios eram transmitidos de pais
para filhos, ou para cônjuges, mantendo-se uma mesma família por
décadas responsável pela prestação de um serviço público ao
cidadão.
No entanto, de forma surpreendente, e
em absoluto retrocesso, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar em
primeiro turno a PEC 471, emenda constitucional em efetiva como
“donos” dos cartórios os atuais interinos. A chamada “PEC dos
Cartórios” vem desde o ano de 2005 entrando e saindo da pauta do
Congresso Nacional, mas exatamente agora, quando vários concursos
estaduais estão sendo realizados, muitos já encerrados, surge a
aprovação deste verdadeiro “trem da alegria”.
Afirmam alguns que a emenda visa
preservar os donos de pequenos cartórios, uma vez que muitos
concursados são aprovados e não querem residir nas pequenas
cidades, o que levaria ao fechamento das serventias. A alegação é
falsa, e para tanto basta dizer que se um concursado não quer
assumir determinado cartório, este permanece com o interino. O
oficial de cartório deve ser um profissional do Direito que
demonstre a efetiva qualificação para realizar as tarefas que são
delegadas pelo Estado. De forma alguma se quer proibir que esses
“herdeiros” exerçam tais funções. Para eles estão também
abertos os concursos públicos, podendo concorrer de forma igual
pelas vagas com os demais brasileiros, vagas estas a serem
conquistadas por seu mérito, não por seus laços de sangue.
A emenda não só é
inconstitucional, ela é imoral. Nossos deputados federais prestarão
um grande serviço à população se não aprovarem a PEC 471 em
segundo turno. Não só irão preservar uma conquista histórica do
povo brasileiro, como demonstrar que nessa questão não reside
nenhum outro interesse que não seja o público.
Juiz federal e professor de Direito
Administrativo
Fonte: Correio do Povo, página 2 da
edição de 28 de setembro de 2015.
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