A
Arábia até há pouco tempo era vista pelo Ocidente como uma terra
inútil e inóspita, onde os acontecimentos eram quando muito,
anotações obscuras à margem da História. Lord Kimberley registrou
que aquele era um lugar “deserto e nu... onde o homem branco não
pode viver, salpicado de pequenas tribos dispersas que não podem ser
postas a trabalhar”.
O somatório desta situação fez com
que a A´rabia vivesse em forma de tribos e califados, espalhados
pelo deserto e pelas principais cidades. Durante 400 anos, esses
povos estiveram sobre o domínio do Império Otomano. E os turcos se
avaliam das profundas dissensões entre tribos árabes para se impor.
O renascimento do nacionalismo árabe só veio despertar em meados do
século 19.
Por essa época os territórios
árabes eram divididos em três grandes áreas: a Síria, a
Mesopotâmia e a Península Arábica. A Síria, por sua vez, era
dividida em três províncias pelos distritos de Beirute, Trípoli,
Acre, Latáquia, Nablus e Jerusalém, que abrangiam a costa do atual
Síria, o Líbano e a Palestina. A província de Damasco, compreendia
os distritos de Damasco, Hama, Dair-az-Zar, Hauran e Maan, abrangendo
a atual Jordânia e a atual Síria, com exceção da parte costeira,
que pertencia à província de Beirute, e Norte que pertencia a
província de Alepo.
Esta província de Alepo era formada
pelo atual parte Norte da Síria. A Mesopotâmia, que é o atual
Iraque, era dividida entre as províncias de Basra, Bagdá e Mossul.
A Península Arábica, separada da
Turquia pelo deserto, ficou alheia tanto à influência cultural
turca, como também à estrutura político-administrativa do Império
Otomano.
Era formada por diversos emirados que
viviam numa situação de semi-independência feudal. Eram estados
isolados, governados por chefes locais com características próprias,
onde despontavam o imã no Iêmen, os emires em Hadjao, Nejad e
Sharmar, e os xeques no Kuwait, Catas, Omã e outros pequenos
estados. Como se percebe, esta divisão bem clara que se estabelecia
ao tempo de domínio do Império Otomano coloca por terra os
argumentos do presidente do Iraque, Saddam Hussein, segundo os quais
o Kuwait é historicamente uma parte do território do Iraque e que
foi desmembrado por influência das potências colonizadoras. Como os
demais emirados da região, o Kuwait esteve sempre isolado e à
margem do processo de influência cultural, política e
administrativa que era imposto na Mesopotâmia, que hoje é o Iraque.
O Kuwait não tinha ligação com a província de Basra, com o qual o
presidente Saddam Hussein pretendeu identificá-lo e ligá-lo.
A transformação no mundo árabe,
que deu início ao ressurgimento do movimento nacionalista, começou
por volta de 1830. Por essa época chegaram a Beirute os jesuítas
franceses, bem como as missões presbiterianas dos Estados Unidos. A
diferença básica do sistema desenvolvido por essas duas correntes
cristãs está no fato de que os jesuítas terem feito suas pregações
em francês, ao passo que os presbiterianos procuravam usar o idioma
árabe que, nos pontos de maior dominação do Império Otomano,
estava ofuscado pelo idioma turco. Desta forma, começou uma
revalorização da cultura árabe, movimento este ainda muito
enraizado nas elites burguesas de Beirute e de Bagdá.
Este movimento crescia na medida em
que cresciam igualmente as revoltas contra o sultanato que dominava o
Império Otomano. Esbarrava, no entanto, nas rivalidades dominantes
entre as diversas tribos que compunham o mundo árabe.
Aliás,
os turcos sempre se valeram dessas profundas dissensões entre as
tribos árabes para se impor. Estas mesmas divisões despontaram
quando da formação das alianças para a busca da independência,
movimento que tomou forma no fim do século passado e início deste.
Os árabes da Síria e da Mesopotâmia vislumbravam logo uma aliança
com os jovens turcos, como eram chamados os oficiais e intelectuais
que se revoltaram contra o sultão, em 1908, e passaram a governar o
país – soba soberania formal do sultão – até o final da
Primeira Guerra Mundial. O objetivo desta aliança era ajudar a
expulsar da área as potências europeias, em troca da promessa de
independência.
A aliança diferente se estruturou na
Península Arábica, que sempre esteve mais distante do poder de
influências dos turcos-otomanos.
A iniciativa nessa região partiu do
xerife de Meca, Hussein, que objetivava a formação de um Estado
árabe unido, sem interferência de qualquer potência estrangeira.
Julgava indispensável libertar do jugo otomano as cidades sagradas d
Meca e Medina, berços do islamismo. E para livrar-se do domínio
otomano, Hussein vislumbrou uma aliança com ingleses e franceses
durante a Primeira Guerra, em troca, evidentemente, da promessa de
independência.
Hussein despachou o filho Faiçal a
Damasco e Bagdá e conseguiu convencer as lideranças árabes dessas
cidades que este era o caminho. O importante era desarticular o
domínio turco. O objetivo foi alcançado, mas em seguida os árabes
se deram conta de que acontecera apenas uma mudança no nome dos
dominadores. Deixavam de ser os turcos-otomanos e passavam a ser os
franceses e ingleses. Depois de terem conseguido o apoio de vários
xeques na guerra contra o Império Otomano, os franceses e ingleses
passaram a traçar as linhas para a divisão entre si e o mundo
árabe. Prometeram a independência após a guerra, mas a partilha já
havia sido arranjada no famoso acordo Sykes-Picot, firmando em 16 de
maio de 1916, bem como em meio à guerra que se arrastou de 1914 a
1918. Mark Sykes e François Georges Picot representavam as potências
da época, Grã-Bretanha e França, que tratavam de distribuir entre
si o espólio do Império Otomano. Em meio a estes arranjos e
compromissos, a Grã-Bretanha promulgou, em 1917, a Declaração
Balfour, através da qual se colocava contra os interesses árabes e
prometia ao Movimento Sionista Internacional o estabelecimento de um
lar judaico na Palestina. Em 1920, o tratado de San Remo completou a
divisão do Oriente Médio em protetorados britânicos e franceses.
Só que nenhum nativo da região foi consultado para saber se queria
essa “proteção”.
Dando-se conta de que haviam sido
usados por ingleses e franceses, os xeques árabes começaram a luta
pela independência em relação aos seus novos tutores. Ressalta-se
que a Arábia que se livrara do jugo do Império Otomano, era um
imenso território, formado por vários emirados, os quais, de um
modo geral, não tinham fronteiras definidas. A história dos árabes
era marcada por divisões tribais. Uma tribo ora se aliava com outra
para dominar determinada área, ora rompia com esta e fazia nova
aliança, o que representava controle sobre outra área. Assim que,
na luta para dar características de Estado, segundo a definição
weberiana, quem obteve o melhor resultado foi o xeque Abdul Aziz Ibn
Saud, que conseguiu, através de muita luta, unificar diversas tribos
e formar o que hoje é a Arábia Saudita.
Este
termo, “saudita”, constitui uma homenagem a “Saud”, pai de
Abdul Aziz, que lançara a semente do que veio a ser concretizado
pelo filho. A palavra “Ibn” significa filho e é constante no
nome dos árabes, pois eles não costumam usar sobrenome. Pois este
Abdul Aziz teve êxito na sua tarefa justamente por ter contado com a
extraordinária ajuda de um militar inglês, que abandonou a posição
colonialista de seu país se incorporou, de corpo e alma, à luta
nacionalista árabe, Thomas Edward Lawrence, um homem que era
arqueólogo, agiu como espião britânico e, por fim, transformou-se
numa lenda: Lawrence da Arábia. Foi ele quem mostrou a Abdul Aziz
que os árabes não deveria, continuar na ingênua luta entre si,
mas, sim, uniu-se para enfrentar o inimigo maior, que era o império
otomano e passou a ser depois os colonizadores britânico e francês.
Lawrence se transformou de oficial das forças britânicas em líder
branco de uma luta que buscava levar os povos da região à
autonomia, tanto em relação aos otomanos quanto aos aliados
ocidentais.
Na sua luta pela independência, a
família Saud teve que escoltar o xerife de Meca, Hussein – que é
bisavô do rei Hussein da Jordânia -, porque ele se tornara o maior
aliado dos britânicos. Faiçal, filho do xerife de Meca, quis
controlar Damasco, mas foi expulso pelos franceses. Acabou ganhando
dos ingleses, como prêmio de consolação, o governo de Bagdá, onde
se manteve sob proteção britânica até 1958, quando foi fuzilado
pelos antecessores de Saddam Hussein. Outro filho de Hussein,
Abdullah, ganhou dos ingleses uma área do deserto que englobava a
cidade de Amã e que passou a se chamar Jordânia.
Na realidade, ingleses e franceses
nunca estiveram muitos interessados na parte meridional da Arábia,
porque era dominada por dois grandes desertos. Tampouco deram muita
importância aos emirados que se estendiam ao largo do Golfo Pérsico,
desde o Kuwait, ao Norte, até Omã, na saída para o Índico.
Pela divisão que fora estabelecida
ao final da Primeira Guerra, Grã-Bretanha assumia o controle da
Palestina, da Transjordânia e da Mesopotâmia, que era formada pelo
Iraque e pelo Kuwait. A França ficava com a Síria e com o Líbano.
Ou seja, o interesse dominante estava na parte Norte da península
arábica, por situar-se próximo à Turquia, cujo império, as
potências europeias tinham interesse em ver desmoronando. As duas
áreas que integravam a Mesopotâmia mantiveram-se separadas. O
Iraque foi entregue a Faiçal, filho do xerife de Meca.
O Kuwait continuou em mãos da
família Al-Sabah, que já governava desde 1752.
Era do interesse dos ingleses manter
esta separação, até para não dar muita força e muito poder a
Faiçal. Mas é preciso salientar que, embora fizessem parte da
Mesopotâmia, Kuwait e Iraque eram territórios distintos que, ao
longo de suas histórias, sempre foram controlados por tribos
distintas. Que os ingleses tiveram interesse e agiram para manter a
divisão não há a menor dúvida, como, inclusive, se verá mais
adiante. Mas não é menos verdade o fato de que nunca o Iraque e o
Kuwait constituíram uma unidade territorial.
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