Há
décadas, os credores do nosso estado vêm sendo vítimas de um
escandaloso, habitual e talvez irreversível calote dos débitos
judiciais representados por precatórios. Não é demais lembrar que
se trata aí das dívidas mais definitivas e inquestionáveis do ente
público, porque decorrentes de sentenças transitadas em julgado,
esgotadas todas as possibilidades de discussão da existência e do
valor.
Débitos que, fosse o devedor um
particular, autorizariam imediata penhora dos seus bens. Como o poder
público tem o privilégio – entre tantos outros – de imunidade a
esse instrumento de execução, tudo que o credor pode obter do
Judiciário é uma ordem de pagamento dirigida ao Tesouro público,
cujo atendimento, teoricamente, deveria ser incluído no orçamento
do exercício imediatamente posterior.
Deveria, mas não é. Passa o ano,
passam os seguintes, passam as décadas e nada acontece. Os credores
morrem sem receber (como aquelas tricoteiras do acidente da TAM); as
empresas têm de ganhar de novo o dinheiro que é seu e lhes foi
negado, ou quebram, ou vendem a agiotas seus créditos – hoje, com
prejuízos superior a 80%.
Para os haveres de menor monta, há o
mecanismo alternativo da requisição de pequeno valor (RPV), cuja
fila de espera é menor e cuja satisfação deveria – também
teoricamente – ser imediata. Na prática, mesmo esses créditos
mais miúdos enfrentam entraves orçamentários e burocráticos que
postergam os pagamentos. Mas, enfim, para esses credores há, pelo
menos, uma perspectiva de recebimentos.
Como, em regra, os titulares desses
créditos menores são pessoas de modesta condição econômica, não
deixa de ser um consolo saber que, se não os outros, esses serão um
dia satisfeitos, o que ameniza um pouco a imoralidade intrínseca e
repugnante do calote sistemático, erigido em política de Estado: os
mais necessitados terão de vencer percalços e protelações, mas
talvez recebam.
Pois é precisamente esse o limite do
valor – hoje estabelecido no módico e razoável patamar de
quarenta salários mínimos – que agora se pretende rebaixar, não
para 30, ou 15, mas para sete. É muito triste e doloroso que um
estado com o porte e as tradições do nosso, que em tempos valorizou
a integridade e a ética do fio de bigode, possa descer a esse nível
de mesquinharia.
Jurista e advogado, ex-presidente do
TJRS
Fonte: Correio do Povo, página 2 da
edição de 16 de outubro de 2015.
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