domingo, 22 de novembro de 2015

A ampliação do calote, por Adroaldo Furtado Fabrício

Há décadas, os credores do nosso estado vêm sendo vítimas de um escandaloso, habitual e talvez irreversível calote dos débitos judiciais representados por precatórios. Não é demais lembrar que se trata aí das dívidas mais definitivas e inquestionáveis do ente público, porque decorrentes de sentenças transitadas em julgado, esgotadas todas as possibilidades de discussão da existência e do valor.
Débitos que, fosse o devedor um particular, autorizariam imediata penhora dos seus bens. Como o poder público tem o privilégio – entre tantos outros – de imunidade a esse instrumento de execução, tudo que o credor pode obter do Judiciário é uma ordem de pagamento dirigida ao Tesouro público, cujo atendimento, teoricamente, deveria ser incluído no orçamento do exercício imediatamente posterior.
Deveria, mas não é. Passa o ano, passam os seguintes, passam as décadas e nada acontece. Os credores morrem sem receber (como aquelas tricoteiras do acidente da TAM); as empresas têm de ganhar de novo o dinheiro que é seu e lhes foi negado, ou quebram, ou vendem a agiotas seus créditos – hoje, com prejuízos superior a 80%.
Para os haveres de menor monta, há o mecanismo alternativo da requisição de pequeno valor (RPV), cuja fila de espera é menor e cuja satisfação deveria – também teoricamente – ser imediata. Na prática, mesmo esses créditos mais miúdos enfrentam entraves orçamentários e burocráticos que postergam os pagamentos. Mas, enfim, para esses credores há, pelo menos, uma perspectiva de recebimentos.
Como, em regra, os titulares desses créditos menores são pessoas de modesta condição econômica, não deixa de ser um consolo saber que, se não os outros, esses serão um dia satisfeitos, o que ameniza um pouco a imoralidade intrínseca e repugnante do calote sistemático, erigido em política de Estado: os mais necessitados terão de vencer percalços e protelações, mas talvez recebam.
Pois é precisamente esse o limite do valor – hoje estabelecido no módico e razoável patamar de quarenta salários mínimos – que agora se pretende rebaixar, não para 30, ou 15, mas para sete. É muito triste e doloroso que um estado com o porte e as tradições do nosso, que em tempos valorizou a integridade e a ética do fio de bigode, possa descer a esse nível de mesquinharia.


Jurista e advogado, ex-presidente do TJRS



Fonte: Correio do Povo, página 2 da edição de 16 de outubro de 2015. 

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