Vítima foi abusada na adolescência e
voltou a ser violentada pelo companheiro e pai de sua filha
As mãos trêmulas e a fala pausada,
denunciam a fragilidade de uma mulher, que, com apenas 23 anos,
carrega as marcas na pele e na memória da dor de ter vivido uma
rotina de violência doméstica, Joana, assim chamada para ter dua
identidade preservada, é uma vítima desde os 15 anos. Filha de um
casal que tinha um relacionamento conturbado, quando tinha 12 anos e
foi parar na casa de uma tia. Aos 15 anos, quando o tio ficou
desempregado, ela começou a servir o homem como sua empregada,
cozinhando e limpando.
O abuso, porém, passou a ser mais
grave. “Eu reclamei para ele certa vez do serviço doméstico e ele
disse que então ia me dar outra função. E começou a me chamar
para dar banho nele. Do banho ele me levou pra cama e começou a me
abusar diariamente”, relata com raiva. “reclamei para a minha tia
dos serviços da casa, mas nunca tive coragem de contar dos abusos. E
assim foi até os 18 anos quando fui morar com uma amiga.” A vida
proporcionou novos amigos, e ela logo começou a namorar um homem
mais velho.
“Achei que ele me protegeria, mas,
depois de uns cinco meses de namoro, eu engravidei. Fomos morar
juntos e aí tudo piorou.” Tentando garantir o ambiente familiar
que não teve, Joana criou a filha junto com o namorado, mesmo que
ele trabalhasse até tarde. “Certa vez eu cobrei dele por que não
ficava em casa conosco, e veio o primeiro soco. Acompanhado de
palavrões e cobranças de que o meu papel era só cuidar da menina e
da nossa casa.” A rotina de agressões se repetiu por cinco anos
até que, com a ajuda de uma vizinha, a jovem se separou, em
fevereiro deste ano. 'Eu tinha medo de não ter onde morar, não
conseguir me sustentar, mas consegui muita ajuda. As mulheres que
passam por isso são muito solidárias.”
O primeiro passo foi dado na
Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Novo
Hamburgo, onde foi registrada denúncia contra o ex-companheiro.
Amparada pela Lei Maria da Penha, Joana hoje recebe apoio psicológico
e já conseguiu alugar uma peça para morar com a filha. Em Novo
Hamburgo, após fazer a denúncia, as mulheres são encaminhadas para
o Centro de Atendimento de Referência e Atendimento Viva Mulher.
“Temos um alto índice de lesões corporais, ameaças e crimes
contra a dignidade sexual. Também fazemos o encaminhamento das
medidas protetivas de urgência, o que garante o afastamento do
agressor”, afirma a titular da Deam, Cristiane Pasche.
Números impressionam
Sete
municípios da Região Metropolitana figuram no top 10 entre as
cidades do Estado que registraram o maior número de delitos
enquadrados na Lei Maria da Penha. Os dados são do Observatório da
Violência Contra a Mulher, monitoramento mensal da Secretaria de
Segurança Pública do Estado (SSP).
Canoas e Alvorada integram a lista em
todos os crimes pesquisados: ameaça, lesão corporal, estupro,
femicídio e tentativa de femicídio. São Leopoldo, Viamão e Novo
Hamburgo ficam de fora em apenas uma das litas, ameaça, tentativa de
femicídio e lesão corporal, respectivamente. Gravataí integra a
relação em ameaça, estupro e lesão corporal , e Sapucaia do Sul
em femicídio.
Nos primeiros seis meses deste ano,
foram registrados mais de 35 mil casos no RS. Entre eles, 274
estupros e 40 assassinatos. No comparativo com o mesmo período de
2014, casos de ameaça, lesão corporal e morte de mulheres se
mantiveram estáveis. Em relação a estupro, os números mostram
decréscimo. Nos primeiro semestre de 2014 foram 601 registros,
contra 274 este ano.
A diretora do Departamento de
Direitos Humanos da SSP, delegada Patrícia Sanchotene, destaca o
trabalho integrado feito com Polícia Civil e Brigada Militar, por
meio da Patrulha Maria da Penha, e Judiciário. Após a vítima fazer
registros nas delegacias, o acompanhamento ocorre com a patrulha, que
faz visitas de fiscalização na casa dos envolvidos. “Não tem
havido reincidência em casos acompanhados pela Patrulha Maria da
Penha.”
Ela lembra que a vulnerabilidade está
ligada não só à segurança, mas a aspectos sociais e econômicos.
Destaca que, com a lei Maria da Penha, houve aumento no número de
registros, permitindo que os órgãos públicos possam agir contra os
agressores.
CRIMES
ATÉ JUNHO
|
Ameaça
– 22.569
Lesão
corporal – 12.777
Estupro
– 274
Femicídio
– 40
Femícidio
tentado – 173
Fonte:
Observatório da Violência contra a Mulher (SSP)
|
DENÚNCIAS
|
Central
de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180
(24 horas)
Telefone
Lilás: 0800 541 0803 (das 8h30min às 18h)
|
Denúncia é o primeiro passo para
o combate
Embora
os números sejam assustadores, a diretora do Departamento de
Políticas para Mulheres da Secretaria da Justiça e dos Direitos
Humanos do Estado, Salma Farias Valencio, lembra que os dados são
oriundos dos registros efetuados. “Mas as denúncias ainda são
poucas.”
Ela diz que a Lei Maria da Penha deu
visibilidade à questão, mas destaca que ainda falta informação e
há descrédito por se tratar uma lei recente. A denúncia é o
começo para que políticas públicas sejam postas em ação.
O foco do departamento está na
prevenção e autonomia das mulheres, principalmente econômica. “Em
90% dos casos o agressor é também provedor da casa”, diz,
destacando que isso determina na decisão da mulher em sair de casa.
Por isso, a aposta tem sido em projetos de capacitação, em parceria
com entidades e universidades, criando mecanismos que rompam com o
ciclo de violência psicológica, patrimonial e física a que estão
expostas.
Esta
era a situação vivida pela doméstica de 34 anos que atende a Bina.
Ela teve que fugir de uma cidade no Noroeste do Estado para se livrar
da fúria do ex-marido. Há quatro anos ela vive às escondidas, na
companhia dos dois filhos, de 6 e 8 anos, em Sapucaia do Sul. “Não
gosto de ficar falando meu nome por aí. Eu apanhei muito e tenho
medo de um dia reencontrá-lo.” Com cicatrizes pelo rosto e marcas
pelo corpo, Bina conta que, no início, eram felizes. “O
comportamento dele começou a mudar com o consumo de bebida
alcoólica. Passou a ter ciúmes de tudo e de todos. Me acorrentava,
me batia e me mantinha presa.” Cansada das agressões, fez as
malas, pegou os filhos e nunca mais deu ou teve notícias da vida que
deixou para trás. “Nunca procurei ajuda porque não tive coragem e
ainda tenho muita vergonha do que me permiti.” Bina é um caso não
registrado. Ela temeu os constrangimentos e se calou. “Só quero
esquecer.”
SERVIÇOS
E DADOS
|
São
Leopoldo – Informações
da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres apontam
que, a cada dia, cinco mulheres sofrem violência no município.
No primeiro semestre deste ano, foram 337 casos registrados de
lesão corporal e 499 ameaças na cidade.
|
Canoas
– O Centro de Referência
para Mulheres Vítimas de Violência Patrícia Esber já atendeu a
2 mil casos em quatro anos de atuação. Pelo menos 47% delas têm
entre 35 e 49 anos e 51,5% têm até o ensino fundamental
completo.
|
Esteio
– O Posto de Atendimento
Especializado à Mulher, que funciona na delegacia, instaurou nos
oito primeiros meses deste ano 499 inquéritos de violência
doméstica. Dos 410 remetidos à Justiça, 295 geraram medidas
protetivas.
|
Sapucaia
do Sul – A Coordenadoria
de Políticas Públicas para mulheres do município aponta uma
média de 80 atendimentos por mês. As mulheres não precisam
fazer ocorrência policial para receber acolhimento no local.
|
Parobé
– A Coordenadoria da
Mulher registra média de 40 casos de violência por mês na
cidade. A maioria das vítimas procura o serviço aconselhadas
pela Polícia Civil, após registrar o caso. O local oferece
orientação jurídica.
|
Guaíba
– A Secretaria Municipal
de Assistência social atende às vítimas a partir de uma demanda
voluntária. Elas são orientadas a denunciar as agressões. No
primeiro semestre deste ano, a cidade teve 135 registros de lesão
corporal.
|
Viamão
– O município conta
Patrulha Maria da Penha. Delegacia da Mulher e Promotoria. A
patrulha tem quatro agentes e faz o acompanhamento dos casos. Até
junho deste ano, foram seis tentativas de femicídio na cidade.
|
Sapiranga
– A Casa Abrigo Regional
Jacobina Maurer está sendo criada com recursos federais e será
aberta no ano que vem. Outros municípios da região também
utilizarão o serviço do local, que abrigará mulheres – e seus
filhos – que precisarem sair de casa.
|
Gravataí
– A cidade conta com a
Casa Lilás, criada em 2007. Desde sua inauguração até agosto
deste ano, foram atendidas, 4.248 mulheres vítimas de violência.
Em 2014, foram 2.273 atendimentos psicológicos e 468
acolhimentos.
|
Alvorada
– A Secretaria Municipal
de Direitos Humanos e a Diretoria de Políticas Públicas para as
Mulheres encaminham os casos relacionados a gênero. No primeiro
semestre deste ano, o município já registrou 14 ocorrências de
estupro.
|
Campo
Bom – O Centro de
Referência em Assistência Social tem uma equipe formada por
psicólogo e assistente social pra receber as vítimas. O serviço
atende a uma média de 15 mulheres por mês, segundo dados do
município.
|
Fonte: Correio do Povo, página 9 de
11 de outubro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário