sábado, 3 de outubro de 2015

Entre caranguejos e tubarões, por Tiago Holzmann da Silva

A polêmica da hora é o projeto do Cais Mauá, com a fórmula de sempre: falta de transparência, raros espaços de participação, descaso com o planejamento, parcialidade de gestores públicos, atropelos da lei, banalização do debate sobre este marco da cidade.
Atuamos para evitar o jogo raso de tudo ou nada. É impossível, diante de tal complexidade, concordar ou discordar de todas as propostas. Arquitetos sabem que um projeto é resultado de escolhas e renúncias. O Norte aponta apenas para um lado e nossa casa terá espaços voltados ou para o lado frio ou com muito sol. O projeto é o enfrentamento dessas condições e a escolha das melhores soluções com o usuário. Sempre haverá aspectos a aperfeiçoar, a meta é o equilíbrio do conjunto.
Analisando os documentos e o EIA-Rima, vê-se que o consórcio vencedor tem uma proposta clara: trocar o restauro dos armazéns (orçado em R$ 43 milhões) por torres de escritórios e shopping center, alegando que sua exploração financiará as obras de patrimônio. Este modelo, dizem, é justificado pela falta de recursos públicos para sua realização. Em nosso entendimento, o que realmente falta é priorizar o Cais, pois se há recurso público para construir um ineficiente e antiquado viaduto de dois andares (R$ 79 milhões), ou financiamento captado para a Orla (R$ 60 milhões), não se trata disso, mas do interesse privado sobre área pública.
A profissão de xingamentos que permeia a discussão, respondemos com argumentos técnicos e chamamento ao diálogo e bom senso. A participação privada é necessária em empreendimentos dessa envergadura, mas o projeto de cidade não pode ser privatizado, com a conivência de administradores públicos.
Finalmente os usuários os moradores, têm acesso ao projeto, o qual nos parece insuficiente. A troca proposta é desequilibrada e o projeto mantém uma visão atrasada de cidade, do protagonismo ao automóvel, ao comércio e à derrubada massiva da vegetação.
Nem caranguejos nem tubarões, queremos a reabilitação do Cais, público e aberto, integrado com o Centro da cidade, com foco na cultura, restauro do patrimônio, paisagismo qualificado e atividades diversificadas que atendam nos vários interesses e grupos sociais. Sem shopping, sem megaestacionamentos e sem torres. A visibilidade do projeto não se define em uma planilha financeira e sim na garantia de que a paisagem mais simbólica de Porto Alegre seja de todos os seus cidadãos.


Arquite e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/RS)



Fonte: Correio do Povo, página 2 da edição de 3 de outubro de 2015. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário