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domingo, 6 de setembro de 2015

O menino morto na praia, por Rogério Mendelski

A foto do menino turco que morreu afogado no Mediterrâneo não tem qualquer componente ideológico como a canção “Meu Guri”, do Chico Buarque. O Compositor glamourizou o pivetismo (como no filme “pivete”), numa perigosa associação onde bandido é mocinho e Polícia é bandido. Sabemos todos que a vitimização da bandidagem é um argumento socioesquerdista que tem levado o Brasil à atual situação que estamos vivendo – o lado decente do país encurralado pelos delinquentes e estes protegidos pela mídia amiga, pela sociologia marxista e pelos defensores dos direitos humanos.
Já o garotinho estendido na praia é aquela vítima inocente, mas dolorosamente real, cujas imagens espedaçaram os corações humanos de nosso conturbado planeta colocando-nos dentro daquelas balsas que cruzam o mar Mediterrâneo e vivendo o drama do pai do menino que viu seu filho escapar de suas mãos na tentativa de socorrê-lo.
A foto jés está inserida no painel das grandes tragédias da humanidade onde a violência se transforma na identidade monstruosa que Hanna Arendt definiu como a banalização do mal. Aylan Kurdi, de 3 anos, de braços, ali na praia turca, é também aquele menino judeu de braços erguidos, rendendo-se a m soldado SS, sob a mira de uma metralhadora, no Gueto de Varsóvia, mas pode ser comparado ainda à menina queimada por napalm, chorando e correndo com seus irmãos numa estrada do Vietnã.
A brutalidade humana, seja do fascismo, seja do comunismo, seja fundamentalismo religioso ou seja do confronto racial e tribal sempre se revela mais abjeta quando as vítimas são as crianças.
Não há poesia em ver crianças subnutridas na África, e aquela que foi fotografada com um abutre lhe espreitando, no Sudão, é outra imagem que confirma a banalização do mal de alguns seres humanos com poder de vida e morte de milhões de outras pessoas.
Aquele garotinho sírio – não consigo afastá-lo de meus pensamentos – é a nossa tragédia de todos os dias. Ela está lá no Oriente Médio, mas que garante que estamos imunes à globalização do mal?


O mal banalizado (1)

Hannah Arendt chegou a ser incompreendida quando mostrou o mal banalizado ao acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém, depois de o nazista ser capturado por um comando israelense na Argentina. Eichmann estava encarregado da “solução final” nos campos de concentração na II Guerra Mundial.


O mal banalizado (2)

Ao analisar o “indivíduo Eichmann”, Hannah constatou que ele não possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, nas mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zê-lo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal wur pudessem causar.

O mal banalizado (3)

Para Hannah, o mal que ela constatou em Eichmann não era filosófico, não era uma categoria ontológica nem metafísica. Era político e histórico. Produzido por homens que se manifestam apenas onde se encontram espaço institucional para isso – em razão de uma escolha política. A trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala.


O mal atualizado


Os milhões de refugiados em busca de uma vida decente fora das zonas de conflito são as vítimas do mal banalizado. Como entender o policial que impede uma criança de passar por uma barreira? Como entender um casal com um bebê na linha de trem sendo separado à força? Os policiais “estão cumprindo ordens superiores, na mais perfeita lógica burocrática”.

E aqui?

O mal se banalizou o Brasil através da roubalheira oficial, em nome de interesses de partidos e controle de poder. E o resultado disso é a morte de pessoas nos corredores dos hospitais, nas balas perdidas e na fome que ronda quem recebe salário em conta-gotas.

Fonte: Correio do Povo, página 4 da edição de 6 de setembro de 2015.



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