A
foto do menino turco que morreu afogado no Mediterrâneo não tem
qualquer componente ideológico como a canção “Meu Guri”, do
Chico Buarque. O Compositor glamourizou o pivetismo (como no filme
“pivete”), numa perigosa associação onde bandido é mocinho e
Polícia é bandido. Sabemos todos que a vitimização da bandidagem
é um argumento socioesquerdista que tem levado o Brasil à atual
situação que estamos vivendo – o lado decente do país
encurralado pelos delinquentes e estes protegidos pela mídia amiga,
pela sociologia marxista e pelos defensores dos direitos humanos.
Já o garotinho estendido na praia é
aquela vítima inocente, mas dolorosamente real, cujas imagens
espedaçaram os corações humanos de nosso conturbado planeta
colocando-nos dentro daquelas balsas que cruzam o mar Mediterrâneo e
vivendo o drama do pai do menino que viu seu filho escapar de suas
mãos na tentativa de socorrê-lo.
A foto jés está inserida no painel
das grandes tragédias da humanidade onde a violência se transforma
na identidade monstruosa que Hanna Arendt definiu como a banalização
do mal. Aylan Kurdi, de 3 anos, de braços, ali na praia turca, é
também aquele menino judeu de braços erguidos, rendendo-se a m
soldado SS, sob a mira de uma metralhadora, no Gueto de Varsóvia,
mas pode ser comparado ainda à menina queimada por napalm, chorando
e correndo com seus irmãos numa estrada do Vietnã.
A brutalidade humana, seja do
fascismo, seja do comunismo, seja fundamentalismo religioso ou seja
do confronto racial e tribal sempre se revela mais abjeta quando as
vítimas são as crianças.
Não há poesia em ver crianças
subnutridas na África, e aquela que foi fotografada com um abutre
lhe espreitando, no Sudão, é outra imagem que confirma a
banalização do mal de alguns seres humanos com poder de vida e
morte de milhões de outras pessoas.
Aquele garotinho sírio – não
consigo afastá-lo de meus pensamentos – é a nossa tragédia de
todos os dias. Ela está lá no Oriente Médio, mas que garante que
estamos imunes à globalização do mal?
O mal banalizado (1)
Hannah
Arendt chegou a ser incompreendida quando mostrou o mal banalizado ao
acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém, depois de o
nazista ser capturado por um comando israelense na Argentina.
Eichmann estava encarregado da “solução final” nos campos de
concentração na II Guerra Mundial.
O mal banalizado (2)
Ao
analisar o “indivíduo Eichmann”, Hannah constatou que ele não
possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava
características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu
segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores
e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, nas
mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las,
com o maior zê-lo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal
wur pudessem causar.
O mal banalizado (3)
Para
Hannah, o mal que ela constatou em Eichmann não era filosófico, não
era uma categoria ontológica nem metafísica. Era político e
histórico. Produzido por homens que se manifestam apenas onde se
encontram espaço institucional para isso – em razão de uma
escolha política. A trivialização da violência corresponde, para
Arendt, ao vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala.
O mal atualizado
Os
milhões de refugiados em busca de uma vida decente fora das zonas de
conflito são as vítimas do mal banalizado. Como entender o policial
que impede uma criança de passar por uma barreira? Como entender um
casal com um bebê na linha de trem sendo separado à força? Os
policiais “estão cumprindo ordens superiores, na mais perfeita
lógica burocrática”.
E aqui?
O
mal se banalizou o Brasil através da roubalheira oficial, em nome de
interesses de partidos e controle de poder. E o resultado disso é a
morte de pessoas nos corredores dos hospitais, nas balas perdidas e
na fome que ronda quem recebe salário em conta-gotas.
Fonte: Correio do Povo, página 4 da
edição de 6 de setembro de 2015.
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