domingo, 5 de julho de 2015

Tribunal gaúcho reage à pressão do governo

Congelamento de gastos previstos na LDO afeta despesas com pessoal

Flávia Bemfica

O Judiciário gaúcho não pretende ceder à pressão do Executivo por redução na despesa com pessoal e nem aceitar atrasos ou alterações nos valores dos duodécimos, os repasses que devem ser feitos aos poderes mensalmente conforme a dotação orçamentária prevista em lei. Por isso, articula um movimento para tentar mudar o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2016, que vai à votação na Comissão de Finanças da Assembleia nesta semana. A proposta do Executivo é de congelamento nas despesas com pessoal e encargos sociais em todos os poderes no próximo ano. O reajuste previsto, de 3%, cobre apenas o crescimento vegetativo da folha.
Para tentar do tema, na última sexta-feira, representantes do tribunal de Contas do Estado, do Ministério Público e da Defensoria Pública foram recebidos para a reunião a portas fechadas com o presidente do Tribunal de Justiça (TJ), José Aquino Flôres de Camargo, no Palácio da Justiça. Novo encontro ocorrerá antes da votação na Comissão de Finanças.
No comando do tribunal desde o início de 2014,Aquino é conhecido entre os seus pares pela fraqueza com que expõe suas argumentações e por não se furtar aos debates, mesmo os mais incômodos. Nessa linha, o tribunal tomou a frente das articulações para tentar negociar mudanças da LDO. Mesmo diante do tensionamento do debate, Aquino afirma que vai insistir na negociação.

ENTREVISTA JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO

'Somos um jato e eles um teco-teco'

Correio do Povo: O Executivo argumenta que não tem dinheiro para cobrir todas as despesas e, por isso, o congelamento da LDO é inegociável. Por que o Judiciário discorda?
José Aquino Flôres de Camargo: Se fecharem o Tribunal de Justiça, se mandarem todos para casa, não vai adiantar. Nosso orçamento é inferior a R$ 3 bilhões/ano. Desejo que a correção seja de 8,13%, e o governador quer congelar. Isso não vai resolver. O Executivo sacou R$ 8,3 bilhões dos depósitos judiciais em seis anos. E não resolveu. Então, se retirar R$ 40 milhões ou R$ 60 milhões do Judiciário, não vai restabelecer as finanças. Mas, para o Judiciário, faz diferença. Estamos pedindo a variação do IPCA. Lá pelas tantas me ligaram para dizer que podem dar uma migalha. Então, prefiro ficar com o congelamento. Fiquei muito incomodado porque percebi que a ideia é fazer uma imposição, e isso não podemos aceitar. Se o Executivo atar o poder Judiciário e o Legislativo, quem vai conter os excessos do Executivo?
CP: O Executivo tem problemas de administração?
Aquino: Em termos de administração, somos um jato e eles um teco-teco. Como conquistamos isso? Investimos em modernização, em potencialização de receitas, em programas de gestão, porque o Judiciário é uma sucessão de gestões Não coloquei nenhuma pessoa aqui quando assumi. Troquei um assessor. Temos um controle estatístico de qualidade, um Banco de Boas Práticas e um plano de segurança que vai ser adotado pelo Conselho Nacional de Justiça. Temos escassez de recursos, como os outros. Só priorizamos nossas necessidades. Nosso índice de participação sobre o orçamento da administração direta é o menor dos últimos 10 anos. Nos últimos anos, o crescimento das nossas despesas foi muito inferior ao crescimento da Receita Corrente Líquida do RS. Hoje o Judiciário responde ele mesmo por 20% de seu financiamento. E vamos cortar mais? Até deixar de funcionar?
CP: O Judiciário é apontado como um poder que detém privilégios: altos salários, auxílio moradia para magistrados...
Aquino: Alguns acreditam que o problema todo é que existe auxílio moradia e auxílio alimentação. O Tribunal de Justiça do RS nunca quis, isso foi imposto. Estamos recebendo, mas é uma questão nacional. Não há como não cumprir. O problema, hoje, é que o Judiciário está bem e o cenário geral vai mal. Só que isso não é responsabilidade do Judiciário. Outros gostam de citar nossos novos prédios, para dizer que o Estado gastou altas somas com o Judiciário. O Estado não gastou com nossas reformas. Elas foram custeadas com o Fundo de Aparelhamento do Judiciário. Ou seja, parte do lucro dos bancos. Para este ano, temos orçados R$ 343 milhões. E uma arrecadação estimada de R$ 480 milhões. A diferença vai para o Caixa Único. Aliás, o montante do Judiciário no Caixa Único está na ordem dos R$ 700 milhões. Os dividendos sobre estes valores também ficam com o Tesouro.
CP: Existe a possibilidade de o Judiciário negociar atrasos ou valores dos duodécimos?
Aquino: Vamos fazer valer a Constituição. As pessoas podem ter a opção política que desejarem, contanto que respeitem a Constituição. O que existe de mais sórdido em todo esse processo é a tentativa de colocar ações na conta do Judiciário e repetir isso diariamente para a população. Por exemplo: o governo é obrigado a pagar os salários em dia e tem que pagar o duodécimo. Ele precisa fazer isso porque está na Constituição. Não é porque quer ou porque não quer. Mas, então, anuncia: “Preciso fazer este pagamento, porque o Judiciário determinou, então não vou poder fazer aquele outro.” Isso é uma inversão total. Além disso, o governo pode ter dificuldades, mas impossibilidade material, não. O Executivo está fazendo um enfrentamento. O que estamos tratando aqui é de democracia e de estado democrático de direito.



Fonte: Correio do Povo, página 4 de 28 de junho de 2015.

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