sábado, 11 de julho de 2015

Pertencimento e a participação política, por Luciano Piccoli

A definição básica da cidadania nos dicionários de filosofia é o pertencimento a uma comunidade política. E por política entendemos o conjunto de atividades necessárias no governo, à direção e administração do Estado. Na antiguidade a cidadania estava ligada essencialmente à ideia de deveres, enquanto na modernidade, à de direitos. Hoje ela conjuga os direitos e os deveres necessários à participação a governabilidade.
Quando tomei o Correio do Povo do dia 2 de julho pensei que algo estava errado. A edição anterior noticiava que a redução da maioridade penal não fora aprovada, e que o presidente da Câmara definiria em reunião a nova votação. Na edição corrente entendi que não havia erro na informação, apenas uma aceleração do processo de votação que surpreendeu a todos. O meu espanto foi partilhado por muitos, todos relatavam a mesma surpresa, pois ninguém estava ciente dessa nova votação. E reside aí o grande problema: como falar em participação cidadã se desconhecíamos o que ocorreria?
A identidade nacional está bastante fragilizada. O que nos diz brasileiros é antes o eventual fato de termos nascido neste solo do que uma identidade simbólica, uma afiliação efetiva e positiva com o país. Por vezes a ligação entre os cidadãos dos diversos estados está na dependência da política de Brasília, ou por acompanharmos as ligas nacionais dos nossos esportes favoritos. Para além das consequências da aprovação ou não da redução da maioridade penal, o nefasto legado é a degradação ainda maior do sentimento de pertencimento e cidadania do brasileiro. Como nos sentirmos integrantes de uma comunidade política, responsáveis por ela e pela administração, se nossos representantes não nos permitem saber o andamento e cronograma das discussões e votações de interesse a toda população? Para temas vitais da nossa política é preciso uma agenda transparente e previamente definida, a fim de que todos possam se apropriar com profundidade e clareza dos assuntos decididos.
Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão postula um conceito de cidadania que implica o exercício efetivo dos direitos civis como oportunidade para que os cidadãos tomem parte ativa nos processos deliberativos sobre os direitos políticos e sociais. O exercício da cidadania é o modo mais concreto de representar só discursos da democracia, mas não nos sentirmos pertencentes a um país comum, atores ativos e responsáveis conquistas de direitos civis dentro dele, se acordarmos pela manhã e somos surpreendidos com espanto sobre a votação de lemas primários à condução e administração do Estado.

Produtor cultural e psicólogo


Fonte: Correio do Povo, edição 7 de julho de 2015, página 2.

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