Um dos
maiores países mestiços do mundo, o Brasil foi gerado em ventre de
escravo. Raras foram as sociedades coloniais nas quais terá havido
tamanho intercurso sexual entre senhores e escravas como o que
aconteceu na lascívia dos trópicos brasileiros. A partir do
instante em que o número de “fêmeas” vindas da África
aumentou, e o trabalho forçado adquiriu feições também
domésticas, muitas escravas foram transferidas da senzala para o
seio da casa grande. Eram amas de leite e mucamas, “escolhidas,
dentre as mais limpas, as mais bonitas, as mais fortes”, como
observou Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala,
clássico da historiografia brasileira quase internamente dedicado ao
assunto. No Brasil, como em Portugal, mãe que se prezasse jamais
amamentava o bebê. Por isso, inúmeros foram os filhos de senhores
criados pelas mães pretas. O próprio Freyre, no mesmo livro,
atribui à amamentação em seio negro a paixão sexual desenvolvida
pelos herdeiros da casa grande por “mulheres de cor”. Não parece
ser apenas esse aspecto psicológico o que explicaria o assédio às
fêmeas da senzala. Afinal, como comente Freyre, “não existe
escravidão sem depravação sexual. Em primeiro lugar, o próprio
interesse econômico a favorece, criando nos proprietários
imoderado desejo de possuir o maior número possível de crias (…)
Joaquim Nabuco colheu num manifesto escravocrata de fazendeiro as
seguintes palavras, tão ricas de significação: “a parte mais
produtiva da propriedade escrava ainda é o ventre gerador”.
Não era
apenas o desejo, consciente ou não, de fazer a escrava reproduzir um
novo servo o que empurrava muitos senhores ao relacionamento com as
mulheres da senzala. A perversão pura e simples foi um competente
constante nessa relação. O que mais poderia explicar o fato de ter
surgido no Brasil a crença de que “para o sifilítico não há
melhor depurativo do que uma negrinha virgem”, defendida, ainda em
1869, pelo Dr. João de Azevedo Macedo Jr.? Ou a confissão de que um
“sacerdote de missa” fez ao visitador inquisitorial, na Bahia, em
1591, revelando que, certa noite, levara para sua casa “uma negra,
que seria da idade de seis ou sete anos”, e “a penetrou pelo vaso
traseiro”? O que mais explicaria o fato de algumas senhoras,
ciumentas com a relação, real ou suposta, de seus maridos com
certas mucamas, terem mandado arrancar os olhos de tais moças “e
trazê-los a presença do marido, à hora da sobremesa, boiando
dentro de uma capoteira”? Ou o fato de que qualquer escravo que por
ventura caísse no erro de se deixar seduzir por sua senhora
estivesse condenado a ser “castrado com uma faca mal afiada , ter a
ferida salgada e, por aí, se enterrado vivo”?
Desnecessário
prolongar a lista. O panorama de desregramento sexual no Brasil
colônia era tal que, na aurora do século 18, o bispo do Pará
escreveu: “A miséria dos costumes neste país me faz lembrar o fim
das cincos cidades por me parecer que novo nos subúrbios de Gomorra,
mui próximo, e na vizinhança de Sodoma”. O pecado chegara ao sul
do Equador.
O
Brasil Negro
Capoeira,
samba, feijoada, candomblé, vatapá. Que pais seria o Brasil sem o
legado da cultura africana? Certamente não o mesmo que hoje é – e
dificilmente mais colorido, dinâmico, múltiplo e ruidoso. Falar na
“influência cultural” que os negros tiveram no Brasil é quase
um deboche: o que parece ter havido, em certas áreas do país, é
quase tão somente uma adaptação dos padrões de comportamento dos
escravos às novas condições de vida a que foram submetidos. Depois
que eles se estabeleceram e se expandiram, os demais povos é que
absorveram e adotaram inúmeras tradições africanas. O Brasil não
comeria o que come se não fosse a riquíssima herança deixada pelos
4,5 milhões de escravos trazidos da África sob as mais árduas
condições e, por mais de três séculos, jogados nas praias,
florestas, morros e cidades do Novo Mundo. Embora o Nordeste tenha
sido a área que recebeu maior influência dos povos africanos, não
há um só lugar do Brasil – nem mesmo os predominantemente
europeus Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul – que não
tenha sido transformado pelo legado negro.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 78.
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