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domingo, 5 de julho de 2015

A Vila Rica dos Poetas

Em 1780, um século após a descoberta das minas, Vila Rica já havia muito deixara de ser um acampamento mineiro embarrado e sem atrativos. Situada no sopé do grandioso penedo do Itacolomi, a cidade se constituía de uma teia de ruas pavimentadas percorrendo ladeiras íngremes, ladeadas por graciosas construções de dois pisos, muitas das quais possuíam terraços ajardinados e floridos. No topo das colinas, ou em frente a praças amplas a arejadas, havia inúmeras igrejas barrocas, com altares reluzindo em ouro e paredes repletas de ornamentações suntuosas. Não era uma cidade: era uma obra de arte urbana. Vila Rica, disse um poeta, era “pérola preciosa do Brasil¨. Mas a riqueza da cidade – seja ouro preto, seus diamantes reluzentes, suas minas opulentas – era também fonte de suas desgraças. Submetida a uma sangria feroz, que se manifestava na forma impostos de entrada e impostos de saída (qualquer produtos levado às minas era duramente taxado; cada grama de ouro que saía pagava em tributo oneroso), Vila Rica via sua formatura se esvair.
Levado para além-mar, o ouro de Minas permitiria a D. João V reinar numa luxuosa ostentação a ponto de se tornar conhecido como o Roi-Soleil português. O mais grave é que o “fulvo metal”, nem sequer servia para enriquecer a metrópole: era apenas o ouro “que Portugal distribuía tão liberalmente para a Europa”, como observou o viajante inglês Henry Fielding. Nada mais natural, portanto, que a jovem sociedade mineira – tão diferenciada da elite rural de indignação e revolta. E essa revolta não demoraria muito para eclodir.
Pelo menos algumas vantagens Vila Rica conseguiu auferir de sua opulência. Além de constituir uma sociedade essencialmente urbana, possuía uma estrutura bem mais complexa do que aquela que se reduzia a senhores e escravos. Havia uma “classe média”: comerciantes, mercadores, artistas e, é claro, poetas. Outra possibilidade aberta pelo ouro foi a chance concedida a alguns filhos da elite local de realizarem seus estudos na Europa. Muitos herdeiros de mineradores bem-sucedidos foram enviados para a Universidade de Coimbra, em Portugal. E lá, vários deles tomaram contatos com ideias liberais e republicanas, acompanhando o furor provocado pela Revolução Francesa e pela independência dos Estados Unidos. Um desses estudantes, José da Maia e Barbalho, chegou a entrar em contato com Thomas Jefferson, embaixador dos EUA na França, sondando-o sobre um possível apoio norte-americano à independência do Brasil. Enquanto isso, em Vila Rica, mudanças políticas tornaram insustentável o que já era ruim. Em outubro de 1783, o governador Rodrigo José de Meneses, homem de grande cultura, amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa e liberal com os contrabandistas, foi substituído por Luís da Cunha Meneses, um sujeito em tudo diferente dele. Para atacar a elite descontente, Cunha fez uma aliança populista com as classes inferiores de Vila Rica. Mas era um corrupto que saqueava os cofres públicos e desfilava ostensivamente pelas ruas de Vila Rica com suas muitas concubinas. Foi satirizado pelas Contas Chilenas, livro provavelmente escrito por Tomás Antônio Gonzaga, no qual era chamado de “Fanfarrão Minésio”.


Fonte: História do Brasil (1996), página 84.  

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