A
historiografia brasileira, até cerca de 25 anos atrás, preferiu
adotar a tese segundo a qual os escravos “se adaptaram bem” ao
regime tirânico que lhes foi imposto no Brasil e que, nesse país, a
escravidão teria sido relativamente branda. O mito do “bom senhor”
quase adquiriu força de lei depois do lançamento, em 1933, de Casa
Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. No início dos anos 60,
surgiram textos revisionistas da chamada “escola paulista” -
liderada por Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique
Cardoso. Embora avesso à tese de Freyre, esses estudiosos – de
formação esquerdista – preferiam estudar a questão pelo lado da
“coisificação” do escravo, quase ignorando as rebeliões da
senzala. Cardoso chegou a escrever que os escravos foram “testemunhos
mudos de uma história para a qual não existem a não ser com (…)
instrumento passivo”.
Estudos
mais recentes e mais profundos, porém, revelam que a resistência
dos escravos foi feroz e constante: milhares de negros lutaram de
todas as formas contra os horrores que o destino lhes reservava. A
fuga, solitária ou coletiva, não era a única forma de rebelião:
houve incontáveis casos de escravos que quebraram ferramentas,
incendiaram senzalas, dispersaram os rebanhos ou atacaram seus
feitores. Muitos outros optaram pelo suicídio (em geral provocado
pela ingestão de terra), ou então se deixavam acometer pelo banzo,
o torpor mortal que levava à morte pela inanição. Onde houve
escravidão, houve resistência.
Evidentemente,
a forma mais comum de protesto contra a escravidão era a fuga.
Apesar do rigor das punições (que incluíam a marcação com ferro
em brasa, o açoitamento e até o corte do tendão de Aquiles),
milhares de negros tentaram escapar da senzala – e muitos
conseguiram. Embora grande parte fosse recapturada pelos capitães do
mato, terríveis caçadores de homens quase infalíveis (negros na
maioria), sempre houve aqueles que “estimando mais a liberdade
entre as feras do que a sujeição entre os homens”, lograram-se
meter na mata e lá fundar seus mocambos e quilombos (respectivamente
“esconderijo” e “povoação”, em banto).
Quantos
foram os quilombos e quantos negros neles viveram é algo impossível
de calcular. Em 1930, o Guia Postal do Brasil registrava,
segundo um pesquisador, 168 agências cujo nome derivava de quilombo
ou mocambo. Eles se espalhavam da Amazônia ao Rio Grande do Sul, e
alguns chegaram a ter cerca de 10 mil habitantes, como o quilombo do
Ambrósio, em Minas. Não eram só negros de todas as tribos e
línguas que viviam nos quilombos: também índios e brancos
desajustados ou fora da lei podiam ser encontrados neles. Embora as
autoridades e os senhores de escravos constantemente se unissem para
articular expedições repressivas, enviadas a todo e qualquer
quilombo, onde quer que eles se encontrassem, muitos desses núcleos
resistiram por anos a fio. O maior e mais importante deles –
Palmares, o berço de Zumbi – foi capaz de sobreviver por quase um
século.
A
Escravidão Indígena
Do
descobrimento ao início efetivo da colonização, por volta de 1532,
não houve escravidão indígena no Brasil: os portugueses conseguiam
o que queriam – mantimentos e pau-brasil – através do escambo.
Com a chegada da lavoura açucareira, a escravização começou e não
poupou nem mesmo antigos aliados lusos. A partir da metade do século
16, porém, escravos africanos começaram a substituir os indígenas.
Supostamente a troca se deu por causa da absoluta inadaptabilidade
dos nativos ao trabalho agrícola. Mas a verdade é que, enquanto a
captura dos índios só trazia lucros para os colonos, a escravidão
negra logo se tornaria um negócio complexo e altamente rentável,
gerando fortunas e trocas entre três continentes. Além disso, não
apenas a coroa como também os jesuítas eram radicalmente contra a
escravização dos índios – e grandes incentivadores do tráfico
negreiro. Dezenas de leis foram feitas para proteger os nstivos do
Brasil - os colonos, de todo o modo, logo trataram de transformá-las
em letra morta. Protegidos ou não aos índios resultou um destino
ainda mais cruel do que aquele reservado aos africanos: a maior parte
das tribos foi extinta. De qualquer forma, índios e negros raramente
se aproximaram, nunca se uniram e jamais procuraram ver o português
como inimigo comum. Odiavam-se mutuamente.
Fonte:
História do Brasil (1196), página 79.
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