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domingo, 5 de julho de 2015

A Inconfidência Mineira

Encarcerado, havia três anos, o prisioneiro caminhava com dificuldade e mal conseguia abrir os olhos. A alva ( o tosco roupão vestido pelos condenados) roçava os tornozelos. O baraço ( a grossa corda de forca) rodeava-lhe o pescoço e se estirava até as mãos do carrasco que o conduzia. Nas janelas, nas portas, nos beirais, pelas árvores, o povo acompanhava cada gesto do padecente. À frente ia a cavalaria, com suas fanfarras. Depois, o clero, os franciscanos e a Irmandade da Misericórdia, rezando salmos. A seguir, acorrentados e monologando com o crucifixo que trazia à altura dos olhos, ia o condenado. Às vezes, a procissão parava. O escrivão, então, lia o mandado: “Justiça que a rainha manda fazer a este infame, réu Joaquim José da Silva Xavier, pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe e cabeça na capitania de Minas Gerais...” Às 11 da manhã, sob um sol abrasador, o séquito chegou ao Campo de São Domingos, no Rio de Janeiro, local do patíbulo.
Três horas antes, partira do presídio. Lá, quando o carrasco, o negro Capitania, se aproximou, com o baraço e a alva, o condenado adiantou-se e beijou-lhe as mãos e os pés. A seguir, quando lhe ordenaram que se despisse para vestir a alva, ele tirou a camisa e disse: “Meu Salvador morreu também assim, nu, por meus pecado.” Agora, a vítima subia os degraus do patíbulo. Era sábado, dia 21 de abril de 1792.
O édito da rainha conclamara o povo do Rio a assistir à execução, e a praça estava repleta. À sombra da forca, o prisioneiro pediu ao carrasco que “acabasse logo com aquilo”. Mas faltavam os sermões. O frade Raimundo de Penaforte citou o Edesiastes: “Nem por pensamento detraias do teu rei, porque as mesmas aves levarão a tua voz e manifestarão teus juízos”. Em seguida, quando o povo e o padecente rezavam o credo, de súbito, em meio a uma frase, houve um baque surdo e o corpo da vítima balançava no ar. Para apressar a morte, o carrasco pulou sobre os ombros do enforcado. Ambos dançaram um bailado tétrico. Morria o Tiradentes.
Mas a condenação ainda não estava completa: a sentença determinava que o corpo fosse “espostejado”, e o esquartejamento começou em seguida. Dividido em quatro pedaços, bem salgados e postos dentro ele grandes sacos de couro, o corpo de Tiradentes partiu para a última viagem. O quarto superior esquerdo foi pendurado num poste na Paraíba do Sul. O quarto superior direito foi amarrado numa encruzilhada na saída de Barbacena. O quarto inferior direito ficou na frente da estalagem de Varginha, o último foi espetado perto de Vila Rica, cidade a qual a cabeça de Tiradentes chegou em 20 de maio de 1792. Ficou enfiada num poste, defronte da sede do governo. Tiradentes saía da vida para entrar na história.

A Rainha Louca

A terrível sentença contra o alferes Joaquim José da Silva Xavier incluía ainda a difamação de seus descendentes até a terceira geração, a destruição de sua casa, em Vila Rica, o salgamento do chão e o erguimento de um marco no local, para preservar a memória infame do abominável réu – foi proferida às duas da manhã de 19 de abril de 1792. Conhecido como Tiradentes – devido à profissão que eventualmente exercia - , o alferes foi considerado líder da conjuração (ou Inconfidência) Mineira e o único dos implicados condenado à morte. A sentença foi pronunciada em nome da rainha de Portugal, D. Maria I. Mas ela, com certeza, nada soube do caso: D. Maria era casada com seu tio, o rei consorte D. Pedro III. Em 1786, o rei morreu, vítima de embolia cerebral. Dois anos depois, a varíola levou-lhe o filho mais velho, José. Outro ano, estourou a Revolução Francesa. Esse parece ter sido o golpe fatal para D. Maria: ela passou a ter certeza que seria decapitada e, depois de morta, iria para o inferno.
Alguns historiadores acham que foi o bispo José Maria de Melo, seu confessor, quem lhe despertou a paranoia e a carolice ensandecida. Em 1792, D. João tornou-se regente e em 1799 os médicos consideraram a rainha incurável. D. Maria vivia trancada no palácio, gritando e quebrando o que visse pela frente. Morreu em 1816, no Brasil, para onde viera em 1808.


Fonte: História do Brasil (1996), página 81.

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