Deposto em 1945,
Getúlio Vargas retirou-se para um exílio estratégico em São Borja
e Itaqui, nas fazendas Santo Reis e Itu. Esta última era uma velha
propriedade da família, terras adquiridas desde por volta de 1875.
Mas, quando o ex-presidente ali completou o seu desterro, era uma
nova estância. Tinha pouca coisa lá. Maneco, filho de Getúlio, que
era agrônomo, concebeu uma casa de estilo indefinido e eclético,
cuja forma arrancava comentários divertidos de Vargas: “O agrônomo
Maneco é um arquiteto revolucionário”.
Maneco plantou árvores
no pátio da fazenda e tentou dar à solidão da campanha um ar de
boa morada. Mas o ambiente era mesmo espartano e bom somente para as
reflexões sem fim. A célebre visita do jornalista Samuel Wainer a
Getúlio, no carnaval de 1949, que rendeu a reportagem anunciando a
decisão de Vargas de voltar aos combates no poder, aconteceu em
Santos Reis, não no Itu. Poucos antes desse primeiro encontro com
Wainer, Getúlio andava mais ensimesmado do que nunca. Na linguagem
de hoje, deprimido. Um de seus fiéis assessores, que não era gaúcho
r cultivava a estranha mania de gostar de vegetais, mas tinha largado
tudo para seguir o “patrão” na volta ao seu umbigo da infância,
chegou a cometer a heresia de sugerir que era carne vermelha em
excesso. Getúlio sorriu. Pensou em diminuir as cavalgadas que tanto
lhe soltavam as rédeas da memória e dos desgostos.
Numa dessas, um
repórter de passagem perguntou-lhe: “O senhor não podia ter feito
tudo o que fez numa democracia?”. O sorriso de Getúlio demorou-se
mais do que de costume no seu rosto iluminado pela ironia: “O
senhor acha?”. O jornalista era meio abusado, orgulhoso da sua
juventude, já considerado um arguto observador dos fatos políticos.
Ao perceber a tristeza do ex-ditador, atreveu-se, antes de ir embora,
a dar-lhe uma sugestão: “Presidente, acho que está lhe faltando
alguma coisa ...”. Talvez Getúlio tenha pensado por um segundo,
que o danado ia falar-lhe de alguma mulher. O sujeito espiou a
vastidão dos campos e saiu-se com esta: “Falta-lhe o poder”. E
completou: “Volte que vai lhe fazer bem”. Antes de entrar no
monomotor, completou: “Ao povo brasileiro também”. Meses depois,
Getúlio elegeu Samuel Wainer seu profeta e anunciou a intenção de
matar as saudades do Catete. Voltaria “como líder das massas”.
Jornalista
Fonte: Correio do Povo,
página 4 de 11 de agosto de 2004.
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