segunda-feira, 15 de junho de 2015

Saudades do Catete, por Juremir Machado da Silva

Deposto em 1945, Getúlio Vargas retirou-se para um exílio estratégico em São Borja e Itaqui, nas fazendas Santo Reis e Itu. Esta última era uma velha propriedade da família, terras adquiridas desde por volta de 1875. Mas, quando o ex-presidente ali completou o seu desterro, era uma nova estância. Tinha pouca coisa lá. Maneco, filho de Getúlio, que era agrônomo, concebeu uma casa de estilo indefinido e eclético, cuja forma arrancava comentários divertidos de Vargas: “O agrônomo Maneco é um arquiteto revolucionário”.
Maneco plantou árvores no pátio da fazenda e tentou dar à solidão da campanha um ar de boa morada. Mas o ambiente era mesmo espartano e bom somente para as reflexões sem fim. A célebre visita do jornalista Samuel Wainer a Getúlio, no carnaval de 1949, que rendeu a reportagem anunciando a decisão de Vargas de voltar aos combates no poder, aconteceu em Santos Reis, não no Itu. Poucos antes desse primeiro encontro com Wainer, Getúlio andava mais ensimesmado do que nunca. Na linguagem de hoje, deprimido. Um de seus fiéis assessores, que não era gaúcho r cultivava a estranha mania de gostar de vegetais, mas tinha largado tudo para seguir o “patrão” na volta ao seu umbigo da infância, chegou a cometer a heresia de sugerir que era carne vermelha em excesso. Getúlio sorriu. Pensou em diminuir as cavalgadas que tanto lhe soltavam as rédeas da memória e dos desgostos.
Numa dessas, um repórter de passagem perguntou-lhe: “O senhor não podia ter feito tudo o que fez numa democracia?”. O sorriso de Getúlio demorou-se mais do que de costume no seu rosto iluminado pela ironia: “O senhor acha?”. O jornalista era meio abusado, orgulhoso da sua juventude, já considerado um arguto observador dos fatos políticos. Ao perceber a tristeza do ex-ditador, atreveu-se, antes de ir embora, a dar-lhe uma sugestão: “Presidente, acho que está lhe faltando alguma coisa ...”. Talvez Getúlio tenha pensado por um segundo, que o danado ia falar-lhe de alguma mulher. O sujeito espiou a vastidão dos campos e saiu-se com esta: “Falta-lhe o poder”. E completou: “Volte que vai lhe fazer bem”. Antes de entrar no monomotor, completou: “Ao povo brasileiro também”. Meses depois, Getúlio elegeu Samuel Wainer seu profeta e anunciou a intenção de matar as saudades do Catete. Voltaria “como líder das massas”.


Jornalista


Fonte: Correio do Povo, página 4 de 11 de agosto de 2004.

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