Buda, que viveu provavelmente durante o século VI a.C. No Nepal,
começou a vida como um aristocrata. Após renunciar ao seu palácio,
harém e luxo, ele atingiu, por meio da meditação, uma iluminação
na qual descobriu o grande princípio da roda da lei ou da roda do
Buda. Isso pode ser definido como uma teoria da “origem dependente”
da vida: que tudo está condicionado por outro fator em uma sequência
fechada, de tal forma que a infelicidade da vida depende de certas
condições e que, pela eliminação dessas condições, é possível
eliminar a infelicidade em si. Então o desejo – que, em última
análise, leva à infelicidade – origina-se da dependência das
sensações, que, por sua vez, origina-se da dependência do contato
e dos seis sentidos, e assim por diante. O objetivo budista,
portanto, era cortar a corrente de condições que atava a pessoa a
essa consequência de paixões, desejos e apegos. Dessa premissa de
que a infelicidade é condicionada e que as condições podem ser
destruídas, os primeiros budistas fizeram derivar muitas teorias.
Uma ideia central de grande interesse nos dias de hoje é a dos
darmas. É, na verdade, uma teoria de elementos ou átomos de acordo
com a qual uma entidade não existe em si, mas é formada por todas
as suas partes. Os velhos monges budistas acreditavam que o homem é
um mero composto dessas diversas partes ou darmas; ele não tem
personalidade, alma ou ego. Existem vários tipos de darmas. Alguns
estão ligados à forma e à essência, outros à sensação, e
outros, à atividade mental. Vistos em conjunto, constituem uma bela
explicação da experiência e formam uma base para a navegação da
existência do ego. Isso era exatamente o que os budistas procuravam,
como uma forma de escapar da infelicidade da vida.
Já que todos os elementos da experiência podiam ser analisados
como dissociados, desconectados e atomizados, tanto no espaço como
no tempo, sustentava-se que a devida percepção dessa verdade
poderia levar à eliminação da ilusão do ego e a uma libertação
da roda da lei. Esse tipo de fuga ou iluminação, como se preferir,
tem sido perseguido por místicos do mundo inteiro e era buscado
avidamente na China medieval.
O budismo, em seus primórdios, era institucionalizado em uma ordem
monástica que pode ser comparada e contrastada com o monasticismo
cristão de um momento posterior. Foram esses primeiros monges que
finalmente registraram por escrito os sutras (sermões e ensinamentos
tradicionais de Buda).
No momento de sua expansão do Norte da Índia em direção ao
Extremo Oriente, a escola budista Mahayana ( o “grande veículo”)
introduzira grandes mudanças as antigas doutrinas, tornando-as mais
atraentes para a população e geral. Um desses desdobramentos era a
ideia de salvação, que se tornou possível pelas intercessão dos
bodhisattvas (ou “iluminados”), que tinham obtido a
iluminação do Buda mas continuaram sua existência neste mundo para
salvar os outros. A mais famosa dentre essas divindades era a deusa
chinesa da misericórdia ou Guanyin, uma abstração do princípio da
compaixão. Outra era o Buda da Luz Infinita, Amitabha (em chinês,
Emitrofo ou O-mi-to-fo). A salvação de outras pessoas por meio dos
esforços desses iluminados era possível devido à teoria de que o
mérito era transferível. Junto a essa noção corria o conceito de
caridade, que completava a fé budista original e fez dela na China e
no Japão uma força social mais efetiva.
A escola Mahayana também desenvolveu uma doutrina positiva do
nirvana, o estado que do objeto do empenho budista, mas o próprio
Buda considerava tão indescritível que nada comentara sobre ele.
Os ensinamentos budistas foram estipulados pelo grande cânone
budista ou tripitaka. A tradução dos sutras desse cânone tornou-se
o principal trabalho dos primeiros monges de budistas da China. Ele e
seus grandes criadores enfrentaram enormes problemas linguísticos e
intelectuais – como fazer uma tradução do sânscrito, que era
polissilábico, cheio de inflexões e alfabético como o inglês e
como as demais línguas indo-europeias, para a escrita monossilábica,
sem inflexões e ideográfica da China: e como transmitir com aquele
meio lacônico e concreto as abstrações tão imaginativas e
metafísicas do misticismo indiano.
Na tentativa de transferir ou “traduzir” suas ideias novas e
estranhas em termos significativos para o público chinês, os
primeiros missionários budistas deparam-se com o problema que
desafiou todos os propagadores posteriores de novas ideias na China:
como selecionar determinados termos chineses, caracteres escritos
carregados de sentidos, preestabelecidos, e investi-los de novos
sentidos sem deixar que, com isso, as ideias estrangeiras fossem
minimamente alteradas, na verdade achinesadas. Por exemplo, o
caractere chinês dão (“o caminho”), já bastante
utilizado no daoísmo e no confucionismo, podia ser empregado tanto
para o darma indiano como para a ioga ou para a ideia de iluminação,
enquanto WUWEI, a “inação” do daoísmo, era empregado
para nirvana. O resultado era no mínimo ambíguo, senão uma certa
diluição da ideia original.
Ideias abstratas do estrangeiro, quando expressar em caracteres
chineses, dificilmente conseguiam escapar de algum grau de
achinesamento. Além disso, havia resistência a valores exóticos e
indutores de corrupção social. Como observa Arthur Wright (1959),
“A posição relativamente alta que o budismo dava à mulheres e
mães foi modificada nessas primeiras traduções. Por exemplo,
“Marido sustenta a esposa” virou “O marido controla sua
esposa”, e “A esposa conforta o marido” ficou “A esposa
reverencia seu marido”.
Os invasores não-chineses do Norte da China, do século IV em
diante, aceitaram o budismo em parte porque, como eles, também ele
era um elemento externo da velha ordem que estavam dominando. Os
sacerdotes budistas podiam ser aliados na promoção da docilidade
entre as massas. Para a alta sociedade chinesa que fugira para o sul,
o budismo também oferecia explicação e consolo intelectualmente
sofisticados e esteticamente satisfatórios para o colapso de sua
velha sociedade. Tanto os imperadores como o povo buscavam a salvação
religiosa em uma época de colapso social. Grandes obras de artes,
estátuas e templos esculpidos em rocha são provenientes desse
período. Comparações e contrastes frutíferos podem ser
estabelecidos entre as funções do clero e do monasticismo, entre o
crescimento das seitas e o relacionamento igreja Estado, durante essa
era da fé budista na China e sua contrapartida cristã mais recente
na Europa medieval. Os monastérios budistas, por exemplo, serviam de
hospedarias para viajantes, locais de refúgio e fontes de caridade.
Além disso, tornaram-se grandes latifundiários e assumiram cargos
semioficiais na administração.
O período inicial de empréstimos e domesticação foi seguido por
outro de aceitação e crescimento independente. O budismo nativo
chinês foi influenciado pelo daoísmo e influenciou-o, por sua vez,
em um grau até hoje controverso. Novas seitas surgiram na China,
atendendo às necessidades chinesas. A mais conhecida hoje, por sua
influência na arte oriental, era a escola que buscava a iluminação
por meio de práticas de meditação (chamada em chinês de Chan, ou,
na pronúncia japonesa, Zen). Talvez o que foi dito seja suficiente
para indicar a interação tão complexa entre elementos como o
budismo indiano, os invasores bárbaros, o daoísmo nativo e o
crescimento, o florescimento e a decadência do budismo chinês.
Fonte: China – Uma Nova História, páginas 83 a 85.
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