Como se
todo o fausto e os favores que o ouro trouxera a Corte não fossem o
bastante, em 1727 chegava a Portugal a notícia de que, nas fraldas
do Serro Frio, num lugarejo conhecido por Arraial do Tijuco (hoje
Diamantina), surgira uma grande lavra com os mais reluzentes
diamantes. D. João V exultou. Pelo reino todo se celebraram “festas
esplêndidas, e te-déuns e procissões inumeráveis que
extasiaram o povo português, por quadrarem à sua religiosidade.
Para Roma remeteu o governo as primeiras amostras. Ações de graças
solenes se deram ao Todo Poderoso na capital do mundo católico. O
santo papa, os cardeais e todos os monarcas da Europa felicitaram D.
João V. Não se ocuparam os povos da terra com outro objeto e
notícia. Dir-se-ia que se descobrira coisa que devia regenerar e
felicitar o universo”.
No
Tijuco, porém, a alegria iria durar pouco. A política que Portugal
instaurou no distrito diamantino seria das mais repressivas e
opressoras da colonização europeia na América.
A
notícia oficial da descoberta dos diamantes foi feita uns dez anos
após os primeiros achados. O lusitano Bernardo da Fonseca Lobo, que
achou uma “faisqueira” em 1723, é tido como o primeiro
descobridor, mas desde 1714 havia notícias do surgimento de
diamantes e topázios. Assim que a riqueza do veio ficou evidente,
Lisboa anulou todas as cartas de datas concedidas na região e
declarou a extração de diamantes o mais absoluto monopólio da
Coroa, constituindo o Distrito Diamantino, com sede no Tijuco.
Por
quase cem anos, a Coroa manteve a zona diamantina na mais absoluta
clausura, proibindo a presença de “negros e pardos livres, de
desocupados ou pedintes”. Vendas e tabernas foram fechadas,
comerciantes expulsos. Um estado policial se instalou na região. A
situação permaneceu igual mesmo depois de 1740, quando a Coroa
decidiu “vender” o direito de exploração a um contratante. O
sistema perdurou por 30 anos e revelou-se mais eficiente:
extraíram-se, então 1.666.569 quilates das minas.
O Brasil
jogou tantos diamantes no mercado europeu que o preço do quilate
caiu 75%. Dos seis contratantes que detiveram o poder de explorar os
diamantes, quatro caíram em desgraça depois que o Marquês do
Pombal assumiu o comando da corte de Lisboa. Ao longo de sete décadas
(de 1740 a 1810), o Brasil produziu cerca de três milhões de
quilates. Mais de dez mil escravos trabalharam nas minas – muitos
deles, bem como vários “vadios” capturados na região, foram
torturados até a morte sob a acusação (às vezes irreal) de roubo
de diamantes.
Apesar
de clausura medieval imposta às minas, em 1809, o viajante inglês
John Mawe – geólogo diletamente mas compete – obteve permissão
para visitar o Arraial do Tijuca. Fez um relato detalhista e fluente.
Junto com o clássico Memórias do Distrito Diamantino,
escrito em 1868 por Joaquim Felício dos Santos, a Viagem ao
Interior do Brasil, de Mawe, permanece como a fonte fundamental
para o estudo do reluzente e trágico período dos diamantes.
Xica
dos Diamantes
De todos
os incríveis personagens forjados pela opulência diamantina, talvez
nenhum tenha sido mais extraordinário do que a ex-escrava Xica da
Silva, também conhecida como Xica que manda. Amante do desembargador
João Fernandes de Oliveira, sexto contratador dos diamantes –
homem “rico com um nababo, poderoso como um príncipe e soberano do
Tijuco” -, Francisca da Silva era filha de um português com uma
africana e fora escrava de José Silva Oliveira (pai do inconfidente
José Oliveira Rolim). Assim que foi libertada e se tornou amante do
desembargador, Xica da Silva virou a pessoa mais influente do Tijuco.
O marido mandava na cidade, e ela mandava no marido.
Xica da
Silva ia à missa coberta de diamantes, acompanhada por 12 mulatas
esplendidamente trajadas. “O lugar mais distinto do templo era-lhe
reservado”, diz Joaquim Felício dos Santos, segundo o qual Xica
era “alta, corpulenta, de feições grosseiras e cabeça raspada;
não possuía graças, não possuía beleza, não possuía espírito”.
O historiador nasceu 12 anos depois da morte de Xica (ocorrida em
1796). Felício descreve também o “magnífico edifício em forma
de castelo, com teatro particular, delicioso jardim de plantas
exóticas, cascatas artificiais e um vasto tanque, com um navio em
miniatura para 8 ou 10 pessoas” que João Fernandes – logo
derrubado por Pombal – fez construir para a amada.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 72.
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