sábado, 6 de junho de 2015

O Ciclo da Mineração

Embora não tenha havido um Jack London para eternizá-la em meia dúzia de obras-primas da literatura, nem uma indústria como a de Hollywood para transformá-la num mito universal, o fato é que o Brasil não apenas teve a sua corrida do ouro como ela foi, no mínimo, tão dramática, vertiginosa e rentável quanto aquela que, em 1848, determinou a ocupação da Califórnia e a que, meio século depois, exportou para as lonjuras geladas do Alasca todos os horrores da civilização. Como em suas equivalentes norte-americanas, a febre do ouro que tomou conta do Brasil, no crepúsculo do século 17, revolucionou o país de todas as formas concebíveis: provocou um imenso desordenado êxodo populacional que esvaziou as cidades; causou enlouquecido aumento no preço dos escravos, dos rebanhos e dos víveres; forçou reformas políticas de vulto; levou milhares de índios à extinção e abriu novos caminhos de penetração, incorporando regiões até então ermas e inexploradas. Fez mais: estabeleceu a derrocada do ciclo do aç[ucar, deixando plantações entregues às ervas daninhas. Embora sua ressonância internacional seja, hoje, virtualmente nula, em seu auge a corrida do ouro brasileira revolucionou o mundo. Quase todo o metal arrancado das entranhas das Minas Gerais cruzou Lisboa apenas de passagem: as artimanhas do Tratado de Methuen, assinado em 1703, fizeram com que o minério brasileiro fosse parar na Inglaterra – e lá financiasse a Revolução Industrial da mesma forma como, um século antes, o ouro e a prata saqueados aos astecas e incas ajudaram a incrementar a revolução mercantilista.
É impossível quantificar os números da corrida do ouro de Minas Gerais: o contrabando foi, desde o início, uma regra mais constante e eficiente do que as normas para impedi-lo. Ainda assim, sabe-se com a certeza que as descobertas de 1693/94 de imediato tornaram o Brasil o maior produtor mundial de ouro da época. As estatísticas são muito mais variáveis, mas calcula-se que cerca de 840 toneladas do metal foram extraídas – sem auxílio mecânico – entre 1700 e 1799 (foram 270 toneladas entre 1752 e 1787; para fins comparativos: na década de 80, Serra Pelada produziu 350 toneladas).
A massa humana que dirigiu às minas entre 1700 e 1720 foi superior a 150 mil pessoas, das quais mais de cem mil eram escravos. Ao longo do século 18, cerca de 430 mil paulistas, cariocas, baianos, portugueses, índios e negros da Guiné ou de Angola percorreram as trilhas escabrosas que separavam o litoral do Sudeste do Brasil das serras da fortuna e da danação. “Todos os vícios tiveram morada na região das minas. Todas as paixões desencadearam-se ali; ali se cometeram todos os crimes”, escreveu o viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, para quem os que lá estavam eram “a escória do Brasil e de Portugal”. Nas minas, matava-se por tudo e por nada. Nas minas travou-se a terrível Guerra dos Emboabas. Nas minas, mais tarde, quando o ouro ainda reinava, se descobririam diamantes – e o ciclo reiniciou, tão alucinado e voraz quanto antes. Nas minas, nasceu um gênio cuja arte eternizou - em altares, estátuas e capitéis – o esplendor de uma época de excessos e esperança. A obra do Aleijadinho e tudo o que restou dos áureos dias do Brasil.


Fonte: História do Brasil (1996), página 65.

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