Embora
não tenha havido um Jack London para eternizá-la em meia dúzia de
obras-primas da literatura, nem uma indústria como a de Hollywood
para transformá-la num mito universal, o fato é que o Brasil não
apenas teve a sua corrida do ouro como ela foi, no mínimo, tão
dramática, vertiginosa e rentável quanto aquela que, em 1848,
determinou a ocupação da Califórnia e a que, meio século depois,
exportou para as lonjuras geladas do Alasca todos os horrores da
civilização. Como em suas equivalentes norte-americanas, a febre do
ouro que tomou conta do Brasil, no crepúsculo do século 17,
revolucionou o país de todas as formas concebíveis: provocou um
imenso desordenado êxodo populacional que esvaziou as cidades;
causou enlouquecido aumento no preço dos escravos, dos rebanhos e
dos víveres; forçou reformas políticas de vulto; levou milhares de
índios à extinção e abriu novos caminhos de penetração,
incorporando regiões até então ermas e inexploradas. Fez mais:
estabeleceu a derrocada do ciclo do aç[ucar, deixando plantações
entregues às ervas daninhas. Embora sua ressonância internacional
seja, hoje, virtualmente nula, em seu auge a corrida do ouro
brasileira revolucionou o mundo. Quase todo o metal arrancado das
entranhas das Minas Gerais cruzou Lisboa apenas de passagem: as
artimanhas do Tratado de Methuen, assinado em 1703, fizeram com que o
minério brasileiro fosse parar na Inglaterra – e lá financiasse a
Revolução Industrial da mesma forma como, um século antes, o ouro
e a prata saqueados aos astecas e incas ajudaram a incrementar a
revolução mercantilista.
É
impossível quantificar os números da corrida do ouro de Minas
Gerais: o contrabando foi, desde o início, uma regra mais constante
e eficiente do que as normas para impedi-lo. Ainda assim, sabe-se com
a certeza que as descobertas de 1693/94 de imediato tornaram o Brasil
o maior produtor mundial de ouro da época. As estatísticas são
muito mais variáveis, mas calcula-se que cerca de 840 toneladas do
metal foram extraídas – sem auxílio mecânico – entre 1700 e
1799 (foram 270 toneladas entre 1752 e 1787; para fins comparativos:
na década de 80, Serra Pelada produziu 350 toneladas).
A massa
humana que dirigiu às minas entre 1700 e 1720 foi superior a 150 mil
pessoas, das quais mais de cem mil eram escravos. Ao longo do século
18, cerca de 430 mil paulistas, cariocas, baianos, portugueses,
índios e negros da Guiné ou de Angola percorreram as trilhas
escabrosas que separavam o litoral do Sudeste do Brasil das serras da
fortuna e da danação. “Todos os vícios tiveram morada na região
das minas. Todas as paixões desencadearam-se ali; ali se cometeram
todos os crimes”, escreveu o viajante francês Auguste de
Saint-Hilaire, para quem os que lá estavam eram “a escória do
Brasil e de Portugal”. Nas minas, matava-se por tudo e por nada.
Nas minas travou-se a terrível Guerra dos Emboabas. Nas minas, mais
tarde, quando o ouro ainda reinava, se descobririam diamantes – e o
ciclo reiniciou, tão alucinado e voraz quanto antes. Nas minas,
nasceu um gênio cuja arte eternizou - em altares, estátuas e
capitéis – o esplendor de uma época de excessos e esperança. A
obra do Aleijadinho e tudo o que restou dos áureos dias do Brasil.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 65.
Nenhum comentário:
Postar um comentário