“A língua sempre
foi companheira do império”
Antônio de Nebrija
à rainha Isabel de Espanha, 17/07/1492
O ano de
1492 ficou memorável na história da Espanha. Os reis católicos
Fernando e Isabel não só conquistaram a Alhambra, o último reduto
dos mouros em Granada, como Cristóvão Colombo, a serviço deles,
alcançou o Novo Mundo. Por igual foi a ocasião em que a rainha
Isabel “senhora natural de Espanha e das ilhas do nosso mar”,
recebeu uma histórica carta vinda de Salamanca, com a data de 17 de
agosto de 1492.
Remetera-a
um famoso gramático castelhano, o humanista Antônio Cola Xarana,
conhecido como Antônio de Nebrija, um andaluz dotadíssimo para o
estudo das letras. Cansado de ver o belo idioma de Castela destratado
e mal escrito, cada súdito inventando uma maneira própria de
escrever , decidira-se pôr um fim naquela anarquia ortográfica.
Para tanto, passara alguns bons anos da sua vida de acadêmico da
prestigiosa Universidade de Salamanca, a Sorbonne dos espanhóis
(fundada em 1218), a redigir um compêndio gramatical que fizesse
cessar os danos ao idioma. A intenção era fixar normas e dar ao
castelhano consistência para facilitar o aprendizado do latim.
Chegara
a hora da edição, num só tomo, dos seus cinco livros e 55
capítulos. Era isso que ele comunicava à rainha, a quem ele
consagrava a sua Gramática de la Lengua Castellana. Algo tão
grandioso como as velhas catedrais da Espanha.
Naquela
época, as línguas neolatinas conhecidas na Ibéria eram
genericamente derivadas do que entendiam ser o romance: uma evolução
do latim vulgar. Historiando para a soberana a crônica dos idiomas,
Nebrija observou que é no apogeu do poder imperial que eles se
firmam. É no esplendor de um trono que a fala se fortifica.
Nunca o
hebraico fora tão vigoroso como com Moisés, o mesmo dando-se com o
grego depois da Guerra de Troia e com o latim nos tempos de César e
Augusto, ocasião em que Cícero, Lucrécio, Virgílio, Horácio,
Ovídio e Tito Lívio. Exercitaram-no em prosa e verso.
Todavia
a chegada das palavras escritas à Ibéria, lembrou ele à soberana,
não deveu-se nem a gregos muito menos aos cartaginenses, mas sim às
legões romanas. O duro linguajar dos acampamentos, alterando-se aos
poucos, ganhou direito de ir assentar-se nas vilas e nos lares da
Espanha. Nem as invasões dos godos (a partir de 410), nem a longa
ocupação dos mouros (711-1492) conseguiram remover dos iberos o
idioma que haviam adotado como seu.
O
momento que ele escolhera para lançar sua obra não poderia ser
melhor. Exatamente quando a Espanha dava um passo final para sua
unidade política, o humanista oferecia à Coroa um poderoso
instrumento de integração cultural: uma gramática.
Nebrija
expôs que a missão que ele escolhera não só oferecer aos
espanhóis instruídos uma leitura para suas horas de ócio, mas sim
um tratado de gramática “que se estendesse por toda a duração
dos tempos que ainda estão por vir”. A ambição dele era fazer
com que o castelhano perdurasse pelos tempos afora do mesmo modo que
o grego e o latim. Idiomas que, por mais que os séculos corressem,
mantinham um padrão quase inalterado.
Palavras
proféticas. Desde então, refinado pelo cultivo dos poetas e dos
literatos do México, da Colômbia, do Chile, da Argentina, e de
tantas outras partes da América Hispânica, definido como belo,
forte e varonil, o idioma de Cervantes cresceu para todos os lados. A
língua que Nebrija celebrou no presente é falada por 350 milhões
de pessoas em vários cantos do mundo. É a mais dinâmica e
irreverente das que descendem do antigo Lácio.
*Historiador
Fonte: Zero Hora, 15 de
agosto de 2004.
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