domingo, 28 de junho de 2015

Eco e os imbecis, por Juremir Machado da Silva

Umberto Eco é um monstro da erudição. Publicou alguns best-sellers mais cultos do mundo, entre os quais “O Nome da Rosa”, com passagens em latim. Quando eu fazia o curso de Umberto Eco no Colégio da França, em Paris, fiz uma entrevista com ele. Quis saber a razão de tanta dificuldade nos seus livros. Ele respondeu na bucha que, para sentir prazer, o leitor precisa carregar pedras. Gostei. E pulei as partes que não compreendi. Anos depois, fui à casa de Umberto Eco em Milão. Levei comigo meu amigo professor da USP Clóvis de Barros Filho. Ofereci, como intermediário, 150 mil dólares para Eco vir ao Brasil. Ele recusou. Explicou que os jornalistas brasileiros são muito chatos e não o deixariam em paz. Algo assim. Sem vaselina.
O homem é fogo. Recentemente ele soltou uma verdade paradoxal: as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis. Irrefutável. Eco lamentou que agora idiotas têm o mesmo direito à expressão que prêmio Nobel. O problema é que tem Prêmio Nobel idiota. Outro dia, o britânico Tim Hunt, ganhador do Nobel de Medicina de 2001, saiu-se com esta idiotice sobre mulheres em laboratórios de pesquisa: “Você se apaixona por elas, elas se apaixonam por você e, quando as crítica, elas choram”. Alguém politicamente incorreto poderá insistir que é verdade. O que se deveria fazer nesses dois casos? Acabar com as redes sociais? Tirar as mulheres dos laboratórios? Só permitir acesso à Internet de ganhadores do Nobel? Proibir mulheres de serem cientistas? Será que homens não se apaixonam por homens enquanto pesquisam? Um especialista europeu queria que fosse criada uma comissão de sábios para avaliar a cada vez o que poderia ser publicado na Internet. É ou não um idiota? Não é preciso responder.
Hunt pediu demissão do seu cargo de professor numa importante universidade depois da sua defecada. As paixões continuarão maravilhosamente a atrapalhar e a estimular descobertas científicas. Restam os imbecis da Internet. Como lidar com eles? Ninguém sabe. Eco não pretende acabar com as redes sociais nem instituir um tribunal para julgar conteúdos publicáveis. Fez apenas um desabafo. Deve estar tomando bordoadas de imbecis. Há uma lei na Internet: quanto mais idiota, mais persistente. O imbecil jamais desiste. Não tem consciência da sua imbecilidade. SE não tem o seu comentário imbecil liberado, pergunta condidamente se está sendo censurado. Não claro que não, está sendo objeto de uma política antimala. Eco, por seu lado, está carregando algumas pedras para aprender a não ser imbecil.
Brincadeira. O cara é gente boa e manda muito bem escrevendo. Dando aula, faz mais barulho do que uma manifestação da CUT, o que, já não é muito difícil. A verdade é que Eco tocou num problema sem solução. A Internet do futuro será totalmente dominada pelos imbecis. Será o que já é: parte da realidade universal. Eu, como imbecil, saúdo a nossa vitória. Enfim, nós, os imbecis, estamos dominando o mundo. Ou sempre dominamos? Ou os gênios só ficaram sabendo disso agora? Para Eco, a imbecilidade saltou da mesa de bar para as redes. A vida tornou-se um interminável comercial reacionário de cerveja.

Fonte: Correio do Povo, página 2 de 21 de junho de 2015.


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