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sábado, 6 de junho de 2015

Cobiça e contrabando

Como aconteceria um século mais tarde na Califórnia e, em seguida, no Alasca e na África do Sul, a região das Minas Gerais, logo após a descoberta do ouro “constituía uma república onde o atrevimento imperava e o direito vivia inerme”. A lei e a ordem levaram seis anos para estabelecer no reino da cobiça. Nesse período – de 1694 a 1700 - , as fronteiras da civilização no Brasil eram percorridas “or homens de toda a costa e de todas as partes, gente de cabedais e aventureiros sem vintém, em número enorme: os primeiros, arrogantes e prepotentes, acompanhados por espingardeiros, violentos, vingativos, jogadores e devassos; os demais, em geral, vadios e ladrões inveterados, traidores e assassinos”. Quando o poder constituído enfim se estabeleceu nas “minas de Taubaté”, a figura escolhida para representá-lo não poderia ser pior. Artur de Sá e Meneses, ex-capitão-general do Maranhão, fora empossado como governador do Rio em abril de 1697. Em outubro do mesmo ano, foi a São Paulo (inflamada por uma guerra civil entre dois clãs rivais). Lá, além de perdoar Manuel Borba Gato do assassinato de Rodrigo Castelo Branco, nomeou o guarda-mor dos sertões mineiros (a nomeação só se tornou oficial três anos depois) e instigou os demais habitantes da cidade a “dar todo o calor à laboração das minas”. Entusiasmado pelo ouro que teria recebido de Borba Gato, Artur de Sá decidiu partir para Minas em agosto de 1700 e lá ficou até junho do ano seguinte. Em setembro de 1701, resolveu passar mais de 10 meses na região. Quando retornou ao Rio, em 12de julho de 1702, trazia consigo 40 arrobas de ouro (cerca de 580 kg) “oferecidas” pelos mineradores. Ao embarcar para Portugal, em 1705, “arqui satisfeito com o resultado das jornadas a que se abalançara”, o ex-capitão de infantaria tinha se tornado “um dos sujeitos mais opulentos da monarquia”. As duas jornadas às minas, porém, haviam lhe debilitado de tal modo a saúde que, quatro anos mais tarde, Artur de Sá – chorado publicamente como uma “indeslembrável figura” - morria em Lisboa, sem deixar herdeiros.
A herança de Artur de Sá e Meneses fora a primeira legislação mineira aplicada aos fabulosos achados auríferos das Minas Gerais. Antes da descoberta, a disposição legal sobre a tributação do ouro se resumia às Ordenações Manuelinas, de 1532, estipulando que um quinto do minério extraído pertenceria à Coroa. Com a riqueza aflorando da terra e a dívida externa de Portugal sendo duas vezes superior a sua renda, as Minas seriam vitimadas por uma das mais absurdas e rigorosas taxas de tributação criadas até então. Aos mineradores não eram cobrados apenas os quintos, mas também “direitos de entradas” (sobre todos os produtos vindos de fora, em alguns casos até 75% do valor da mesma mercadoria no porto do Rio), “direitos de passagens” (espécie de pedágio cobrado nos rios), dízimos para a Igreja e o “subsídio voluntário” (criado pelo Marquês do Pombal para ajudar na reconstrução de Lisboa depois do terremoto de 1755). Dos dízimos pagos pelos mineiros ao receberem suas datas provinham os ordenados dos superintendentes, guarda mores, guarda menores, oficiais e policiais que patrulhavam furiosamente a região das Minas. Todas as estradas, rios e passagens possuíam casas de registro e o ouro só podia circular em barras ou com uma guia. Ainda assim, calcula-se que pelo menos 35% do metal (cerca de 300 toneladas) extraído da terra foi contrabandeado. A legislação mudou inúmeras vezes (em 1701, 1713, 1715, 1718, 1719, 1725, 1730 e 1750). Em 1713, os mineradores ofereceram, em troca da suspensão do quinto, uma “finta” de 30 arrobas anuais à Coroa (baixada para 25 arrobas em 1718 e aumentada para 37 arrobas anuais em 1719). Mas em 1735, quando o governador Gomes de Freire quis estabelecer um imposto de 17 gramas por escravo, os mineradores ofereceram uma finta de cem arrobas anuais para a Coroa. Mais do que o esgotamento dos veios, foi a tributação abusiva que provocou a decadência das minas, não sem antes ter feito eclodir, em Vila Rica, a Inconfidência Mineira.


Fonte: História do Brasil (1996), página 69.

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