Como
aconteceria um século mais tarde na Califórnia e, em seguida, no
Alasca e na África do Sul, a região das Minas Gerais, logo após a
descoberta do ouro “constituía uma república onde o atrevimento
imperava e o direito vivia inerme”. A lei e a ordem levaram seis
anos para estabelecer no reino da cobiça. Nesse período – de 1694
a 1700 - , as fronteiras da civilização no Brasil eram percorridas
“or homens de toda a costa e de todas as partes, gente de cabedais
e aventureiros sem vintém, em número enorme: os primeiros,
arrogantes e prepotentes, acompanhados por espingardeiros, violentos,
vingativos, jogadores e devassos; os demais, em geral, vadios e
ladrões inveterados, traidores e assassinos”. Quando o poder
constituído enfim se estabeleceu nas “minas de Taubaté”, a
figura escolhida para representá-lo não poderia ser pior. Artur de
Sá e Meneses, ex-capitão-general do Maranhão, fora empossado como
governador do Rio em abril de 1697. Em outubro do mesmo ano, foi a
São Paulo (inflamada por uma guerra civil entre dois clãs rivais).
Lá, além de perdoar Manuel Borba Gato do assassinato de Rodrigo
Castelo Branco, nomeou o guarda-mor dos sertões mineiros (a nomeação
só se tornou oficial três anos depois) e instigou os demais
habitantes da cidade a “dar todo o calor à laboração das minas”.
Entusiasmado pelo ouro que teria recebido de Borba Gato, Artur de Sá
decidiu partir para Minas em agosto de 1700 e lá ficou até junho do
ano seguinte. Em setembro de 1701, resolveu passar mais de 10 meses
na região. Quando retornou ao Rio, em 12de julho de 1702, trazia
consigo 40 arrobas de ouro (cerca de 580 kg) “oferecidas” pelos
mineradores. Ao embarcar para Portugal, em 1705, “arqui satisfeito
com o resultado das jornadas a que se abalançara”, o ex-capitão
de infantaria tinha se tornado “um dos sujeitos mais opulentos da
monarquia”. As duas jornadas às minas, porém, haviam lhe
debilitado de tal modo a saúde que, quatro anos mais tarde, Artur de
Sá – chorado publicamente como uma “indeslembrável figura” -
morria em Lisboa, sem deixar herdeiros.
A
herança de Artur de Sá e Meneses fora a primeira legislação
mineira aplicada aos fabulosos achados auríferos das Minas Gerais.
Antes da descoberta, a disposição legal sobre a tributação do
ouro se resumia às Ordenações Manuelinas, de 1532, estipulando que
um quinto do minério extraído pertenceria à Coroa. Com a riqueza
aflorando da terra e a dívida externa de Portugal sendo duas vezes
superior a sua renda, as Minas seriam vitimadas por uma das mais
absurdas e rigorosas taxas de tributação criadas até então. Aos
mineradores não eram cobrados apenas os quintos, mas também
“direitos de entradas” (sobre todos os produtos vindos de fora,
em alguns casos até 75% do valor da mesma mercadoria no porto do
Rio), “direitos de passagens” (espécie de pedágio cobrado nos
rios), dízimos para a Igreja e o “subsídio voluntário” (criado
pelo Marquês do Pombal para ajudar na reconstrução de Lisboa
depois do terremoto de 1755). Dos dízimos pagos pelos mineiros ao
receberem suas datas provinham os ordenados dos superintendentes,
guarda mores, guarda menores, oficiais e policiais que patrulhavam
furiosamente a região das Minas. Todas as estradas, rios e passagens
possuíam casas de registro e o ouro só podia circular em barras ou
com uma guia. Ainda assim, calcula-se que pelo menos 35% do metal
(cerca de 300 toneladas) extraído da terra foi contrabandeado. A
legislação mudou inúmeras vezes (em 1701, 1713, 1715, 1718, 1719,
1725, 1730 e 1750). Em 1713, os mineradores ofereceram, em troca da
suspensão do quinto, uma “finta” de 30 arrobas anuais à Coroa
(baixada para 25 arrobas em 1718 e aumentada para 37 arrobas anuais
em 1719). Mas em 1735, quando o governador Gomes de Freire quis
estabelecer um imposto de 17 gramas por escravo, os mineradores
ofereceram uma finta de cem arrobas anuais para a Coroa. Mais do que
o esgotamento dos veios, foi a tributação abusiva que provocou a
decadência das minas, não sem antes ter feito eclodir, em Vila
Rica, a Inconfidência Mineira.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 69.
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