Apesar da fome que assolou as minas em 1697/98 ter sido terrível,
uma crise de desabastecimento ainda mais devastadora se abateria
sobre a região em 1700. Três anos depois da descoberta das
primeiras jazidas, cerca de 6 mil pessoas tinham chegado às minas.
Na virada do século 18, esse número quintuplicara: 30 mil mineiros
já perambulavam pela área. Simplesmente não havia o que comer:
qualquer animal ou vegetal que pudesse ser consumido já o fora.
“Chegou a necessidade a tal externo que se aproveitavam dos mais
imundos animais e, faltando-lhes esses poderem alimentar a vida,
largaram as minas e fugiram para os matos para comerem cascas e
raízes”, relatou o governador Artur de Sá à corte, em 1701.
Foram devorados cobras, içás, sapos e “bichos mui alvos criados
em paus podres”, cuja ingestão às vezes era fatal aos famintos.
Formigas tostadas viraram uma iguaria comparada à “melhor manteiga
de Flandres”. Os preços de qualquer comestível que chegava à
região se tornaram exorbitantes: quando os baianos abriram o caminho
que, pelas margens de São Francisco, conduzia ao pólo minerador, um
boi, que em Salvador valia 4 mil-réis, era ali revendido por 96
mil-réis. No Caetê, uma galinha galinha valia 14 gramas de ouro.
O pior estava por vir. “Morreu muita gente naquele tempo, de
doença e necessidades e outros que matavam para os roubar, na volta,
que levavam ouro (…) matavam uns aos outros pela ambição de
ficarem com ele, como aconteceu em muitos casos”, relatou um
contemporâneo. Em 1707, o previsível aconteceu: rebentou a guerra
nas Minas Gerais. De um lado, os paulistas; de outro, os
“forasteiros”, chamados de emboabas.
A Guerra dos Emboabas prolongou-se por quase três anos e deixou
duas centenas de mortos. Seus episódios são confusos e
contraditórios e os relatos da época eram redigidos por partidários
ou inimigos de uma facção ou de outra. A seguir, o resumo do
conflito e seus desdobramentos:
O que foi: A Guerra dos Emboabas foi o confronto entre os
paulistas – descobridores das minas e dos caminhos que levavam até
elas – e os “forasteiros” (especialmente os portugueses), que
chegaram depois e se apoderaram (pela força das armas ou do
dinheiro) de algumas das melhores lavras. Os queriam exclusividade na
mineração.
Quanto durou: O primeiro confronto deu-se em maio de 1707,
quando um paulista matou o português dono de uma estalagem em Ponta
do Morro (vilarejo próximo a São João del Rei). O último combate
ocorreu a 22 de novembro de 1709, quando, depois de oito dias de
luta, os paulistas desistiram de tentar tomar o arraial onde os
emboabas estavam entrincheirados.
Como começou: Depois do incidente em Ponta do Morro, três
episódios semelhantes ocorreram em menos de um semestre. Em todos
eles, um paulista matou um “emboaba” por motivo fútil. Sob a
liderança de Manuel Nunes Viana, os emboabas reagiram, incendiaram
Sabará e expulsaram boa parte dos paulistas das minas. Viana se
tornou “governador” da região, no lugar do paulista Borba Gato.
Diz a lenda que, ao chegarem em casa derrotados, os paulistas foram
forçados por suas mulheres a retornar ao campo de batalha. Apesar de
matarem 80 emboabas, durante o sítio ao Arraial Novo, não
conseguiram a vitória.
Palavra emboaba: Vem do tupi amô-obá e significa
“estrangeiro”.
Consequências: Na prática, os paulistas perderam o controle
das minas mas, em 1710, São Paulo acabou se tornando uma capitania
independente.
Fonte: História do Brasil (1996), página 67.
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