segunda-feira, 15 de junho de 2015

A educação e o sistema de exames na China

O livro impresso foi a chave tecnológica do desenvolvimento da educação sob os Song. Como comenta Tsien Tsuen – hsuin em sua obra magistral sobre o papel e a imprensa, foi o papel o primeiro elemento a explicar o sucesso dos chineses na invenção do livro impresso. Embora seu desenvolvimento date do segundo ou do primeiro século a.C., ele só foi usado na impressão com clichês no final do período Tang. Os Song do Norte foram a primeira sociedade a contar com livros impressos.
A Europa estava muito atrás. O papel era mais barato quando feito de fibras vegetais, como na China, do que quando feito de trapos, como na Europa, da mesma forma que a impressão com clichês de madeira era mais simples, mais barata e convinha melhor aos ideogramas chineses do que os tipos móveis. A matéria impressa foi a força vital da expansão da elite Song.
Os livros impressos deram grande impulso à educação, tanto nos monastérios budistas quanto no seio das famílias. Inicialmente, o governo tentou manter controle absoluto da impressão, que era muito difundida. Mas por volta de 1020, ao contrário, ele passou a encorajar a fundação de escolas, por meio de doações de terras, mas também de livros.
O objetivo era que cada prefeitura tivesse uma escola do governo. As escolas recrutavam os candidatos, conduziam os rituais confucianos e davam conferências. John W. Chaffee (1985) conta que, por volta de 1.100, o sistema escolar do Estado possuía 1,5 milhão de acres de terra e podia manter cerca de duzentos mil estudantes.
O sistema de exames tornou-se uma enorme e intrincada instituição, central para a vida das classes superiores. Durante cerca de mil anos, dos Tang até 1905, ele exerceu papéis variados em relação ao pensamento, à sociedade, à administração e à política.
Os dois primeiros imperadores Song construíram o sistema de exames com objetivo de recrutar pessoal para sua burocracia. O privilégio yin, pelo qual os funcionários superiores podiam indicar seus filhos como candidatos por nomeação ainda vigorava, fazendo com que a classe dos funcionários se autoperpetuasse parcialmente. Mas enquanto as dinastias de meados do período Tang recrutavam 15% de seus funcionários por meio dos exames, os Song passaram a obter cerca de 30% a partir deles. Os examinadores Song tentaram selecionar homens capazes de defender a nova ordem civil “leais à ideia de um governo civil”, diz Peter Bol (1992). Ao tomar precauções contra a cola, os examinadores tinham de usar certos dispositivos, como revistar os candidatos na entrada, numerar as provas em vez de colocar nomes e copiar os trabalhos para evitar que os corretores reconhecessem a caligrafia do redator. Em 989, foram estabelecidas cotas de candidatos a serem aprovados em cada exame, de maneira que certas regiões geográficas onde o nível de conhecimento acadêmico era alto não tivessem vencedores demais no concurso.
Pesquisas pioneiras feitas há algumas décadas concluíram que os exames da dinastia Song ofereciam uma oportunidade de carreira às pessoas talentosas, permitindo que jovens adultos ingressassem no funcionalismo por seus próprios méritos. Mas uma análise recente mais atenta sugere que as grandes famílias continuavam, de toda maneira, a fazer com que seus candidatos entrassem no serviço público em número muito maior, parte em virtude de uma formação doméstica superior, parte pelo jogo de influências, por recomendações e contatos. Chaffee descobriu que, durante os três séculos dos Song, os exames tornaram-se cada vez menos importantes para a obtenção de um cargo e, apesar isso, de modo paradoxal, cada vez mais homens se apresentavam para os exames. Isso reflete o fato de que as famílias de funcionários da classe dominante encontravam cada vez mais maneiras especiais para que seus filhos obtivessem diplomas – por exemplo, por meio do privilégio yin de recomendação, ou pela prestação de vários exames especiais ou restritos, fora da competição regular e – coisa ainda mais surpreendente – pelo simples fato de se submeterem sucessivamente aos exames e serem sempre reprovados! (o que lembra as cadernetas concedidas às crianças retardadas, que obtêm pelo menos uma nota “A pelo esforço”). Disso resultava que os detentores de diplomas normais constituíam 57% do serviço civil em 1046; em 1149, eles perfaziam 45; em 1191, 31%; e 27% em 1213. Essa taxa descrente de sucesso se mostrava na proporção entre aprovados e reprovados baixada por lei (isto é, por decreto), à medida que o número de candidatos crescia: em 1023, podiam passar cinco em cada dez candidatos; em 1045, dois em cada dez; em 1093, um em cada dez; em 1156, um em cada cem e, em 1275, um em cada duzentos. Quanto mais candidatos entravam em competição, menor o número dos que passavam.
Assim, ter uma educação clássica e submeter-se aos exames tornou-se uma certificação de status social, quer o candidato passasse ou não, que ele obtivesse ou não um cargo de funcionário. Um estudo exemplar dessa comunidade feito por Robert Himes (1986) retraça a maneira pela qual o crescimento da classe de eruditos ultrapassou de longe o aumento de cargos do Estado, impossibilitando a maior parte dos diplomados por meio dos exames de ingressar na elite profissional do funcionalismo civil. Entre duzentos mil estudantes escritos, a metade se candidatava a um exame em que tinham de competir por quinhentos diplomas que lhes permitiam a entrada no serviço civil de cerca de vinte mil funcionários. Assim, a maioria dos estudantes via o caminho para os cargos públicos bloqueado. Em tal situação, o crescimento de comunidades rurais de mercado, com a necessidade de líderes locais, fez com que os eruditos se sentissem de novo atraídos a regressar a suas aldeias natais. Na dinastia Song, o status de uma família de elite começou a depender menos de que um membro da família ocupasse um cargo de funcionário e mais da riqueza, do poder e do prestígio familiar no cenário local.
Himes descobriu que as 73 famílias da comunidade de elite que ele estudou mantinham seu status de elite, em média, por 140 anos. Ele identificou ainda “densas redes de conexões” - familiares, acadêmicas e pessoais – unindo funcionários e pessoas do povo. Ocupar um cargo no serviço civil tornara-se apenas um fator – sequer um fator indispensável – para estabelecer um status de elite. Em outras palavras, a elite tinha se estendido de forma a englobar magnatas locais, chefes de família e servidores públicos informais, assim como ex-funcionários. Todos eles deviam, no entanto, dispor, como pré-requisito, de uma educação clássica, que os qualificava como membro da classe dos shi – eruditos ou “cavalheiros”. Por intermédio de sua formação confuciana, tais homens desenvolviam um senso de responsabilidade de forma a manter o mundo material e moralmente em ordem. Eles eram guiados pelo credo do neoconfucionismo, uma filosofia de vida que se originou nos debates dos funcionários eruditos sob os Song do Norte.


Fonte: China – Uma Nova História, páginas 100 a 102.  

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