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domingo, 31 de maio de 2015

Sagrada democracia, por Jarbas Lima

Democracia é o governo do povo. Só existe enquanto seus ideais e valores se concretizam nos fatos. Democracia autêntica jamais será idêntica a uma democracia ideal. Hoje é também um vocábulo honorífico. Todos querem ser ou parecer democratas. É de T. S. Eliot a advertência: “Quando um termo se santifica universalmente como democracia, começo a imaginar se ele exprime algo, ao significar coisas demais”. Nas democracias modernas três características são essenciais: a) a lei da maioria; b) os mecanismos eletivos; c) a transmissão representativa do poder. Povo é a maioria que ganhou o poder.

Na democracia, o Estado está a serviço dos cidadãos e não estes a serviço daquele. O governo existe para o povo, não vice-versa. Na democracia a sociedade tem precedência sobre o Estado. “Demos” precede a “cracia”. Daí a célebre expressão de Lincoln, no discurso de Gettysburg, em 1863, “governo do povo, pelo povo e para o povo”.

A democracia liberal, nos seus primórdios excluía os mais pobres. Por muito tempo foi desconsiderado o voto feminino e dos analfabetos. Tocqueville ensinou que “o conhecimento é um recurso político”. No Brasil, os direitos políticos se desenvolveram antes dos direitos civis. A chamada Nova República foi nova apenas no direito de escolher governantes. São velhas as suas práticas eleitorais, a irresponsabilidade dos eleitos, o nepotismo, o clientelismo, o seu patrimonialismo, a corrupção. A maldição histórica da pestilenta corrupção. José Bonifácio, o Patriarca da Independência, observou que a escravidão era o câncer que corroía as entranhas da Nação. Se vivesse hoje diria que o câncer é a falta de vergonha, o assalto aos cofres públicos, o saque ao dinheiro da saúde, da educação, da segurança, do pobre, do faminto, da criança, do idoso. Sábio, Ortega y Gasset: “Não se trata de questão de aceitar o nosso tempo. Cada época traz consigo sua norma e sua anormalidade, seus imperativos e suas falsificações”. O ronco dos porcos que chafurdam nas burras públicas está abafando a reação da decência, da honestidade, da dignidade. O que estão fazendo, ou já fizeram, com a nossa sagrada democracia?

Professor de Direito

Fonte: Correio do Povo, página 2 de 31 de maio de 2015.

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