domingo, 17 de maio de 2015

Os nossos bandidos, por Rogério Mendelski

O delegado Emerson Wendt, diretor do Denarc/RS, numa interessante entrevista ao nosso jornal, domingo passado (10/5, página 13), definiu com precisão antropológica o fator gerador da “idolatria aos criminosos”, baseado nas recentes mortes de dois chefes do tráfico de drogas em Porto Alegre, Xandi e Teréu.

A ausência do poder público nas comunidades periféricas permite o surgimento de pessoas como os traficantes mortos que promovem benfeitorias em troca de favores e do vazio estatal nasce uma relação de cumplicidade visível em qualquer grande cidade brasileira.

Não sei se o delegado Wendt conhece um ensaio do escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna intitulado “A História de um Povo É Também a História de Seus Bandidos”, onde ele se vale de personagens reais de nosso país que transitaram em vida entre os crimes mais cruéis e ações Robin Hood em suas comunidades, mas não há como fugir de nossas semelhanças atuais como bandidos famosos do Rio de Janeiro.

A única desatualização dos textos de Sant'Anna – escritos em 1979/1980 no Jornal do Brasil e publicados no livro “Política e Paixão” - é que o crime dominante nessa época era o jogo do bicho, não nas apostas, mas nas disputas por pontos de aposta que resultavam em “acertos de contas”. Mude-se jogo do bicho por tráfico de drogas e o pensamento de Sant'Anna é rigorosamente atual.

Diz ele: “É urgente que alguém escreva a história da marginalidade brasileira, pois a história de um povo é também a história de seus bandidos. Nenhum bandido surge aleatoriamente. Cada sociedade tem o bandido que merece”.

O Morro da Cruz teve seus “benfeitores” - Anão e Carioca - , ambos assassinados na luta pelo domínio da venda de drogas e a comunidade ficou de luto, como ficaram o Beco dos Cafunchos pela morte de Teréu e o condomínio Princesa Isabel com o assassinato de Xandi.

Todos esses bandidos – gaúchos e cariocas em suas respectivas épocas – merecem estudos já que não são apenas personagens, mas autores, segundo Sant'Anna. “São mais concretos que dois terços da literatura brasileira. Eles dramatizam, ritualizam e exemplificam uma série de conflitos latentes de nossa sociedade. São símbolos vivos. Deles escorre sangue.”

Falsos ídolos (1)

Seriam Xandi e Teréu falsos ídolos como querem nossas autoridades, ou apenas substitutos daqueles prestadores de serviços públicos essenciais ausentes nas comunidades que foram controladas pelos dois?

Falsos ídolos (2)

Estivesse o poder público presente com educação, segurança pública e saúde, para todos, com eficiência e competência, no Beco dos Cafunchos e no Princesa Isabel, haveria oportunidade para Xandi e Teréu surgirem como lideranças respeitadas e temidas?

Vale lembrar

Foi a abertura democrática dos anos 80 do século passado que trouxe guerrilheiros, terroristas, bandidos e cassados pelo regime militar de volta à legalidade. Regimes democráticos lutam para acabar com a marginalidade de seus cidadãos, pois é escassa marginalidade social que cria seus bandidos e mocinhos.

O pensamento de Sant'Anna (1)

Bandido não é bandido e mocinho não é mocinho. Cristo, considerado marginal pelo Império romano foi crucificado entre dois bandidos e ainda levou um deles para o céu. A máfica italiana com suas conexões americanas foi decisiva para o desembarque aliado na Sicília, na II Guerra Mundial. Lucky Luciano é o exemplo.

O pensamento de Sant'Anna (2)

Do Exército brasileiro saíram dois heróis ou dois bandidos, dependendo de quem analisou as biografias de Luiz Carlos Prestes e Carlos Lamarca. “Revolução e criminalidade podem também se encontrar”, diz Sant'Anna.

Fonte: Correio do Povo, página 6 de 17 de maio de 2015.

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