Eu não tinha lido — e tomo ciência delas só agora, com certo atraso — duas falas de ministros do Supremo sobre a constitucionalização da doação de empresas privadas a campanhas eleitorais.
A de Dias Toffoli é, vá lá, amena, embora eu, muito provavelmente, discorde dele: “O que eu penso ser bastante importante é que se estabeleça limite de gastos. Hoje, são os próprios candidatos que se autolimitam. Ou seja, o céu é o limite. É necessário que se coloque um valor nominal fixo por empresa para doação, além desse proporcional sobre o faturamento”.
Por que o “muito provavelmente”? Se ele estiver falando em criar um limite na legislação eleitoral específica, ok. Se for um limite na Constituição, é claro que é inaceitável. Toffoli, no juízo de mérito, considerou tais doações inconstitucionais, dada a Carta que temos hoje. A maioria dos ministros o fez. Procurei que artigo da dita-cuja justifica tal juízo e nada achei.
Mas a fala que realmente me leva à indignação, e por dois motivos, é a do ministro Luís Roberto Barroso. O primeiro deles está no fato de que a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que está no Supremo tem as suas digitais. É coisa de seu grupo na Uerj. Para ler detalhes a respeito, clique aqui. Esse ministro, aliás, deveria ter se declarado impedido de votar sobre o tema. Não só votou como faz proselitismo aberto contra a emenda aprovada pela Câmara em primeira votação.
Leiam o que diz: “Uma regulamentação que não imponha limites mínimos de decência política e de moralidade administrativa será inconstitucional. A decisão desses limites deve constar em lei. Mas, não havendo lei, se houver uma imoralidade administrativa ou uma possibilidade totalmente antirrepublicana, eu acho que o Supremo pode e deve declarar inconstitucionalidade”.
Em primeiro lugar, ele está fazendo uma antecipação de voto. Em segundo, pronuncia-se fora dos autos. Em terceiro, deixa claro que será imoral e antirrepublicano tudo aquilo que ele próprio acha imoral e antirrepublicano. Em quarto, comporta-se como se fosse deputado ou senador. Em quinto, confunde a sua tese com o interesse do país.
Mas não só isso. Não deve ter sido um bom aluno de matemática. Não deve ter sido um bom aluno de lógica. Deve ser do tipo que está na chamada “área de humanas” porque não conseguia lidar direito com as disciplinas de exatas… Leiam esta barbaridade:
“Permitir que a mesma empresa financie todos os candidatos quer dizer que ou ela está sendo achacada ou ela está comprando favores futuros”.
É de clamar aos céus, não? Que prova haveria de que alguém que só doa ao candidato do poder de turno não está sendo achacado ou pensando em favores futuros? Talvez seja uma das maiores tolices jamais ditas por um ministro do Supremo. Mais: ela embute a possibilidade de que pode não esperar favor quem aposta no grupo que já está no poder, mas o espera daquele que aposta no que não está. A penúria lógica de Barroso seria de dar pena se não fosse exasperante. Afinal, ele é ministro do Supremo. Só há 11 pessoas no Brasil com tal distinção.
Ele vai além. Vocês sabem o que é um gato escondido com o rabo de fora? Pois é… A gente não vê o bichano, mas sabe ser um gato, não é? Querem ver a tese dos petistas na fala do ministro? Eu mostro. Segundo ele, é preciso restringir a possibilidade de contratação de empresas que fizeram doações pela nova administração porque isso seria “permitir que o favor privado, que foi a doação, seja pago com dinheiro público, o que é evidentemente imoral”.
É outra fala de uma estupidez alvar. Havendo tal proibição, vamos ver as consequências:
1: A empresa X, sabendo que o favorito é o candidato A, pode investir no candidato B para demonstrar a sua falta de ambição, né, ministro?;
2: se o candidato B vence, mas a empresa apostou no A, ela pode ou não ser contratada, grande mestre e sábio?;
3: se a proibição das doações levaria à multiplicação do caixa dois, a sugestão do ministro também levaria, ora bolas! Por que uma empreiteira financiaria uma campanha para depois ser impedida de trabalhar para o governo? Melhor fazê-lo por fora. Mais: doutor Barroso quer que um candidato sem chances tenha mais dinheiro do que o favorito. Doutor Roberto cultura um novo lema: “Ao perdedor, as batatas!”;
4: mais: empresas que colaboram, então, para o financiamento da democracia seriam punidas; aquelas que não estão nem aí seriam beneficiadas — mas essa é só a hipótese de esse segundo grupo não estar operando no caixa dois;
5: no fundo, Luís Roberto Barroso acha que é o capital que corrompe os homens probos, e não os homens corruptos que corrompem um sistema probo;
6: ideias têm filiação, e a sua também: essa mentalidade decorre de uma das grandes tiranias do século passado: fascismo ou comunismo;
7: fascistas e comunistas se dedicaram a fazer reengenharia social para que a tal sociedade parasse de corromper homens supostamente bons. Deu no que deu.
Por que Luís Roberto Barroso não se contenta em ser ministro do Supremo ou, então, não renuncia ao cargo que ocupa e disputa eleições? Se o povo lhe der a graça do voto, ele propõe o que quiser. Usar a toga para ameaçar uma proposta aprovada pelos deputados com o fantasma da inconstitucionalidade é inaceitável. É, como ele diz, “evidentemente imoral”.
O doutor está vendo a sua tese, que foi lavada pela OAB, ser derrotada no Congresso e pretende usar o tapetão, do qual faz parte, em defesa do próprio pensamento. Barroso está fundando a “Advocacia Administrativa Intelectual”.
Que coisa feia!
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