Leis passam ao largo da realidade
Criada em 1943, CLT hoje divide a opinião de especialistas
KARINA REIF
Considerada a grande conquista dos assalariados no Brasil, a consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estaria ameaçada em função de flexibilizações colocadas em prática, ou votadas nos últimos meses. No Dia do Trabalho deste ano, a discussão gira em torno da possibilidade de terceirização de serviços fim aprovada pela Câmara dos Deputados e que ainda deve passar pelo Senado seria um retrocesso de 150 anos para uns e uma modernização necessária para outros. O tema foi posto em debate e ainda gera polêmica, mesmo estando em tramitação por 11 anos.
Para justificar a busca pelo equilíbrio fiscal e garantir R$ 18 bilhões por ano, o governo federal alterou regras de pagamento de abono salarial de seguro-desemprego, pensão por morte, auxílio-doença e o seguro defeso, pago a pescadores profissionais. “Essas mudanças são muito negativas para a legislação trabalhista. É a posição dos juízes do Trabalho em geral”, declara o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), Francisco Rossal de Araújo, afirmando que a questão da previdência apesar de negativa é lateral, enquanto que a abertura para as terceirizações vai atingir em cheio a população brasileira. Conforme ele, o texto do projeto abre brechas para fraudes. “Lidamos com isso todos os dias. É muito comum vermos empresas desaparecerem e os trabalhadores ficando sem salários e Fundo de Garantia. Isso é muito triste, porque são danos a longo prazo.”
Segundo ele, quando se coloca um intermediário na relação de trabalho, ocorre um jogo de empurra das responsabilidades e quem perde é o funcionário, que não tem quem cobrar. Conforme Araújo, que é professor de Direito do Trabalho e Economia Política na Universidade Federal (Ufrgs), o prejuízo à mão de obra pode ser comprovado com a matemática. “Se colocar um terceiro no meio, ele não vai trabalhar de graça. Alguém terá de pagar, mas o patrão não vai abrir mão dos lucros. Ocorre uma diminuição nos salários. A questão é quase autoexplicativa”, destaca. O argumento de que as terceirizações criariam vagas é mentiroso, na opinião do desembargador. “O que gera emprego é crescimento econômico. O que faz um país ir para frente é distribuir riqueza.”
A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho IV Região (Amatra) entende 2015 como um divisor de águas na história dos direitos sociais. “Caso o projeto de lei 4.330 seja aprovado, vai sepultar toda a raiz do Direito do Trabalho”, considera o presidente da entidade, Rubens Fernando Clamer dos Santos Júnior. “A terceirização a longo prazo gera muito mais acidentes, precariza as relações e reduz os direitos”, afirma. Conforme ele, embora a PL esteja em tramitação desde 2004, não houve discussão necessária sobre o assunto.
“Muito se fala em segurança jurídica, mas a PL não traz qualquer segurança jurídica, porque ela já existe. A jurisprudência estava sedimentada com uma súmula que fixa limites e contornos legais”, diz. Segundo Santos Júnior, desde a Constituição de 1988, há direitos escritos, ainda sem regulamentação. “A modernização de aspectos pontuais é bem-vinda. Qualquer norma jurídica pode ser melhorada. A CLT não está defasada.”
É um tabu discutir as mudanças
A legislação trabalhista, criada em 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas, está defasada na opinião de alguns especialistas. A CLT não estaria contemplando a nova realidade no mercado. “Temos um mar de situações em que as leis passam ao largo. Esse projeto das terceirizações mostra a carência do Direito do Trabalho nas relações atuais”, diz o professor de Direito do Trabalho e Direito Processual da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), José Antônio Reich.
Segundo ele, a terceirização já ocorre de fato no Brasil, mas não se verifica na lei, lembrando que as decisões judiciais são tomadas considerando uma súmula. “com base nisso, me parece interessante colocar em discussão a atualização das leis trabalhistas. Os direitos foram pensados em uma outra realidade socioeconômica brasileira”, diz.
Antes de se discutir a possibilidade de terceirização das atividades-fim, é necessária uma remodelação na legislação, segundo o professor. “Da forma como está sendo colocada, a PL entra em conflito com a CLT”, avalia. Reich salienta que é difícil normatizar para trabalhadores em todo o país. “É interessante icrementar a questão sindical para tratar das peculiaridades e regras particulares de cada categoria”, explica Reich.
Contudo, admite que as entidades de classe têm opiniões enraizadas e falar em mudança da CLT é um tabu. Apesar de o Brasil ter leis que protegem os trabalhadores, existe um montante de pessoas que ainda querem sair do país para atuar, justamente, em locais em que não existe essa segurança.
Para o advogado José Antônio Reich, é delicado comparar. “As realidades culturais, sociais e econômicas são diferentes. Acho arriscado fazer a importação de modelos. Devemos fazer uma correta análise da sociedade brasileira para saber o que ela pretende e almeja sem nos preocupar com outros.”
Planalto quer evitar 'pejotização'
Em encontro com centrais sindicais no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff defendeu a regulamentação da terceirização, mas restrita às atividades-meio, a fim de evitar o que chamou de “pejotização”. Segundo ela, o esforço e o compromisso do governo serão para que, após discussão e votação do projeto (hoje no Senado) os direitos e as garantias dos trabalhadores sejam mantidos”.
“A terceirização já ocorre de fato no Brasil, mas não se verifica na lei”.
José Antônio Reich
Professor da FMP
CNI aguarda pela regulamentação
A indústria é um dos setores que mais aguarda pela regulamentação das terceirizações. O presidente da CNI, Robson de Andrade, defende marco legal para contratos de prestação de serviços. “Há união, tanto do trabalhador quanto dos setores da economia, para que essa legislação possa ser aprovada. Ele defende proposta que permitiria escolher quais as partes do processo produtivo terceirizar.
Dieese diz que cenário está muito longe da crise
A taxa de desocupação no país em março de 2015 foi estimada em 6,2% para as seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – índice considerado estável em relação a fevereiro (5,9%). Na comparação com março de 2014, a taxa aumentou 1,2%, passando de 5% para 6,2%, com 280 mil pessoas a mais desempregadas. O quadro reflete a estagnação da economia brasileira.
Contudo, o supervisor geral do Dieese no RS, Ricsrod Franzoi, afirma que a crise não atingiu o trabalho de forma generalizada. A situação do emprego pode ter piorado nos últimos 12 meses, mas é melhor do que há dez anos. “A taxa de desemprego chegava a 22% na Região Metropolitana de Porto Alegre há 15 anos. Mesmo que piore um pouco, está distante daquele patamar.” Na sua opinião, desde 2013 há a percepção de que a situação era muito mais grave do que realmente é.
A indústria tem registrado queda na produção e na empregabilidade, mesmo assim, ainda há segmentos que seguem crescendo e criando vagas, como o de materiais de limpeza, por exemplo. Para Franzoi, o cenário não é diferente de outros países e, por isso, é interessante fortalecer o mercado interno. “O que gera vagas é crescimento econômico”, diz lembrando que a questão das terceirizações pioraria a remuneração dos trabalhadores e reduziria o consumo, o que poderia gerar reflexos negativos em cadeia.
Fonte: Correio do Povo, página 4 de 1° de maio de 2015.
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