segunda-feira, 27 de abril de 2015

Todas as pessoas têm potencial para empreender, diz ′banqueiro dos pobres′

por ROBSON RODRIGUES
 O Nobel da Paz Muhammad Yunus, 74, vem ao Brasil para uma série de palestras sobre negócios sociais, iniciativas que não geram lucro para os investidores, mas solucionam alguma questão social importante.

Homem de opiniões pouco convencionais, o economista acredita que o empreendedorismo –e não a filantropia– é a solução para a pobreza no planeta.

O fundador do Grameen Bank, instituição que criou o sistema de microcrédito para pobres de seu país (Bangladesh), defende que o acesso ao crédito deveria ser direito universal do ser humano.

Atualmente o banqueiro dos pobres –como é conhecido– tenta expandir a ideia de que é possível criar "empresas sociais" em parceria com o setor privado.

O bengalês já esteve envolvido em polêmicas sobre sua forma de administrar o banco. Em 2010, um documentário da televisão norueguesa o acusou de uma série de práticas antiéticas e irregulares, entre elas a transferência ilegal de US$ 100 milhões do Grameen Bank, causando sua renúncia do banco. O governo de Bangladesh reconheceu que o banco não incorreu na irregularidade. Questionado sobre isso, Yunus e seus assessores se recusam a falar.

Folha - O senhor fala sobre a emergência de um novo tipo de negócio, que chama de negócio social, que é diferente de como costumamos pensar os negócios socialmente responsáveis. Pode explicar o que o senhor quer dizer?

Muhammad Yunus - Os negócios socialmente responsáveis são uma importante evolução, mas ainda estão dentro do modelo tradicional, em que o foco e a missão são a maximização do lucro.

Antigamente pouco se olhava para o impacto social negativo que um negócio provocava. A sustentabilidade trouxe a necessidade de os negócios se adaptarem e não causarem prejuízos aos meios social e ambiental no qual estão inseridos.

Negócio social é uma outra espécie de negócio. É um tipo de "business" que, em vez de ter como missão o lucro, visa resolver alguma questão social. Os investidores ou donos da empresa podem gradualmente recuperar o dinheiro investido, mas não retiram dividendos depois disso. O propósito do investimento é atingir um ou mais objetivos sociais por meio daquele negócio e não há nenhum interesse de ganho financeiro pessoal pelos investidores.

Quais são as condições necessárias para que esse modelo possa ser replicado em grande escala e em diferentes culturas, como o Brasil?

As matérias-primas principais do negócio social são o inconformismo com problemas que estão ao nosso redor e a criatividade humana para enfrentá-los. Neste sentido, a principal condição é a existência de empreendedores, pessoas munidas dessa vontade de solucionar problemas, de mergulhar neles, estudá-los para que surjam as ideias e possibilidades de resolvê-los.

Nessa sua segunda vinda ao Brasil, o senhor se propõe a criar uma rede de universidades unidas em torno da promoção de negócios sociais como uma maneira para a resolução de problemas sociais. Como fará isso: só com parcerias ou financiamento?

Nossa intenção é que as universidades possam cada vez mais se tornarem centros, não apenas de formação teórica de negócios sociais, mas que possam ser incubadoras de projetos sociais.

Não há nenhum aporte específico, mas há diversas possibilidades de potencializá-lo se beneficiando da vocação de cada integrante da rede que pode criar e desenvolver projetos para benefício comum. No Brasil, a iniciativa começou há dois meses.

O senhor já afirmou que o microcrédito pode ser considerado uma alternativa para combater a pobreza. Os grandes bancos tradicionais, no entanto, têm se interessado pelo microcrédito, visando o lucro. No Brasil, políticas indiscriminadas de microcréditos causaram endividamento. Como o senhor analisa isso?

Não conheço os modelos de microcrédito praticados no Brasil em detalhes. O modelo que desenvolvemos em Bangladesh e em alguns outros países foi um exemplo de negócio social, com a missão única de resolver o problema de falta de acesso ao crédito para as pessoas que viviam na extrema pobreza.

O foco do negócio era tirar as pessoas da linha da pobreza, e não maximizar lucros para o banco. O uso do nome microcrédito não é por si só nenhuma garantia da intenção com foco social de quem a esteja aplicando.

A natureza do sistema capitalista vigente no mundo não reduz as desigualdades. Ao contrário. Se deixarmos ele agir naturalmente, a tendência será de sucção dos recursos.

O senhor já disse que todas as pessoas são empreendedoras, mas muitas nunca descobrem esse talento. Por quê?

Sim, acreditamos que todas as pessoas são empreendedoras em potencial. As pessoas que vivem em extrema pobreza simplesmente não descobrem este talento porque estão lutando para sobreviver um dia de cada vez. Mas são ao mesmo tempo a maior prova de criatividade para justamente conseguirem se manter vivas.

Em que medida a "bancarização" dos mais pobres modifica o comportamento dessas pessoas e acende a esperança de sucesso numa economia controlada pelos mercados, competitiva e eficiente, mas vista como injusta?

Quando a pessoa sai de uma condição de sobrevivência, ganha dignidade, autoestima, restabelece seu potencial máximo como indivíduo para empreender e assim prover uma vida melhor para si próprio e para sua família.

Muitas destas pessoas vivem em regiões em que na verdade os mercados tradicionais ainda não atuam ou atuam com extrema deficiência, justamente pela carência de infraestrutura, condições básicas para estabelecimento de negócios mais tradicionais. Ninguém melhor do que essas pessoas, que conhecem suas necessidades, para enxergar oportunidades e preencher esta lacuna.

Nos últimos anos, projetos de transferência de renda, como o Bolsa Família, têm sido importantes instrumentos para diminuição da pobreza no país. Quais são os caminhos alternativos para os beneficiários saírem do programa, evitando a dependência?

Esses programas de transferência de renda realmente têm grande importância e são fundamentais para criar uma condição básica de sobrevivência. Mas é fundamental que venham acompanhados de programas que libertem as pessoas para tomarem as rédeas de suas próprias vidas.

Um indivíduo só atinge seu pleno potencial quando sente-se no controle e com autonomia na sua própria vida. Existem alternativas para isso, o microcrédito é uma das formas de incentivo que faz a pessoa buscar, de forma autônoma, algo em que ela acredite que possa transformar sua realidade.

RAIO-X

IDADE

74 anos

FORMAÇÃO

Banqueiro e economista com doutorado pela Universidade Vanderbilt, nos EUA

TRAJETÓRIA

Fundou, em 1976, o Grameen Bank, instituição especializada em microcrédito para pobres em Bangladesh (seu país de origem), o que lhe rendeu o prêmio Nobel da Paz em 2006

Fonte: Folha Online - 27/04/2015 e Endividado

Nenhum comentário:

Postar um comentário