Parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados vão procurar o Ministério da Justiça e outros órgãos federais para solicitar apoio no encaminhamento de ações e políticas públicas na cidade goiana de Cavalcante, a 300 quilômetros de Brasília. A comissão promoveu uma audiência pública na cidade nessa segunda-feira (20) e recebeu uma série de denúncias de trabalho doméstico infantil, abuso e exploração sexual de meninas da comunidade quilombola Kalunga e da própria cidade.
Por medo de retaliações, oito pessoas prestaram depoimento à comissão em uma sala reservada. Conselheiras tutelares e educadores sociais da cidade afirmam que já receberam até mesmo ameaças de morte. Existem denúncias ainda da existência de uma rede de aliciadores para o tráfico de pessoas que levaria meninas quilombolas para o turismo sexual na região e para o trabalho infantil doméstico em Brasília e Goiânia.
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O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), teme que as denúncias apresentadas na audiência pública aumentem as ameaças à população. “Vamos atuar nesse acompanhamento para que efetivamente qualquer ameaça a qualquer pessoa que tenha participado desse evento seja considerada uma ameaça à comissão, portanto crime de responsabilidade da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança, caso seja necessário", destaca Paulo Pimenta, que também espera atuação mais firme em Cavalcante da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).
Quilombola da comunidade do Engenho, Dalila Reis Martins, de 28 anos, contou na audiência pública que meninas kalungas vêm sendo submetidas há décadas ao trabalho infantil e a abuso sexual. Muitas delas seriam vítimas de uma rede de aliciadores que levaria meninas quilombolas para Brasília, Goiânia e Minaçu (norte de Goiás). Dalila passou por essas violações durante a infância e a adolescência. Foi submetida a trabalho infantil em Cavalcante e Brasília. Hoje trabalha para acolher outras meninas quilombolas na mesma situação.
"Já ajudei oito meninas, nove com a última agora, já ajudei a sair das casas das pessoas. É PM, é gente que trabalha no Ministério Público, é gente que trabalha na Esplanada, é advogado que sabe que não pode fazer isso", aponta Dalila, para quem o problema só vai se resolver com políticas públicas. “As famílias quilombolas estão vulneráveis por falta de apoio para desenvolver atividades econômicas, agrícolas, por falta de escolas, espaços de esporte e lazer. Vemos os pais de muitas meninas no alcoolismo e não sabemos como ajudar. São essas meninas que acabam indo para o trabalho doméstico e, em seguida, são submetidas a abuso e à exploração sexual.”
A Polícia Civil de Cavalcante ainda não abriu inquéritos para investigar a possível existência de uma rede de aliciadores de meninas quilombolas para o trabalho infantil doméstico em outras cidades. O Ministério Público local, no entanto, confirma que tem recebido denúncias sobre meninas que são levadas da comunidade quilombola Kalunga para Brasília e Goiânia. O delegado da Polícia Civil Diogo Barreira diz que há poucos agentes para fazer as investigações. Ele responde pelas delegacias de Cavalcante e Alto Paraíso, ambos na região da Chapada dos Veadeiros. “Os últimos concursos priorizaram as grandes cidades, que precisam de policiamento, mas o interior ficou desguarnecido.”
A deputada estadual de Goiás Adriana Accorsi (PT) acompanhou a audiência pública em Cavalcante e recebeu vários relatos de policiais sobre a falta de estrutura para o trabalho. “Falta até mesmo carro adequado para operações nas áreas rurais e quilombolas. A delegacia não conta com agentes ou psicólogos capacitados para ouvir as vítimas de violência sexual”, conta a deputada, que também é delegada da Polícia Civil. Ela e outros deputados estaduais presentes na audiência comprometeram-se a pressionar o governo de Goiás a reforçar as ações e políticas públicas em Cavalcante.
O prefeito da cidade, João Neto, afirma que o orçamento do município é insuficiente para todas as demandas dos 10 mil habitantes.“Não queremos acobertar nada e ninguém. Mas temos um município extenso, com uma área rural grande, e que demanda muitos recursos. Clamo para que os governos estadual e federal nos auxiliem”, destaca. “Temos uma cidade bonita, com muitos atrativos naturais e que não pode ficar mais conhecida pela violência sexual contra suas meninas do que por suas riquezas naturais e pela sua diversidade cultural.”
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